Um Olhar Sobre A Formação De Docentes Em Serviço Num Recanto Amazônico



Resumo

O presente texto discute o atual processo de formação de professores em grandes projetos governamentais.Trata-se de uma reflexão acerca das mudanças e retrocessos absolvidas pelos docentes acerca de sua identidade profissional. Pois, como sabemos a prática docente deve ser influenciada pela construção multidimensional e interdisciplinar que re-configure os saberes e aprendizagens dos alunos frente aos desafios globais e regionais (em nosso caso, amazônicos). Trata-se de verificar se "a formação" destes profissionais será capaz de formar um professor (a) intelectual e cidadão (ã), em processo continuo de formação, capaz de articular a teoria e a prática, aprendendo e refletindo sobre a última, iluminada com teorias construídas e sistematizada inclusive por ele (a); se será capaz forma através da prática coletiva de cidadão(ã) solitário para cidadão (ã) solidário(a), que poder desenvolver a escuta, a tolerância e o respeito com o (a) outro(a) – o igual e, sobretudo, com o diferente.Capaz, ainda, de construir uma identidade profissional e regional buscando superar a suposta neutralidade; que tenha ou consiga ter disponibilidade para o novo, ousando alternativas educacionais comprometidas com aprendizagens dos alunos, com a igualdade e a justiça social; que seja menos consumidor das políticas educacionais de forma a - crítica, para ser mais produtor de conhecimento; que seja livre para educar para a cidadania, fundado no futuro, tendo o homem/o humano como projeto.Por isso, nosso problema busca-se entender e compreender: Como a formação em nível superior influencia na práxis docente? Porém, delimitamo-nos a analisar a mudança na prática educativa, na ótica dos professores, a partir da formação em serviço, com recursos da Lei nº 9424/96 (FUNDEF), e com recursos do Governo do Estado do Acre.

Introdução

Esta proposta de análisese propõe, a partir desse envolvimento com a problemática supracitada ,a verificar o pensar, fazer do professor(a) de Ensino Infantil e Fundamental, numa tentativa de compreender a postura político - pedagógico do educador como profissional articulador de saberes e posturas a partir do micro universo da sala de aula amplificando-os aos macros espaços sociais.

Se, entendemos que o profissional da educação, para as series iniciais, deve caracterizar-se como o professor que deverá dominar os instrumentos necessários para o desempenho competente de suas funções, que tem capacidade de tematizar sua própria pratica, refletindo criticamente a respeito dela. Além disso, conhece ou deverá conhecer os conteúdos curriculares, estimula as interações sociais, o que permitirá queadministre com tranqüilidade as situações em sala de aula. Conhece, aceita e respeita as diversidades culturais e, sabe lidar com elas. Compreende os fundamentos da cidadania, consegue utilizar formas contemporâneas de linguagens, e domina os princípios científicos e tecnológicos que sustentam a produção da vida atual; empenhando-se no próprio aperfeiçoamento profissional, esta discussão é relevante. Porque a construção, aquisição e o aprimoramento dos saberes se misturam com o tipo de práticaque os professoresdesempenham em sala de aula e esta marcaa qualidade do ensino e da aprendizagem dos educandos.

A formação de professores tem sido objeto de muitos estudos e debates. Entretanto, existem muitas dúvidas e indefinições. Buscando contribuir para o avanço deste processo, ousamos lançar o olhar sobre "formação em serviço", focalizando espacialmente os docentes das series iniciais do Ensino Fundamental e Infantil.

De acordo com a Lei 9394/96, os professores das series iniciais devem ser formados em Curso Normal de Nível Superior. O Nível Médio também na modalidade Normal é admitido como formação mínima aceitável, porém a desejável é a graduação plena (art. 62). Até o final da "década da educação" (este ano de 2006), a exigência de habilitação em nível superior será estendida a todos (art.87 ss 4º). Ao mesmo tempo, que a nova LDB atribui aos municípios, e supletivamente, aos estados a responsabilidade de realizar programas de educação a distancia (art.87); a Lei nº 9424/96 que institui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF), prevê recursos financeiros para habilitação de professores não titulados em exercício (art 7º e 9º). Esta breve análise, mostra que houve conquistas nas políticas públicas de formação de professores. Entretanto, não se consolidou inteiramente uma identidade destes docentes como profissionais da educação.

Revisão teórica

Para Salgado (2000), a identidade profissional está ligada as representações sociais sobre ela, isto é, às idéias e crenças que a população e os próprios professores tem sobre o trabalho que fazem. Na formação de professores, essa identidade associa-se ao sentimento e a consciência de pertencer a um grupo, de ser profissional, interagindo com as representações sociais sobre sua identidade.

