A Comoção Midiática e a Pena de Morte



Estou convencido de que há uma relação oportunista e perigosa entre a comoção midiática construída por parte dos meios de comunicação impressos e eletrônicos – p.ex. caso Isabela Nardoni; Eloá etc -, em torno de alguns tipos de crimes hediondos - como seqüestros e homicídios - e a oficialização da pena de morte no Brasil. Essa relação é oportunista pelo simples fato de, por um lado, dar a mídia à chance de espetacularizar à violência com o objetivo explicito de conquistar a preferência popular e, por outro lado, por abrir espaço para os defensores da pena de morte vociferarem, baseados meramente num senso comum débil suas justificativas inconsistentes. E é uma relação perigosa, pois negligencia um número considerável de fatores relevantes para o processo de desestruturação (ou inconfiabilidade) das instituições nacionais.

As raízes mais profundas da criminalidade no Brasil ainda sequer foram deslumbradas a contento, por isso, mais uma vez, os imediatismos políticos de algumas “cabeças pensantes” nacionais privilegiados, se aproveitam do momento para ganharem notoriedade, principalmente, porque essas ditas cabeças precisam sair do ostracismo político. Entende leitor? Por outro lado, parte da mídia, carente de profissionais criativos, lança mão da velha apelação midiática de espetacularizar um fenômeno social como as violências, para assim manipular a emoção dos brasileiros. Como se já não bastasse as suas páginas e programas policiais que são deturpadores da compreensão do que sejam as violências. Agora, a moda é os seus “criativos” programas de auditório que submetem os telespectadores a se desaguarem em lagrimas com as encenações previamente ensaiadas de aspectos da vida privada de alguns “ilustres símbolos” nacionais, inventados e mercadorizados – do tipo, mulher-fruta. Somente mostrar a realidade violenta no cotidiano da sociedade brasileira não contribui em absolutamente nada para o aprofundamento das causas do fenômeno social em questão. Na melhor das hipóteses, desvirtua o senso critico da população, que se ver obrigada a apegar-se com as soluções puramente imediatistas. Principalmente quando os comentaristas/especialistas da realidade violenta não possuem nenhum conhecimento, mesmo empírico, das implicações pertinentes a esse fenômeno social, além do mero “achismo vulgar”.

O surgimento da idéia de oficialização da pena de morte no país, como possível solução de problemas sociais históricos, desvia a atenção dos verdadeiros implicadores. O aumento do índice de criminalidade, por exemplo, tem a ver com o surgimento das armas de fogo – feitas única e exclusivamente para matar; com o desajuste dos indivíduos provocado pela lógica expropriadora do sistema capitalista que prostitui todos pelo consumismo exarcebado; tem a ver com a incompetência administrativa dos homens públicos; com a mal remunerada, mal estruturada e mal preparada policia; tem a ver com a ineficiência jurídica nacional que atende carinhosamente pelo nome de “justiça morosa”. Enfim, é possível perceber aqui, com esses poucos exemplos, que no fundo esse mar de violência que inunda a sociedade brasileira é bem mais profundo do que as piscinas decorativas das casas, sítios, chácaras e fazendas daqueles que lucram com tanta insegurança e daqueles adeptos do “quanto pior, melhor”.

As formas de violência entre os homens, principalmente, dos centros urbanos, nos últimos cinqüenta anos, se diversificou consideravelmente, enquanto que as instituições encarregadas do controle social, da prevenção e da investigação de crimes e da aplicação das penas, no máximo, reformularam as fachadas dos prédios. São instituições carcomidas pela corrupção, pela incompetência e pela cumplicidade com a falta de bom senso. A comoção midiática até pode precipitar, algum dia, a oficialização da pena de morte no Brasil. Todavia, é bom ter em mente que as conseqüências sociais serão bem mais devastadoras do que as violências de hoje. Experimentaremos uma situação, no mínimo, vexatória de ver homens sujos condenando homens mal lavados em nome de uma justiça à moda da causa. Como fazer algo que não se sabe o que é que é? Como ser “justo” num país que é, desde a sua invasão, um oceano de desigualdades sociais sem precedentes? Como obedecer às normas e as leis desse país que, dizem ser “para todos”, mas que, na verdade, depende de quem seja a vitima e o acusado? Ora, morrer de fome, sofrer humilhações, ser prostituído impunemente, ser desrespeitado nos seus direitos ou mendigar a cidadania já não é uma aplicação da pena de morte extra-lei?

Portanto, é preciso que - nós brasileiros - não nos deixemos iludir com esses falsos profetas oportunistas e interesseiros que, no máximo, sabem sobre a violência que nos cerca o óbvio: que a sociedade brasileira vive sob um Estado violento. E é por isso mesmo que, não será a pena de morte que solucionará a problemática da violência no Brasil. Até porque a pena de morte já existe no nosso país, por exemplo, o extermínio das nossas nações indígenas; o massacre dos trabalhadores rurais de Eldorado dos Carajás; a chacina da Meruoca; a chacina das crianças na Candelária; a chacina de presos no Carandiru; as mortes durante a ditadura. Estes são alguns exemplos ilustrativos de pessoas que foram mortas, na sua maioria, por quem deveria defendê-los. Imaginemos, então, se a pena de morte for oficializada no Brasil da lei aplicável só para alguns...
Autor: Arnaldo Eugênio


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