Fé Coxa: uma aventura no sertão!



Lá pelos idos dos anos 70, ocorreu-me um fato interessante, que lembro com freqüência. Meu compadre Genival, agrônomo, havia elaborado projeto para minhas terras na planície do município de santa Rita- Pb, onde deveria iniciar plantação de vinte e cinco mil pés de bananas.

Numa bela manhã de sábado saímos de João Pessoa para a cidade de São Bento no Sertão da Paraíba, com a finalidade de buscar as mudas de bananas necessárias para efetivar minha plantação. No entanto, durante a viagem, meu compadre me avisou que iríamos entrar em Campina Grande para buscar um Cristo crucificado num convento, em tamanho original, esculpido em madeira e gesso, para a igreja matriz de São Bento, recém reformada.

Já no convento, Genival foi falar com as freiras para liberação do Cristo e eu fui preparar a carroceria da minha pick up e cordas para melhor transportar a escultura do Filho de Deus crucificado.

Aquele imenso Cristo, todo branco, sobre os ombros de vários carregadores assustou-me. O sol refletiu no corpo de Jesus uma luz branca que me cegou por uns instantes, mas logo me refiz e ajudei a colocar a imagem na carroceria e coube a mim, não sei porque, amarrar o Filho do Criador. Com as cordas na mão, olhei para meu compadre e lhe disse que teria que "crucificar" Jesus mais uma vez. Não havia outro jeito de transportá-lo.

O Cristo agora bem acomodado sobre espumas e em diagonal, pois os braços da cruz ficaram apoiados no Gigante e os pés no assoalho da carroceria, formando um ângulo de 45º.

Pedi desculpas ao Filho de Deus e iniciei minha tarefa amarrando o braço esquerdo da cruz, com uma sensação estranha de que estava "crucificando" a mim mesmo; pois a cada nó, cenas de atitudes que tomei na vida se revelavam intolerantes e agressivas e que muitas vezes havia sido insensível com o próximo e ignorado pessoas queridas que precisavam de ajuda.

Já suava em abundancia quando terminei de amarrar o braço direito, mas agora com a sensação de que Deus habita dentro de  nós e não O percebemos, e que tampouco lembramos de nossa herança divina. Por fim, amarrei os pés de Jesus e agradeci por Ele  confundir minhas lágrimas com o suor do meu rosto.

Um "silêncio" se fez presente quando retomamos a rodovia e fiquei a imaginar que Jesus estava bem acomodado ao veículo e com uma bela visão da paisagem sertaneja, que já começava a encher nossos olhos. Terra de gente brava, mas abandonada e excluída da boa vontade dos políticos, que faz dos programas sociais e agrícolas o alimento preferido da ganância e da corrupção. Fato este que nos revela um Poder Judiciário maculado pela propina e decadente. O Filho de Deus certamente chora mais uma vez ao ver a terra prometida produzir fome ao invés de fartura, miséria ao invés de riqueza e com certeza pede ao Pai que o povo se lembre o que é dignidade e perdão para os empresários, administradores públicos e políticos corruptos, porque não sabem o que fazem e nem têm noção do próprio raquitismo espiritual.

Imaginei também as pessoas que se admiravam ao verem Cristo em passeio na carroceria do meu carro e que poderiam dizer: "Jesus voltou para nos salvar" e Cristo poderia dizer a elas: "Já estou em ti e esquecestes que és teu próprio libertador, homem de pouca fé. Acorda a virtude da coragem e resgata a tua dignidade. Trouxe para ti em Pentecostes o maior guerreiro de todos os tempos, que agora habita dentro de ti, o Espírito de Deus-Pai, o Paráclito. Portanto não há mais distancia entre Deus e o Homem, mas uma eterna aliança".

Senti-me bem melhor quando desamarrei o Cristo diante da Matriz de São Bento. A escultura estava perfeita e nada sofrera com os solavancos da estrada. Porém ao retirá-lo da carroceria, partiu-se uma das pernas, que seria consertada pelo artesão da cidade.

Ao fim da tarde, com o carro carregado de mudas de bananas Nanicas, próprias para doce, partimos de volta, mas fiquei com a sensação de que habitava em mim uma fé coxa, que mancava em busca de Deus.

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Site do autor:
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Autor: Leonardo Ramalho_O Caduceu


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