Prisão Civil do Devedor de Alimentos



A priori, um breve esboço do dispositivo legal que trata da excepcionalidade da prisão civil.

A prisão civil é medida excepcional em nosso sistema jurídico, sendo admitida apenas em duas hipóteses, previstas pelo art. 5º, LXVII, da Magna Carta de 1988:

"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXVII. Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel"

Assim, cabe agora delimitar qual a finalidade de tal medida, destacando assim sua natureza.

A prisão civil em face do inadimplemento da obrigação alimentícia tem natureza coercitiva e não punitiva. Objetiva-se com essa prisão o cumprimento obrigacional e a sua decretação deve ser fundamentada, devendo-se analisar a possibilidade de sua eficácia.

A prestação de alimentos visa satisfazer as necessidades vitais de quem não as pode prover. Todavia, em muitos casos, motivados pelo espírito de vingança, buscando atingir ex-esposa (o) ou companheira (o), o alimentando deixe de cumprir com a obrigação alimentícia, esquecendo do caráter de necessidade dessa obrigação. Por outro lado, pode o alimentando ter descumprido com a obrigação em decorrência de impossibilidade do mesmo.

A prisão civil do devedor de alimentos é justificada, tendo em vista a natureza da obrigação alimentar e com o propósito de assegurar a subsistência e conseqüentemente, a própria dignidade e integridade do alimentando.

Entretanto, a decretação da prisão civil do devedor de alimentos requer fundamentação.

O jurista, em especial aquele que lida com o direito de família, deve ter sensibilidade aguçada, para que se consiga, de forma sensata, garantir a dignidade da pessoa humana e, nesse caso em particular, tratando-se da prisão civil por dívida de alimentos, é salutar análise da possibilidade de pagamento dessa divida pelo alimentando.

Destarte, questiona-se a eficácia da prisão civil do devedor de alimentos e qual medida há de ser utilizada para que não se alcance resultado diverso do que se pretende com sua decretação.

Estudando acerca do assunto e, diante da grande quantidade de situações de direito de família que nos deparamos cotidianamente em que, na maioria das vezes, o que se tem pleiteado é a prestação alimentícia, surgiu o interesse de realizar uma breve pesquisa acerca da natureza e a eficácia da prisão civil do devedor de alimentos e, sobretudo, demonstrar a necessidade do bom senso do jurista ao se deparar com tal situação.

Este trabalho científico tem por escopo debater e explorar o tema proposto de forma ampla e objetiva e, dessa forma, demonstrar a eficácia da prisão civil em face do inadimplemento da obrigação alimentícia, desde que este devedor tenha condições de cumpri-la e não a faz por motivos pessoais.

Tendo em vista que a obrigação de prestar alimentos visa garantir a dignidade da pessoa humana e que os alimentos compreendem as necessidades vitais de uma determinada pessoa, e assim inclui-se alimentação, roupa, habitação, bem como as necessidades de lazer, saúde e educação, levando-se em conta: relação de parentesco, possibilidade do alimentando e a necessidade do alimentado é que o constituinte criou a possibilidade de prisão civil do alimentando em face de eventual inadimplemento.

Para o melhor entendimento em relação ao termo "alimentos", é oportuno apresentar o conceito.

Entre os doutrinadores não há divergência quanto ao conceito de alimentos. Diversos são os conceitos, todavia, de certo modo, sempre direcionam a um mesmo entendimento, uns completando os outros.

O Ilustre e saudoso jurista baiano Orlando Gomes entendia que, "alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si, em razão de idade avançada, enfermidade ou incapacidade, podendo abranger não só o necessário à vida, como a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação, mas também outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada".

Para Sílvio Rodrigues:

"alimentos, em Direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também do vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução".[1]

Assim sendo, nota-se claramente que, a obrigação alimentícia visa garantir ao alimentado um mínimo necessário à sua dignidade.

Hodiernamente, tal direito tem sido freqüentemente pleiteado em nosso Judiciário brasileiro, sendo responsável pela maioria das ações nas varas de família.

Todavia, como já brevemente citado anteriormente, a obrigação alimentícia tem seus pressupostos.

Os arts. 399 e 400 do Código Civil dispõe sobre os seguintes pressupostos da obrigação alimentícia:

a)existência de um vínculo de parentesco entre o alimentando e o alimentante;

b)necessidade do alimentando;

c)possibilidade econômico-financeira do alimentante;

Assim, nota-se a necessidade do vinculo parentesco entre alimentando e alimentado, a necessidades do alimentado, de tal maneira que se não vier a receber os alimentos, etária pondo em risco a sua própria subsistência e ainda, o alimentando deverá está em condições de fornecer os alimentos, caso contrário, estará desobrigado.

O Alimentante deverá cumprir com o seu dever, entretanto, sem pôr em risco seu próprio sustento.

Em caso de ausência de algum dos referidos pressupostos, extingue-se para o devedor a obrigação de prover os alimentos.

É importante salientar que, mesmo diante da possibilidade de prisão, é freqüente o descumprimento da obrigação de alimentos.

Em algumas situações, esse descumprimento se dá por impossibilidade do devedor. Todavia, não raramente, o descumprimento dessa obrigação se dá por motivos de vingança ou mágoa por parte do alimentando.

