Provas Ilícitas e sua Admissão no Processo Penal Pátrio



A prova constitui um meio de precípua importância no âmbito do processo judicial, tendo em vista que, influencia diretamente contribuindo na formação do convencimento do julgador acerca da lide. De acordo com a nossa legislação a prova poderá ser produzida de várias formas, quais sejam, mediante perícia (prova pericial), oitiva de testemunhas (prova testemunhal), depoimento das partes ou ainda através de juntada de documentos (prova documental).

Ainda no que concerne à finalidade da prova, o Ilustre. Jurista Vicente Greco Filho acentua:

" A finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é o seu destinatário. No processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral ou filosófico: sua finalidade prática, qual seja, convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado."

Porém, ao menos em tese, no intuito de preservar a segurança jurídica, se faz necessário que o Juiz acolha e valore apenas as provas obtidas através de meios lícitos. Importe lembrar que a todo cidadão é resguardado o direito de à prova, através do qual ele irá demonstrar a veracidade dos fatos por ele apresentado.

A priori, cumpre apresentar um breve conceito do termo “prova ilícita”.  A prova ilícita refere-se àquela que, para sua obtenção, tenha-se desrespeitado um direito legalmente tutelado, violando normas, sejam estas de natureza constitucional ou não.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LVI, trouxe explicitamente a proibição de utilização de provas obtidas de formas ilícitas:

“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”

Mesmo com a proibição por este dispositivo constitucional, muito se tem discutido entre os juristas acerca do tema, gerando duas correntes divergentes. A primeira delas defende que o interesse da justiça, visando a busca da verdade deve prevalecer e deste modo, a prova ilícita pode ser utilizada, sem prejuízo da punição do infrator. Já para a segunda corrente, não se deve admitir o uso de provas ilícitas, haja vista que, sua utilização estaria privilegiando condutas antijurídicas, suficientes para ocasionar prejuízo alheio.

Saliente-se que, de forma majoritária, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, tem entendido que se deve relativizar o texto constitucional, fundando-se no princípio da proporcionalidade, que deverá nortear as soluções dos conflitos apresentadas ao meio jurídico.

Entende-se que o legislador constituinte tenha adotado uma postura radical, mas, justificada pela ocasião, já que, naquele momento, o país o país rompia com um regime autoritário e passava-se a adotar direitos e garantias fundamentais. Assim, a proibição da produção de provas por meios ilícitos representava uma maneira de evitar arbítrios do Estado para com os indivíduos.

Na prática, vivenciamos algumas situações com características divergentes. A utilização de provas ilícitas se justifica quando visa a proteção de direitos constitucionais de maior relevância, como o interesse coletivo em detrimento da violação de um direito individual. Contudo, de outra forma, não se pode admitir a violação de um direito legalmente assegurado.

Partindo dessas premissas é que, ponderando a busca pela justiça e vedação constitucional de provas ilícitas que, na prática, alguns de nossos Tribunais tem aceitado certas provas ilícitas. E aqui, como exemplo, podemos citar a prova ilícita a favor do réu que, no intuito de evitar que o mesmo seja injustamente prejudicado ou ainda evitando a condenação de um inocente, tem sido admitida.

Outra situação que buscaremos analisar no presente trabalho é acerca da prova ilícita por derivação, aquelas provas lícitas, mas, obtidas através de informações de uma prova ilícita.

Isto posto, vislumbramos a necessidade de um estudo aprofundado no que concerne à utilização da prova ilícita, de modo a possibilitar uma conclusão coerente a realidade da justiça pátria e uma solução plausível acerca de sua admissão no processo penal.

Muito além do direito (poder) público subjetivo de o indivíduo provocar o exercício da atividade jurisdicional do Estado, o conceito de ação, envolve diversos passos que devem ser respeitados para que seja alcançado um efetivo acesso à justiça e, dentre estes passos, destacamos aqui o direito à prova.

O direito à prova é uma decorrência lógica do direito constitucional de ação. Com o requerimento da tutela jurisdicional, o cidadão deverá apresentar as provas preexistentes ao ajuizamento do processo, postulando ainda a produção de outras cabíveis.

 A Constituição Federal de 1988 assegura ao contraditório, tendo como um dos seus principais aspectos o direito à prova. Entretanto, importe salientar que tal direito não é absoluto, encontrando limites na mesma carta magna.

Nenhum princípio é absoluto em direito, ocorrem situações em que dois ou mais princípios protetores de bens jurídicos se chocam e a solução viável para tal situação é encontrar o chamado "ponto de equilíbrio".

Vale ponderar que, nesse contexto a regra é admissibilidade de provas e, assim sendo, toda e qualquer exceção deve ser taxativamente expressa e de forma justificada.

