A Guerra Do Fim Do Mundo



"O Anti-Cristo nasceu

Para o Brasil governar

Mas aí está o Conselheiro

Para dele nos livrar."

"Uma tragédia moderna em grandes dimensões." — Salman Rushdie, The New Republic


Brasil, finalzinho do século XIX. Antonio Vicente Mendes Maciel, o "Conselheiro", profeta e pregador itinerante, chega ao estado da Bahia, trazendo palavras bonitas, que aconselhavam, acolhiam os moradores daquelas paragens, prometendo o reinos dos céus para aqueles que sofriam no sertão, devido a miséria e o descaso do governo, assim reconstruía igrejas abandonadas e predizia a chegada do Anti-Cristo, representado pela República.

A narrativa do livro de Mario Vargas Llosa, A guerra do fim do mundo (La Guerra del Fin del Mundo, tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman, Alfaguara/Objetiva, 608 páginas, R$ 66,90), usa o cenário da "insurreição" popular, de cunho religioso, paradoxalmente revolucionária e reacionária ocorrida no Nordeste de nosso país, a Revolta de Canudos. Fora de catálogo há cerca de vinte anos, essa nova edição – a anterior era pelo selo da Francisco Alves-, está bem caprichada, com uma dupla veterana de tradutores, conheceremos a recontação que Vargas Llosa construiu, após maravilhar com a leitura de Os sertões. Assim viajou ao Brasil e fez exaustivas pesquisas em arquivos históricos e viagens pelos sertões em 1980, numa saga que engloba os mais diferentes sentimentos de seus participantes. Se valendo de quatro personagens principais que guiam a narrativa, perante o convívio onipresente do Conselheiro, Vargas Llosa dá uma nova dimensão ao mito formado por Canudos. O monarquista Barão de Canabrava, o republicano Epaminondas Gonçalves, o jornalista míope e o anarquista escocês Galileu Gall são esses personagens que abordam novos contrapontos para a história que Euclides da Cunha escreveu em Os Sertões.

Antonio Conselheiro, que aparece de forma alusiva e obliqua alavancou com seu carisma, uma multidão de seguidores dos muitos povoados que viam nas palavras a salvação de suas almas e a possibilidade de viver em permanente convívio com o "delegado dos céus", como o Conselheiro se auto-declarava. Desta forma, perante o fulgor de seu físico e caráter, de seu milenarista e lacônico palavrear, uma dezena de personagens magníficos, o seguem, cada qual com um passado terrível, que se converteram em seguidores da verdade do Bom Jesus predicada pelo Conselheiro, causando uma reviravolta em suas vidas. Vargas Llosa usa personagens de carne e osso, alguns reais, outros imaginados, para compor essa saga sem paralelos na história do Brasil.

O apostolado errante de Antonio Maciel, com o tempo, faz crescer seus seguidores, se tornarem uma verdadeira legião. Milhares de miseráveis, de todos os ofícios, trabalhadores, poceiros, meeiros, ex-escravos, entre outros dedicados à nova vida, orquestrada numa permanente procissão. Até mesmo os temíveis cangaceiros se convertem pelas palavras do Conselheiro. Foi de um convertido desta leva, o João Abade, a idealização de um rumo para aquele povo todo, a construção de um ligar estável, uma Nova Jerusalém: a aldeia de Canudos, na propriedade do Barão de Canabrava.

Como já foi colocada, a mensagem apocalíptica do Conselheiro identifica a jovem República Brasileira como o Anti-Cristo, graças às leis que separaram o poder da Igreja perante o Estado, o matrimonio civil, o censo e o sistema métrico decimal. Além disso, Canudos serviu para a batalha idealista de monarquistas e republicanos, Vargas Llosa aborda que os dois grupos antagônicos serviram do vilarejo e da insurreição como desculpa esfarrapada do uso armado perante os insurretos. Os monarquistas, viam o movimento messiânico uma maneira do Governo do Rio acabar com a oposição política no estado, o mais autônomo e monárquico de todos. Já os republicanos viam na população do lugar, marionetes, manejadas pelos monárquicos, que pretendem restaurar a monarquia no Estado da Bahia.

A resposta do governo é dura, após o fracasso de uma companhia e um batalhão, o presidente Prudente de Morais decide enviar a melhor unidade do exército, para dizimar aquela "chaga do sertão". Enquanto isso, os moradores da Nova Jerusalém, os Santos de Canudos, com o seu "delegado" a frente de uma Legião de eleitos se preparam para a luta, para a batalha contra o Anti-Cristo... Para a Guerra do Fim do Mundo.

Construção textual precisa e belíssima, como uma peça de teatro shakespeariana. Segura na complexidade de retratar as ações bélicas dos dois lados, nítida na riqueza de detalhes sobre a vida do sertão brasileiro, que continua igual até hoje, com poucos modificações, bem como sobre a política dos "coronéis", torna este livro uma importante ferramenta de estudo da História, mesmo sem a pretensão de sê-la.

A guerra do fim do mundo é um apaixonante retrato de um momento terrível em nossa história, uma soberba reconstrução histórica, culminante na trajetória literária de Mario Vargas Llosa. Parábola moral e política sobre a condição humana, um livro fundamental da história literária do século XX.


 


Biografia

Aos 72 anos, o jornalista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário, Mario Vargas Llosa é um dos mais conhecidos e prestigiados escritores da atualidade. Nascido em Arequipa, no Peru, em 1936, viveu em Paris na década de 1960 e lecionou em diversas universidades norte-americanas e européias ao longo dos anos. Numa incursão ao mundo da política, candidatou-se à presidência do Peru em 1990, perdendo a eleição para Alberto Fujimori.

Autor de uma extensa obra literária, foi vencedor dos prestigiosos prêmios Cervantes, Príncipe de Astúrias, PEN/Nabokov e Grinzane Cavour. O autor divide seu tempo atualmente entre Londres, Paris, Madri e Lima. Dele, o selo Alfaguara publicou Travessuras da Menina Má, A Cidade e os Cachorros, Pantaleão e as Visitadoras e Tia Julia e o Escrevinhador.


Autor: Cadorno Teles


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