O dispositivo Constitucional da prisão do devedor de alimentos visa justamente solucionar esse segundo caso, em que o alimentando, voluntariamente, mesmo com boa condição financeira, escusa-se de cumprir com a obrigação.

Essa prisão visa o cumprimento da obrigação inadimplente, não tendo assim natureza punitiva e sim coercitiva.

Destarte, nota-se a necessidade de aferir a presença do pressuposto de possibilidade econômico-financeira do alimentante, haja vista que, não estando presente este pressuposto, a decretação da prisão do devedor de alimentos desempenha função diversa da almejada, tornando-se de natureza punitiva e não coercitiva como pretendeu o legislador constituinte.

Qualquer decisão em relação a alimentos, necessariamente está fundada no princípio da dignidade do homem, analisando a situação do alimentado e do alimentante ou estará em desacordo o disposto na Constituição Federal.

A prisão do devedor de alimentos deve funcionar como um mecanismo de coerção sobre o alimentando, atuando psicologicamente para que se alcance o cumprimento da obrigação.

Não se pretende sancionar aquele que deixou de pagar os alimentos, ao contrário, busca-se coagi-lo a pagar a prestação alimentícia, de fundamental importância à subsistência do alimentado.

Na maioria dos casos, a prisão civil do devedor de alimentos tem servido como um importante mecanismo para o cumprimento da obrigação alimentícia, contudo, infelizmente há registro de abusos contra o devedor de alimentos, casos em que, a prisão civil deste deixa de ter natureza coercitiva e passa a ter natureza punitiva.

Sobre a finalidade da prisão civil do devedor de alimentos, Cristiano Chaves, promotor do Justiça do estado da Bahia fala:

"Não tenciona sancionar aquele que deixou de pagar os alimentos, mas, diversamente, tende a coagi-lo ao pagamento da prestação tão importante para a subsistência do alimentando. Ou seja, é mecanismo disponibilizado pela Lex Mater para que o devedor seja compelido a cumprir o dever alimentar, sem caráter sancionatório, pois interessa que não seja descumprida, em particular, a obrigação de prestar alimentos. Exatamente por isso, é possível a prisão civil de ofício pelo juiz (ou por provocação do Ministério Público, quando funcione como fiscal da lei – CPC, art. 82), independentemente de provocação da parte interessada".[2]

Note-se que o problema não está com o dispositivo constitucional, mas sim com o aplicador do direito que, sem sequer analisar a existência ou não dos pressupostos da obrigação alimentícia, decreta a prisão civil, utilizando-a com o caráter punitivo e não coercitivo.

Em algumas situações de obrigação alimentícia, percebe-se que, usando de má fé, busca-se ser alimentado com argumento de que a lei o assegura tal prestação e que o não cumprimento acarreta a prisão e assim sendo vai-se até as últimas conseqüências para se alcançar essa prisão.

Por outro lado, ocorrem situações que o devedor tenta, de forma leviana e motivado por motivos pessoais de mágoa ou vingança, lesar o direito daquele que necessita da prestação alimentícia, simulando a impossibilidade de cumprir com a obrigação ou descumprindo-a sem apresentar razões de impossibilidade de cumpri-la.

A liberdade é a regra, a privação dela é exceção. É indiscutível o quão prejudicial é uma prisão, levando-se em consideração diversos fatores, dentre estes, no que diz respeito a prisão do devedor de alimentos, vale citar o fato de está se colocando em uma cela um cidadão juntamente com acusados de diversos crimes, obrigando-o a uma convivência que, diante da realidade do nosso sistema prisional, só tem a prejudicá-lo. Entretanto, é inegável as vantagens e benefícios propiciados pela prisão civil do devedor de alimentos, quando esta funciona realmente como mecanismo coercitivo para o adimplemento alimentício. Cotidianamente e na maioria dos casos, vemos que a prisão civil do devedor de alimentos cumpre a sua finalidade: fazer com que o alimentante pague a dívida alimentar.

Infelizmente não é unânime e, como brevemente citado anteriormente, nos deparamos também com casos em que esta prisão assume um papel punitivo e, assim sendo, nota-se claramente a importância da sensibilidade do jurista ao lidar com direito de família para que se assegure de forma justa e possível a dignidade da pessoa humana e igualdade substancial.

A prisão civil é uma medida excepcional no sistema jurídico brasileiro e, somente em duas hipóteses é admitida e assim sendo, de acordo com o disposto no art. 93, IX da Constituição Federal, exige fundamentação da decisão que determina a prisão.

A prisão civil decorrente de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar, tem se mostrado mecanismo eficaz, haja vista que, grande maioria dos réus só cumpre a obrigação quando se sentem coagidos, sob a ameaça de prisão.

Diante do exposto é inequívoca a eficácia da prisão civil do alimentando inadimplente, desde que, presentes os pressupostos da obrigação alimentícia, a existência de um vínculo de parentesco, a necessidade do alimentando e a possibilidade econômico-financeira do alimentante.

É necessário que o jurista moderno, em especial no campo do direito de família, seja mais cuidadoso e que tenha sensibilidade aguçada para que se consiga alcançar o que objetiva a obrigação alimentícia de forma a assegurar de maneira justa a dignidade humana, servindo como instrumento eficaz de solidariedade social e assim, não se cometa equívocos, servindo como meio para se atingir vinganças pessoais, alimentando injustiças e descumprindo com a finalidade do dispositivo legal.




Autor: Thiago Guimarães


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