Dessa forma, de forma taxativa, a Constituição Federal de 1988 dispôs acerca  da impossibilidade de utilização das provas ilícitas no processo.

Para o melhor entendimento em relação ao termo “provas ilícitas” é importante lembrar que estas não se confundem com as provas ilegais e as ilegítimas. A obtenção das provas ilícitas ocorre com a violação de direito material e as provas ilegítimas são as obtidas violando o direito processual. Já no que tange às provas ilegais, estas seriam o gênero das espécies provas ilícitas e ilegítimas, tendo em vista que se configuram pela forma de obtenção em desrespeito ao ordenamento jurídico.

No meio jurídico, muito tem se discutido a questão das provas ilícitas.

A doutrina também se diverge a respeito, inclusive havendo opiniões que admitam a prova obtida por meios ilícitos como válida e eficaz, sem qualquer ressalva.

A doutrina e jurisprudência têm se dividido especialmente em duas correntes e nesse sentido o jurista Barbosa Moreira, apresenta as duas posições da seguinte forma:

“De acordo com a primeira tese devem prevalecer em qualquer caso o interesse da Justiça no descobrimento da verdade, de sorte que a ilicitude da obtenção não subtraia à prova o valor que possua como elemento útil para formar o convencimento do juiz, a prova será admissível, sem prejuízo da sanção a que fique sujeito o infrator.

Já para a segunda tese, o direito não pode prestigiar o comportamento antijurídico, nem consentir que dele tire proveito quem haja desrespeitado o preceito legal, com prejuízo alheio; por conseguinte, o órgão judicial não reconhecerá eficácia à prova ilegitimamente obtida."

Acontece ainda de, entre os diversos entendimentos encontramos propostas que conciliem as duas teses, a qual não defende nenhum dos dois extremos, ou seja, nem a inadmissibilidade absoluta da prova ilícita, tampouco a admissibilidade absoluta da prova ilícita. É o chamado princípio da proporcionalidade.

Por esse princípio, o que deve haver é a análise de proporcionalidade de bens jurídicos.

Admitindo-se ofender um direito por meio de prova ilícita desde que o outro direito seja de maior importância para o indivíduo, possibilitando assim a prestação de uma tutela mais justa e eficaz.

No tocante à licitude da prova, STJ, aplicou o princípio da proporcionalidade, nos seguintes termos:

“PENAL. PROCESSUAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PROVA LÍCITA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE."HABEAS CORPUS". RECURSO.

1. A gravação de conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal.

2. Pelo Princípio da Proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cujo harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade.

3. Precedentes do STF. (RHC nº 7216/SP, STJ, 5ªT, Rel. Min. Edson Vidigal, D. J. 25.05.98, por unanimidade, negar provimento)”

Ocorrem situações que a utilização da prova ilícita visará proteger direitos constitucionais mais relevantes, mas, por outro lado, não pode o Ordenamento Jurídico permitir a violação de um direito legalmente tutelado.

Sob ótica do princípio da proporcionalidade o julgado há de ser bastante cauteloso, não admitindo a prova obtida de forma ilícita quando esta violar o direito de maior relevância.

Porém, não é tarefa fácil para o Julgador quando da valoração desses direitos confrontados, visto que ambos possuem pesos distintos de acordo com o caso concreto.

Vale lembrar que o debate em tela deve-se ao fato de que, em diversas situações, o resultado definitivo só pode ser alcançado mediante provas ilícitas, a exemplos de escutas telefônicas. Existem ainda casos em que a descoberta de um crime se dá através de uma prova ilícita por derivação.

O entendimento majoritário da doutrina é no sentido de que as provas ilícitas não devem ser admitidas em nenhuma hipótese no processo, independente de sua importância para resolução da causa penal.

De outro modo, a doutrina tanto nacional quanto estrangeira tem entendido que devem ser admitidas as provas ilícitas quando favorável ao réu, mesmo que obtidas com infringência a direitos fundamentais, consagrando aqui o princípio da proporcionalidade anteriormente citado.

Assim, note-se a presença nesse tocante à aplicação do princípio da proporcionalidade, ou da ponderação quanto à admissibilidade da prova ilícita.

Quando a prova dor obtida objetivando resguardar outro bem tutelado constitucionalmente, de maior valor, não haverá ilicitude e, portanto, afastará a inadmissibilidade da prova ilícita.

Concernente à chamada prova ilícita por derivação, vale salientar que refere-se aos casos em que a prova deriva de outra obtida ilicitamente. Em outras palavras, provas que são lícitas, mas, oriundas de alguma informação extraída de outra prova obtida ilicitamente.

Exemplos dessas provas são os casos da confissão colhida mediante tortura, na qual o réu afirma o local onde se encontra o produto do crime, que  posteriormente vem a ser apreendido, e a interceptação telefônica clandestina, através da qual a polícia descobre uma testemunha do ocorrido, que, incrimina o acusado após seu depoimento,.

