Prisão Preventiva e o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência



A Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso LVII, dispõe:

"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Assim, a Carta Magna consagra o principio da presunção de inocência, segundo o qual, até o transito em julgado da sentença condenatória, o acusado é considerado inocente.

Por outro lado, o Código de Processo Penal, nos arts. 311 a 316, disciplinam a prisão preventiva, que é uma modalidade de prisão provisória, de natureza cautelar e que poderá ser decretada judicialmente em qualquer fase, até mesmo antes do oferecimento da denúncia, desde que haja, de acordo com o art. 312 do CPP, prova da existência do crime e indícios de sua autoria.

A princípio, a percebe-se, no mínimo, ser inconstuticional o referido dispositivo do Código de Processo Civil.

Todavia, existe entendimentos doutrinários e também jurisprudencial que alegam que embora o dispositivo Constitucional citado acima trate do princípio da presunção de inocência, o mesmo não revoga as prisões cautelares, fundamentando que as mesmas são permitidas constitucionalmente pelo artigo 5° LXI da Constituição Federal que versa:

"Art. 5.º

LXI - ninguém será preso se não em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;"

            Com efeito, o sistema normativo constitucional, através de seus preceitos, exerce notória influência sobre os demais ramos do direito. Esta influência destaca-se no âmbito processual penal que trata do conflito existente entre o jus puniendi do Estado, que é o seu titular absoluto, e o jus libertatis do cidadão, bem intangível, reputado o maior de todos os bensjurídicos afetos à pessoa humana.

Vale ressaltar que a referida modalidade de prisão possui natureza cautelar, afim de que se preserve o principio da presunção de inocência. Todavia, muito se tem discutido acerca do tema e a doutrina tem entendimentos divergentes, existindo doutrinadores que entendem a prisão preventiva como Inconstitucional.

Na prática, a prisão preventiva nem sempre tem sido utilizada como determina a lei, não obedecendo rigorosamente os seus pressupostos ou ainda analisando se realmente há necessidade de sua decretação.

Cotidianamente, o que se tem visto é o uso da prisão preventiva para satisfazer o clamor público ou ainda sob o argumento de que a medida busca assegurar a credibilidade da Justiça, especialmente quando se trata de casos de maior notoriedade.

No que concerne à natureza cautelar da prisão preventiva, a doutrina é pacifica, porém, nem por isso deixa de existir o questionamento acerca de existência ou não de conformidade da modalidade de prisão com o princípio da presunção de inocência.

Contudo, em virtude da divulgação equivocada por autoridades competentes, e de forma irresponsável reforçado pela mídia, a opinião pública é prejudicada, confundindo a natureza de cada modalidade de prisão, criando uma presunção de culpabilidade.

O resultado prático dessa má informação é o entendimento de que a prisão preventiva se caracteriza pela punição por crime cometido, e assim, estaria antecipando a pena ou levando o acusado a "pagar por um crime que sequer cometeu".

A Liberdade é regra, sua privação é exceção.

A nossa Constituição Federal assegura que ninguém será considerado culpado até otrânsito em julgado de sentença penal que o condene.

Assim, a prisão preventiva como garantia de ordem pública ou ainda para atender clamor da sociedade ou sob a alegação da manutenção de credibilidade da Justiça é flagrantemente inconstitucional, viola os princípios da legalidade, presunção de inocência, devido processo legal e da taxatividade.

Salienta-se ainda que o conceito de "cautelar" não pode ser ampliado, confundindo-o com medida de segurança pública.

O fato concreto é que deverá demonstrar que a liberdade do acusado representa perigo ao andamento do processo criminal, ficando também demonstrado, de forma inequívoca, e existência dos pressupostos que autorizam a decretação da prisão preventiva (prova da existência do crime e indícios de sua autoria), caso contrário, consagrar-se-ia a "presunção de culpado", ferindo princípio constitucional.

Já se proclamava o instituto interdictum de libero homine exhibendo no direito romano, onde, como nos dias atuais, ressaltava-se a prisão, como medida excepcional. Assim, nota-se que a prisão, desde tempos atrás não é a regra.