Outra questão que se coloca é abrangência qualitativa da formação em serviço. Pois, a melhoria da qualidade de ensino tem como condição, entre outros fatores, a existência de profissionais competentes e comprometidos. Diante desse pressuposto, a formação deve ser repensada e re-significada. Para Nóvoa (1999), a formação de professores tem ignorado, sistematicamente, o desenvolvimento pessoal confundindo formar e formar-se, não compreendendo que a lógica da atividade educativa nem sempre coincide com dinâmicas próprias da formação. Em geral o que se observa é interesse quantitativo na esfera governamental, gerando cursos "aligeirados", de cunho estritamente técnico, segregado, e com tentativas globais. Nóvoa entende e defende a formação de professorescomo processo contínuo fundamental em suas vidas e escolas. Sugerindo que a formação de professores volte-se para o desenvolvimento pessoal: produzir a vida do professor e para o desenvolvimento organizacional produzindo a escola.

Nos cursos superiores de formação de professores, faz-se necessário a reflexão e análise dos mecanismos e dos procedimentos metodológicos que desenvolvem faculdades capazes de forjar o professor como profissional cujas ações criem condições para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, afetivas e sócias. Enfim,condutas desejáveis tanto no que diz respeito ao individuo quanto aos grupos humanos, apropriando-se de saberes nos diferentes âmbitos do conhecimento, utilizando-se da experiência e da reflexão como ferramentas de compreensão e analise do próprio fazer pedagógico, e permitindo o alargamento dos limites da formação inicial, afim de que possa enxergar o mundo em outra perspectiva, para terconsciência do trabalho que desenvolve junto à sociedade. Segundo Nóvoa, (1992, pág 23): "... estar em formação implica para um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e sobre os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional".

Neste paradigma a formação não tem um caráter cumulativo, ou seja, não se constrói por acumulação de conhecimentos, mas sim por meio da reflexão crítica sobre a própria experiência e, a interação não só com outros elementos da comunidade escolar, como também outros segmentos da sociedade. O dialogo do professor/profissional com tais elementos é fundamental para sedimentar saberes que emergem das diferentes práticas profissionais e ao estabelecimento desses espaços coletivos de construção de competênciastransmitido/reconstruído/produzido nas interações formador/professores em formação. Esse caráter de refletividade é imprescindível. Como salienta Contreras (1997) apud Pimenta e Ghedin (2002, p. 128):

A definição do professor como intelectual transformador, comoprofissional reflexivo, permite expressar sua tarefa nos termos docompromisso com um conteúdo definido: elaborar tanto a critica dascondições de seu trabalho como umalinguagem depossibilidades que se abra á construção de uma sociedade maisdemocrática e justa, educando seu alunado como cidadãos críticos,ativos, vivida, guiados pelos princípios de solidariedade e esperança.

A pratica reflexiva do professorado implica na compreensão consciente do discente no mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências objetivas, interesses sociais e políticos. Mas também pode desencadear um processo reflexivo - crítico - criativo na práxis educativa que rompe a normalidade e inércia de uma pratica alienante e, não transformativa no caminho para um viés profundamente qualitativo. Para tanto é necessário que o docente assuma como verdadeira a necessidade de pensar sua prática. Para Freire (2000, pág. 44):

" Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão critica sobre a pratica. É pensando criticamente de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima. O próximo discurso teórico, necessário à reflexão critica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunda com a pratica".

Diante disso, cabem as reflexões sobre como é feita a formação de docentes? A que fins servem esse tipo de formação? Que princípios, políticas e interesses direcionam a qualificação desses profissionais da educação básica? No foco das Diretrizes e Bases da Educação Nacional estão "os não – saberes","a falta de oportunidade para desenvolvimento cultural" a necessidade de que os recursos de formação tomem para si a responsabilidade de suprir as eventuais deficiências da formação em nível médio, sugerindo que essa formação tenha um caráter compensatório. Barreto (2000), afirma que as diretrizes estão centradas no preenchimento competente das faltas, ou seja, na concepção de competência nuclear na orientação do curso de formação de professores. Em um discurso marcado pela circularidade, as competências são postas como o núcleo da reforma, sem uma abordagem conceitual substantiva. Um discurso que parece adotar um colorido construtivista como estratégia de legitimação. (Barreto, 2002, p. 133-4 )

Tentando concluir

A formação em programas, muitas vezes, ignora os saberes construídos pelos profissionais em anos de docência, uma vez que não permitem as interações efetivas de professores formadores versus professores em formação, reconhecendo os alunos como sujeitos do conhecimento e não simplesmente como "espíritos virgens". Como estabelecer relação teórica e prática nos espaços de formação onde os conjuntos de teorias devem ser absorvidos sem tempo/ espaço para a reflexão de aplicabilidade, validade e operacionalização, no âmbito da escola ? Tal questionamentopode ser respondido quando o professor é reflexivo, pois, estes estão sempre se questionando sobre o seu saber, sobre o seu fazer e sobre o seu saber fazer em sala de aulaindo além da atitudes imediatas, tendo presente o tipo de homem se quer formar.