Também conhecida como a "teoria dos frutos da árvore envenenada" (the fruit of poisonous tree), a prova ilícita por derivação foi criada pela Suprema Corte norte-americana, que entendeu que o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.

Sobre esse tema, o STJ já se pronunciou da seguinte forma:

“DIREITO PENAL - HABEAS CORPUS - CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - SONEGAÇÃO FISCAL - ART. 1°, 11, DA LEI N° 8.137/90 -ILICITUDE DA PROVA - TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO: NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA E SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - INÉPCIA DA DENÚNCIA - DESCABIMENTO EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO - PENDÊNCIA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVOSOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL E DA PRESCRiÇÃO - ART. 116, I, DO CP.

1. Em sede de habeas corpus, saber-se se o material probatório carreado aos autos foi obtido de forma indevida, contraria os ditames constitucionais, bem como será, eventualmente utilizado como supedâneo de um decreto condenatório, implicaria em um mesmo momento violar duas normas constitucionais. A primeira que inviabiliza a utilização do remédio heróico como meio para se obstaculizar o manejo da ação penal, o que só é admitido excepcionalmente naquelas hipóteses estritas que não se apresentam, bem como o princípio do juiz natural, vez que, estaria esta Corte se substituindo à manifestação do Juízo de primeiro grau, sem que tivesse este tido a oportunidade de realizar o balanceamento das provas, acarretando uma supressão de instância.

2. Afigura-se também impossível, na via estreita do writ, analisar a questão da ilicitude por derivação levantada, em vista da impossibilidade de realizar qualquer dilação probatória por este meio. Improsperável o argumento de inépcia da exordial acusatória, porquanto, de sua leitura (fls. 67/70), infere-se que vem esta revestida da justa causa formal, descrevendo fato típico e antijurídico, consagrado no ordenamento jurídico pátrio.

3. A conclusão do procedimento administrativo fiscal não é condição de procedibilidade das ações penais instaurados por crime contra a ordem tributária. Todavia, a procedibilidade autônoma, que diz respeito ao curso procedimental, não se confunde com condenação autônoma, visto que, se inexistir a conformação legal e material do tributo, não poderá haver crime de sonegação fiscal de obrigação tributária não nascida ou crédito pertinente excluído, ou seja, não se pode admitir a condenação em processo criminal pela prática de qualquer um dos delitos tipificados no art. 1° da Lei n° 8.137/90 antes da confirmação da efetiva ocorrência de sonegação fiscal, que é o objeto material do tipos e deve ser apurada em procedimento administrativo fiscal onde se proporcione direito de defesa ao contribuinte;

4. O recurso administrativo é questão prejudicial heterogênea, condicionante do reconhecimento ou não do tipo penal imputado ao paciente. Nessa ordem de idéias, ao fazer o inciso I, do art. 116 do Estatuto Repressivo referência à figura do - processo -, quer dizer que, no hodierno contexto constitucional, deve ser o termo entendido como abrangente do processo judicial e administrativo, a teor do art. 5°, LV, da Carta Magna, admitindo-se portanto que possa o processo administrativo em curso, ter o condão de gerar a suspensão da prescrição penal.

5. Sendo, eventualmente, bem sucedido na órbita administrativa, por estar amparado por uma decisão judicial que suspendeu o curso da ação penal, o paciente não terá quaisquer direitos prejudicados designadamente, o do art. 34, da Lei n° 9.249/95 pois, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se posicionar na direção de que, excepcionalmente, o pagamento após o recebimento da denúncia, sendo o quantum conhecido em época posterior, pode gerar a extinção da punibilidade, sendo o réu intimado para o recolhimento respectivo (STJ, RIIC n° 7155/SP).

6. Neste panorama processual, em síntese, resta assentado, por um lado que não pode ser o paciente prejudicado em seu direito de debater na esfera administrativa se é ou não devedor do crédito reclamado, para que possa, sendo o caso, invocar a norma do art. 34, da Lei n° 9.249/95; por outro lado, também não pode a Sociedade na figura do Ministério Público ser alijada da possibilidade de deflagrar uma ação penal em razão de um pretenso crime fiscal que teria se consumado, o que poderia fica comprometido pela ocorrência superveniente da prescrição da pretensão punitiva.

7. Ordem parcialmente concedida para determinar o sobrestamento da ação penal bem como da respectiva prescrição, até que seja ultimado o procedimento administrativo fiscal, resguardando-se ao Juízo a livre apreciação de todo o procedimento quando do prosseguimento da ação penal.”

Assim, sobre as provas ilícitas, mesmo diante da vedação constitucional, o entendimento é que se deve aplicar o principio da proporcionalidade.


Autor: Thiago Guimarães


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