A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma Reformar o Pensamento



No prefácio da obra "A cabeça bem-feita: repensar a reforma reformar o pensamento" de Edgar Morin (2006), o autor explica que o amadurecimento da idéia para o livro levou em torno de 10 anos. Ele sentia e verificava cada vez mais a necessidade de uma reforma no pensamento, que no ponto de vista dele só seria/será possível a partir de uma reforma no ensino.

Durante este amadurecimento, um dos conceitos chaves para Morin é o da complexidade, e além disto, um dos pontos mais marcantes no pensamento de Edgar é de que só através da educação, aquela que vai além da mera transmissão de conceitos, mas que também nos ajuda a compreender a nossa condição, somente através dela é que alcançaremos a felicidade, ou como ele diz, "viver a parte poética de nossas vidas." (p. 11).

Verifica-se que toda a discussão de Edgar Morin, seja no livro "Cabeça bem-feita" ou no "Os Sete saberes necessários à educação do futuro" (MORIN, 2006) é em torno da reforma do ensino para a educação do século XXI e além disso, fica claro que esta educação está baseada numa necessidade da  hominização do ser humano, ou seja, a educação do futuro necessita sim resgatar o que é o ser humano e quais a qualidades,características, ações que lhes confere esta condição.

No primeiro capítulo do livro denominado "Os desafios", o autor coloca a questão da hiperespecialização que segundo ele, "impede de ver o global (...) bem como o essencial (...)" (p. 13) uma vez que com a hiperespecialização os problemas são estudados cada vez mais isolados, mais específicos e particulares. Assim deixamos de analisar as influências que estes problemas sofrem exteriormente, ou quais são as relações que foram deixadas de lado com a particularização do mesmo. Deste modo, o problema fica isolado, mas não solucionado, não alisado corretamente. E aqui entra a tal da complexidade que Edgar Morin considera tal importante, aliás, a falta dela na análise dos problemas estudados tão particularmente.

Com os especialistas deixamos de ver o todo e as relações existentes neste todo, assim a visão e a razão que fomos desenvolvendo tornou-se fragmentada, como ele mesmo diz, criou-se verdades ilusórias, não reais. Precisamos voltar-nos para a complexidade, entendermos os sistemas, ou melhor, ter um olhar sistêmico do nosso mundo, e o que seria isto, cada sistema é formado por subsistemas que interagem e se inter-relacionam. Se não for dessa maneira, se continuarmos com nossos olhares especialistas, Edgar Morin coloca que:

(...) quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os problemas, mais impensáveis eles se tornam (p. 15).

Ainda, para o autor, a contextualização é uma importante ferramenta no aumento do conhecimento, pois a partir do momento em que todos os campos dos saberes estão relacionados podemos ver diferentes faces do mesmo problema, e que todas estas faces interagem e têm suas parcelas de culpa na geração do problema ou são nelas que os problemas atuam.

Edgar Morin afirma:

Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida, e não atrofiada ". (p. 16). Um dos pontos principais do livro está em torno da questão do que é a CABEÇA BEM-FEITA. Para o autor, uma cabeça bem-feita é aquela em "vez de acumular o  saber precisa dispor ao mesmo tempo de: - uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; - princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido". (p. 21).

No terceiro capítulo do livro denominado de "A condição  humana" o autor enfatiza a importância de sabermos, enquanto seres terrestres, a nossa verdadeira condição, de onde viemos, qual é o nosso local no universo, como foi o surgimento da vida, para onde vamos, o que podemos enfrentar no futuro, etc. Morin ainda aponta a Cosmologia, Ciências da Terra, Biologia, Ecologia como as ciências capazes de "situar a dupla condição humana: natural e metanautral." (p. 37). E é claro, sempre reforçando o fato da grande complexidade que é o ser humano, totalmente biológico e totalmente cultural. No capítulo seguinte "Aprender a viver", Morin coloca a ética como a questão mais relevante. A ética da compreensão humana. Morin nos mostra o cenário muito triste em que vivemos atualmente, onde há uma incompreensão generalizada entre todas as esferas da sociedade, entre estranhos e entre conhecidos, entre pais e filhos, entre  professores e alunos, etc. Para a solução deste grave problema o autor propõe estudos interdisciplinares que aliassem a pedagogia, filosofia, psicologia, sociologia, historia, que segundo ele serviriam para trazer a lucidez e a compreensão de que todos somos humanos e assim também temos mecanismos de egocentrismos e de auto-justificação, através da percepção disto seria mais fácil trabalhar contra o ódio e o racismo, por exemplo.

No capítulo cinco "Enfrentar a incerteza"... primeiro ponto e o mais importante, precisamos aceitar o destino incerto de cada um e de toda humanidade. Edgar Morin vai além e aponta três princípios de incerteza no conhecimento:

O primeiro é cerebral: o conhecimento nunca é reflexo do real, mas sempre tradução e construção, isto é, comporta o risco de erro; - o segundo é físico: o conhecimento dos fatos é sempre tributário da interpretação; - o terceiro é epistemológico: decorre da crise dos fundamentos da certeza, em filosofia (a partir de Nietzsche), depois em ciência (a partir de Bachelard e Popper). (p. 59).