Ofoco da mudança no ensino é o professor, um dos focos é sua formação. Espera-se que a formação em nível superior, -mesmo não levando em conta os meios que ela se processou, o tempo do professor em formação nos bancos acadêmicos, a base curricular cursada, a impossibilidade de influencia no processo na educação, a imposição dasmacro – políticas - , seja construtora da qualidade educacional, diminuindo os índices de repetência, de evasão, distorção série/ idade, fazendo a inclusão dos alunos, culturas e comunidades no espaço da escola. Não se leva em conta que a sala de aula, já possui em si a complexidade. Caracterizada por Muzukami (1999) como: Por sua multidimensionalidade, simultaneidade de eventos, imprevisibilidade, imediaticidade e unicidade''. (Muzukami apud Queluz e Alonso, 1999, p. 59).

Os docentes formados nestes cursos estão preparados para o enfrentamento da práxis educativa numa dimensão critica, competente, reflexiva com alunos das series iniciais do ensino fundamental e infantil? O que sabemos é que análise atual da docência não pode estar desvinculadada relação entre ensino e pesquisa, nas suas varias dimensões. A necessidade de melhoria da qualificação profissional, já estava expressa na Declaração Mundial de Educação para Todos ( 1990, art.7), que diz que é : ''é particularmente importante reconhecer o papel vital dos educadores para a transformação dos sistemas de ensino''. Neste contexto as condições de trabalho, deviam ser melhoradas em todos os paises signatários da Recomendação Relativa a Situação do Pessoal Docente – OIT/UNESCO – 1996. Reafirmando este enfoque o Compromisso Nacional de Educação para Todos (1993, art 5º) coloca que se devem valorizar social e profissionalmente o magistério, por meio de programas de formação, plano de carreira, remuneração e outros benefícios que estimulem a melhoria do trabalho docente. No Acre, a remuneraçãosalarialpara professores é uma das melhores do Brasil, mas ocusto de vida , leva a muitos docentes aprocurar outra ocupação. Precisemosde novo Plano de Carreira, onde a remuneração seja mais satisfatória, mesmo que para isso adotemos o contrato em Regime Intergral ( 40 HS). Isto garantiria mais tempo na escola, espaço para construir formação contínua e ainda trabalha melhor o aluno e garantir, uma efetiva qualidade do processo educativo. Mas , isso é outra história.

Portanto, devemos estabelecer um paralelo entre o oficial e o real, entre a formação pensada para os professores das series iniciais e a realizada, observando e analisando como a formação docente, realizada por ações governamentais, pode satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem e ainda prepara discentes para a vivência da cidadania e para a progressão nos estudos. Pois, a formação de educadores deve ser entendida na perspectiva de alterar efetivamente o contexto adverso em que eles se movem, não podendo dispensar metas de fortalecimento de todos os agentes envolvidos, sob pena de manter o abismo entre a dimensão pedagógica e política. Nos projetos de formação, as ações devem priorizar a formação prática dos agentes educativos, bem como influir e propor desenhos para a organização de programas e da escola.

REFERÊNCIAS

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___________________. Plano Decenal de Educação para Todos. Brasília: MEC, 1993

______________________. Decreto nº 3276, de 06 de dezembro de 1999. Dispõe sobre a formação em Nível Superior de Professores para atuar na Educação Básica, e da outras providencias. Brasília: Gráfica do Senado, 2000.

_______________________. Lei 9.124 de 08 de dezembro de 1996. Cria o Fundo de Manutenção de Desenvolvimento do Ensino Fundamental. Rio Branco – AC: ALEAC, 2004

BARRETO, Raquel Goulart.A formação de professores para o inicio da escolarização. Goiânia: UCG, 1997.

FREIRE, Paulo. A pedagogia da Autonomia. 16º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

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IBERNÓN, Francec. A Educação no Século XXI: Os desafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

MUZUKAMI, M.G.N. Ensino: O que fundamenta a ação docente?Tese de Doutorado. Disponível em www1.pucrj.br /acesso em 10 de julho de 2005.

MORIN, Edgar. Epistemologia da Complexidade. In. SCHINITMAN, Dora Freed. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996.

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________________. Profissão Professor. Porto: Porto Editora, 1992.

PERRENOUD, Philipp. Formando professores profissionais: quais estratégias? Quais competências. 2ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

PIMENTA. Selma Garrido e GHEDIN, Evandro (org.). Professor Reflexivo no Brasil: Gênese e Critica de um Conceito. São Paulo: Cortez, 2002.

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Autor: José Júlio César Nascimento Araújo


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