Porém, o que tem ocorrido é justamente o contrário, onde se presume a culpabilidade, prendendo para ver se é inocente.

No que concerne ao tema em tela, o Ilustre professor Luigi Ferrajoli entende que deveria ser abolida a prisão processual anterior ao transito em julgado,segundo ele afirma ser, o decreto tal decreto "é ilegítimo e inadmissível".

No que tange ao princípio da presunção de inocência, Antônio Magalhães Gomes Filho, fala:

"As prisões decretadas anteriormente à condenação, que numa visão mais radical do princípio nem sequer poderiam ser admitidas, encontram justificação apenas na excepcionalidade de situações em que a liberdade do acusado possa comprometer o regular desenvolvimento e a eficácia da atividade processual."[1]

Outro problema é a utilização das leis penais como palanques eleitoreiros, o que é lastimável e inadmissível.

Não se pode perder de vista queo sistema adotado é o do processo constitucional e que foi conquistado de forma árdua, sacrificando inocentes inclusive.

O que parece é que se confunde Liberdade Provisória com prisão provisória.

Na prática, vemos a banalização da prisão preventiva, privilegiando o que é vedado constitucionalmente: presunção de culpabilidade.

A liberdade é a regra, só podendo ser suprimida quando,de formaconcreta e inequívoca, se comprovar, em relação ao acusado, a existência do periculum libertatis. Pré-requisito esse essencial que independe da gravidade do crime, clamor público ou ainda a natureza hedionda da prática do delito.

O entendimento do STJ a preocupação com fuga do réu ou mesmo que este influencie testemunhas não pode ser fator determinante para decretar a prisão preventiva.

Não sendo interpretado corretamente o artigo 312 do Código de Processo Penal estará se prejudicando e violando princípios Constitucionais e antecipando uma eventual pena.

É de acordo com essas premissas que o entendimento tanto doutrinário como jurisprudencial é que a interpretação do referido artigo, ao ser constitucionalizado, deverá sempre ser restritiva, fazendo-se prevalecer a configuração fática dos referidos requisitos.

A decretação da prisão preventiva além de bem fundamentada, de acordocom o que versa nossa Carta Magna, deve, necessariamente, estar de acordo com um dos motivos constantes no referido artigo do CPP.

A presunção de culpabilidade é rechaçada em nosso ordenamento, não se pode aceitar a decretação da prisão preventiva sem sequer a presença do periculum libertatis.

O STF vem decidindo acerca do tema:

"A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada" (Hábeas Corpus 80.379/SP, 2ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, DJ 25/05/01).

Desprezando-se a gravidade do crime, a prisão preventiva jamais deverá ser decretada quando ausentes os seguintes requisitos: garantia da ordem pública e ordem econômica, conveniência da instrução criminal, periculum libertatis ou assegurar a aplicação da lei penal.

A prisão preventiva poderá ser decretada quando for inquestionável e evidente a existência de perigo social em decorrência da demora na espera do trânsito em julgado de decisão condenatória.

A conveniência da instrução criminal trata-se, de forma precípua à provas de que o réu possa intimidar testemunhas ou ainda ocultar prova. Percebe-se assim a preocupação com periculum in mora haja vista que não se alcançará a verdade real caso o réu continue em liberdade até o final do processo, o que também é questionável e gera enorme polêmica.

E concernente a garantir a aplicação da lei penal, refere-se ao caso de inviabilizar a execução da pena em função de iminente fuga do agente.

Não estando presentes os retromencionados requisitos, não tem vislumbrar a decretação da prisão em questão, ou sequer a requisição ou manutenção desta.

Fernando Capez entende da mesma forma e assevera:

"Sem preencher os requisitos gerais da tutela cautelar ( fumus boni iuris e periculum in mora), sem necessidade para o processo, sem caráter instrumental, a prisão provisória, da qual a prisão preventiva é espécie, não seria nada mais do que uma execução da pena privativa de liberdade antes da condenação transitada em julgado e, isto sim, violaria o principio da presunção da inocência."][2]

Assim, fica claramente demonstrada a natureza da prisão preventiva que é , diferentemente da prisão definitiva, preventiva e não punitiva.