Assim, ele deixa claro que precisamos viver com a incerteza em todos os momentos de nossas vidas, mas, a meu ver isso não significa que não podemos fazer nada diante dos fatos (negativos) com que nos deparamos no dia-a-dia. Devemos sempre pensar para o bem e ao mesmo tempo tentar não enganarmos de alguma forma diante dos fatos. Além disso, precisamos estar atentos ao que ele denominou de "ecologia da ação", ou seja, "toda a ação, uma vez iniciada, entra num jogo de interações e retroações no  meio em que é efetuada, que podem desviá-la de seus fins e até levar a um resultado contrário do esperado (...)" (p. 61).

No capítulo seis, "A aprendizagem cidadã", Edgar volta a confirmar a minha idéia de que na atualidade, ou melhor, o mais importante para a educação nos dias atuais é a importância que ela está assumindo no sentido de estar formando cidadãos no sentido mais amplo da palavra. Refiro-me as questões relacionadas ao comportamento humano, há uma imperiosidade de que o homem volte a praticar os atos que lhe conferem o "grau" de ser um humano. O autor menciona a necessidade de atitudes como responsabilidade e solidariedade com a pátria, entretanto está pátria é formada por um Estado, conseqüentemente por uma sociedade/comunidade que também são formadas por seres humanos. Neste contexto, outros dois autores que comentam sobre a crise em que vivemos atualmente é Oliveira (1993, p. 42) quando ele coloca que "... perde-se cada vez mais a dimensão comunitária do ser humano". Segundo ele, este é um dos principais fatores pelo qual a nossa sociedade passa por tal crise. Já Rouanet (1993) afirma que no Brasil e no mundo, o projeto civilizatório da modernidade entrou em  colapso.Estamos vivendo, literalmente, num vácuo civilizatório. Há um nome para isso: barbárie. Ou seja, diante deste cenário fica fácil entender a proposta de Edgar quando ele fala em "Aprendizagem cidadã", verifica-se a urgência de que o homem volte a humanizar-se, precisa resgatar atitudes de responsabilidade e solidariedade não só com sua pátria mas principalmente com seus semelhantes.

No sétimo capítulo Edgar explica como seria a Educação de acordo com as propostas mencionadas por ele nos capítulos anteriores do livro, para os três graus de ensino, primário, secundário e Universidade. No primário seria estimulado o questionamento, que nesta época do desenvolvimento do ser humano é natural e, além disso, no meu entendimento, o autor coloca a necessidade de ensinar a importância da contextualização (grifos meus) em todos os sentidos. De onde viemos, para onde vamos, qual foi a trajetória do desenvolvimento do Homo sapiens até os dias atuais e este estudo seria realizado de maneira interdisciplinar, levando em conta psicologia, sociologia, física, química, biologia... No secundário, deveria ser o momento da aprendizagem do que deve ser a verdadeira cultura e é claro, entender a cultura que realmente existe. No ensino universitário, ao contrário do que imaginávamos, Edgar propõe que a Universidade continue com seu papel de conservação, transmissão e enriquecimento do patrimônio cultural, mas o ponto fundamental é que o conteúdo a ser conservado/transmitido seria outro, seria um conhecimento adequado e adaptado às reais necessidades da sociedade, um conhecimento interdisciplinar.

Por fim, nos capítulos seguintes, o autor, explica que a "Reforma do pensamento" não é uma idéia que está surgindo somente agora com seu livro, mas que já tem suas bases na "cultura das humanidades, na literatura e na filosofia, e é preparada nas  ciências" (p. 89).

E de que modo seria este pensamento? Para Edgar há necessidade de um pensamento: - que compreenda que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimento e que o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes; - que reconheça e examine os fenômenos multidimensionais, em vez de isolar, de maneira mutiladora, cada uma de suas dimensões; - que reconheça e trate as realidades, que são, concomitantemente solidárias e conflituosas (como a própria democracia, sistema que se alimenta de antagonismos e ao mesmo tempo os regula); - que respeite a diferença, enquanto reconhece a unicidade; (p. 88-89).

A partir deste ponto, a discussão mais interessante que o autor faz é a respeito da inter-poli-transdisciplinariedade. Edgar enfatiza que a interdisciplinaridade não é meramente a união de disciplinas mas cada uma discutindo o "objeto" separadamente. A palavra interdisciplinaridade propõe troca, cooperação que, diga-se de passagem são duas atitudes que também estão ausentes nos seres humanos nos dias atuais. Ou seja, a interdisciplinaridade na verdade propõe uma nova posição/atidude por parte do ser humano, uma atitude humanizada. E aqui voltamos para aquela necessidade da volta ao "o que é ser humano", já discutido anteriormente.

Como considerações finais, identificamos dois pontos  fundamentais no pensamento de Morin: a urgência da humanização do homem e a interdisciplinaridade que a meu ver ao mesmo tempo é caminho e fim para se atingir a humanização do homem e a reforma do pensamento. Fica claro que interdisciplinaridade traz em seu bojo os quatro preceitos que Morin menciona sobre o quê é e como seria este novo  pensamento, a questão da complexidade e da contextualização. Nela não existe lugar para pré-conceitos, para a descontextualização, para a falta de discussão, para o egocentrismo. E aqui está o grande problema, ou o grande desafio a ser superado, deixarmos o "eu" um pouco de lado e passarmos a utilizar e a viver um pouco mais o "nós" em nossas vidas, na escola, na universidade, no seio de nossas famílias...

Referências Bibliográficas

MORIN, Edgar.

Os sete saberes necessários à educação do futuro. 11 ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2006.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de.

Ética e racionalidade moderna. São Paulo: Loyola, 1993.

ROUANET, S. P.

Mal-estar da modernidade: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.


Autor: Cynthia Moleta Cominesi


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