Ocorre que, nossa mídia não apenas divulga um crime, mas, "comemora-o", criando de forma irresponsável um clamor público no mínimo questionável, inadequado ao nosso ordenamento jurídico.

O entendimento da maior parte da população é que "fazer justiça" é decretar prisão do acusado, antes mesmo de sequer analisar os fatos ou razões.

Imaginemos a situação de submeter um acusado a uma prisão preventiva e ao final do processo penal constatar sua inocência.

Não se pode aceitar que um magistrado venha a decretar a prisão preventiva de um acusado de cometer um crime considerado hediono com o simples fundamento de que a sociedade clama por tal medida, embora isso ocorra na maioria das vezes o juiz está tentando recuperar a credibilidade do judiciário.

No tocante a essa situação o jurista Fernando Capez entende:

"A brutalidade do delito provoca comoção no meio social, gerando sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional, de tal forma que, havendo fumus boni iuris, não convém aguardar-se até o trânsito em julgado para só então prender o indivíduo"[3]

Nesse mesmo sentido, já decidiu o STJ:

"... quando o crime praticado se reveste de grande crueldade e violência, causando indignação na opinião pública, fica demonstrada a necessidade da cautela" (RT, 656/374).

Compactuando com essa afronta à nossa Carta Magna o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu:

"Levando-se em conta a gravidade dos fatos, não está fora de propósito argumentar sobre a ocorrência de clamor público e temor da vítima, justificando a prisão preventiva, fundamentada na garantia da ordem pública..." (RT, 691/314).

Todavia, nem tudo está perdido, uma forte corrente é contrária a tais entendimentos, com o fundamento que, neste caso, não está presente periculum in mora, haja vista que a referida prisão não seria decretada em virtude de necessidade do processo, mas meramente em função da gravidade do crime, violando desta forma oprincípio constitucional da presunção de inocência.

Compactuando com este entendimento, vale citar uma decisão do STF:

"A repercussão do crime ou clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva" (RT, 549/417)."

Simplesmente pelo fato de ter ocorrido a repercussão negativa do delito, envolvendo indignação e clamor público, não se justifica a decretação da prisão preventiva.

A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também entendeu dessa forma ao negar pedido do Ministério Público de prisão preventiva do motorista denunciado pela morte de 17 crianças e adolescentes em Erechim, bem como do dono da empresa de transporte escolar e do mecânico responsável pela manutenção do veículo.

Em seu relatório, o Desembargador Manuel José Martinez Lucas, destacou as razões aqui já citadas, informando que a prisão preventiva constitui situação excepcional, justificando-se apenas nas hipóteses perfeitamente enquadradas na previsão do artigo 312 do Código de Processo Penal. Deve haver, explicou, prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, e os fundamentos da necessidade da segregação: a garantia da ordem pública ou da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal e a segurança de aplicação da lei penal.

Ressalte-se ainda que a prisão preventiva, antes mesmo de ser dado o direito de se defender e antes de ser decretada sua culpabilidade, provoca ao acusado uma extrema perturbação, privando-lhe do convívio familiar e societário.

O modelo ideal de processo penal seria absolver todos os inocentes e, de outro modo, condenar todos os culpados. Todavia, sabemos que não passa de uma utopia e, deste modo, utiliza-se aqui uma tese bastante aplicada pelos criminalistas: "É preferível absolver um culpado do que condenar um inocente".

Assim, não se pode presumir culpa até o tramite em julgado da decisão condenatória.

A prisão em comento somente será legítima quando atender aos princípios básicos e fundamentais da sociedade, como a dignidade da pessoa humana, preservação da integridade física dos indivíduos, a igualdade entre os seres humanos, no intuito de combater injustiças.

O ideal, para que se preserve o princípio constitucional de presunção de inocência, seria que a todos os acusados fosse propiciado o direito de defender-se em liberdade.

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üBIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal – parte geral. 6ª edição rev., vol. 01. São Paulo:Saraiva, 2001.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. 30.

ed. São Paulo: 2003.

BRASIL, Código de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: 2004.




Autor: Thiago Guimarães


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