A Familia no Prisma da Adoção por Pares Homossexuais



Introdução

O presente artigo surge com o intuito de responder algumas inquietações que perpassaram o estudo do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA no tocante a subseção IV, da adoção. Entre estas dúvidas destacam-se: é possível que um homossexual adote uma criança/adolescente? E se for um casal homossexual? Tem-se no Brasil algum impedimento legal que seja contra a adoção por casais homossexuais? Para tal feito, este trabalho trará uma discussão sobre as modificações, transformações, (des)construções ocorridas na instituição família. Discutir-se-á, também, a possibilidade de casais homossexuais em serem e, ou, constituírem família a partir da adoção.

O ponto de partida para tal análise é um breve referencial sobre o conceito de família e as novas formas de constituição da instituição familiar. Em seguida serão abordadasreflexões acerca do Movimento Social Homossexual em prol dos seus direitos. Analisar-se-á, também, como o Movimento vem a ser um ponto norteado para se debater o direito à família a partir da possibilidade de adoção, assim como, seus limites e por último será analisado o intuito do Projeto de Lei 1.151/95, da ex-deputada Marta Suplicy, que objetiva disciplinar a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

I.Família

Não é de hoje que a instituição família passa por diversificadas mudanças, principalmente no que tange a sua organização. Há diferentes formas de se conceber uma dada organização familiar, entre elas pode-se destacar as formadas por um núcleo a partir do pai, mãe, e seus filhos ou mesmo constituído por casais de mesmo sexo. Mas para se falar em família tem-se que entender que esta pode ser "um conjunto de relações baseadas em elos de sangue, adoção e aliança socialmente reconhecidas, reconhecimento este que pode ser costumeiro ou legal" (FUKUI, 1998:15). As alianças costumeiras são as de cunho privado, ou seja, estabelecem-se dentro do ambiente doméstico, sociofamiliar sem o reconhecimento jurídico, legal, dando a estas relações a idéia que estão á margem da sociedade. Já as legalmente reconhecidas partem do principio de estarem amparadas por normas (legislações) que as colocam em situação de privilégios ao contrários das anteriormente citadas.

Assim sendo, segundo CARVALHO (1998), pode-se compreender a família como um grupo social cujos movimentos de organização-desorganização-reoganização mantém relação com o contexto sociocultural, ou seja, não se pode olhar a instituição familiar sem precisar um olhar no seu movimento histórico, social e mesmo em fatores de cunho econômicos que perpassam esta instituição. Para que compreenda-se a instituição família é necessário uma análise de conjuntura.

Etimologicamente, o termo família cunhado do latim famulus, significa "criado" ou "servidor". Segundo a Enciclopédia Barsa, inicialmente, a palavra designava o conjunto de empregados de um único senhor[1] e só mais tarde, com os surgimentos do cristianismo, da sacralização do casamento, bem como o aparecimento dos burgos na Idade Média, esta passou a ser empregada para denominar o grupo de pessoas que, unidas por laços de sangue, viviam em uma mesma casa e ficavam submetidas à autoridade de um chefe comum. Normalmente o chefe comum era representado pela figura do homem mais velho da casa. Ele era tido como o patriarca da família. Essa figura ficou conhecida como o pai, o chefe da casa, estabelecendo-se assim o que se chama, hoje, de família "nuclear".

Com o passar dos tempos, principalmente com o advento do Iluminismo, da Revolução Francesa e da Era da Industrialização, essa instituição nuclear, na qual o principio de autoridade era prerrogativa do pai, com a colaboração da mãe, passou a não ser mais considerada universal e hegemônica[2]. Esta, primeiro em virtude dos casamentos laicos no Ocidente, da migração corrente dos campos para a cidades[3], contribuindo para a diferenciação entre as famílias rurais e as urbanas. Acentuou-se no campo a prerrogativa dominante do pátrio poder e nas cidades um misto entre esse e o poder matriarcal. Com a crescente industrialização ficou intenso o surgimento da força de trabalho fabril feminina, que obrigou milhares de mulheres a saírem do campo privado e participarem da esfera pública. E cabe ressaltar que o surgimento do movimento feminista - que se deu durante o século XVIII com real evolução no século seguinte - fez com que aquele grupo social (a família) passe por algumas transformações, entre elas destacam-se: o divórcio, as famílias compostas pelos agregados domésticos[4] e a independência dos filhos cada vez mais cedo em relação aos seus pais.

No decorrer deste processo supramencionado, pode-se destacar como resultante destas transformações sócio-estruturais: as famílias formadas por apenas um dos genitores, pai ou mãe e filhos, que são as, chamadas famílias monoparentais ou mononucleares; tem-se as que estenderam os laços familiares aos amigos, vizinhos, afilhados e demais agregados familiares que constituem hoje as conhecidas por famílias estendidas, afetivas ou compostas por agregados domésticos; as adotivas, que partem do principio da adoção de uma criança ou adolescente em que, em uma família não biológica, passa a ter os mesmos direitos e deveres de filhos biológicos[5]. E, hoje, como maior visibilidade as constituídas por casais do mesmo sexo e seus filhos, que são o que se pode chamar de famílias homoafetivas[6].

As famílias formadas por pessoas de mesmo sexo com seus filhos adotivos ou não, ilustram a nova face da constituição familiar e social do mundo[7], principalmente na década 1990 onde se evidência o surgimento coeso do movimento homossexual em prol do reconhecimento de direitos inerentes a cada qual, a partir dos "novos" movimentos sociais que não preconizam apenas a luta contra a globalização, mas a luta pela equidade e acima de tudo defende a identidade humana como afirma GOHN (apud. SIQUEIRA 2004).

Sendo assim, não pode ser negado que os filhos havidos em um relacionamento entre iguais[8] não estejam (con)vivendo em família, só por não fazerem parte de um conceito tradicional, hegemônico de família que preconiza o patriarcado, o pátrio poder, além de termos biológicos para tal definição, ou seja, por não partirem do princípio da estrutura do parentesco consangüíneo. Ou por não pautarem-se em um relacionamento que preconiza a diferenciação de sexos na tentativa de se formar uma família.

A entidade familiar não pode ser compreendida estritamente do ponto de vista biológico, pois esta é uma instituição social historicamente condicionada e dialeticamente articulada na sociedade em que se insere. É necessário apresentar a esta categoria de análise um cunho social, na qual a acepção de família é considerada a instituição que se incumbe de transformar um organismo biológico num ser social e o veiculo primeiro da transmissão dos padrões culturais, valores e objetivos propostos pela organização da sociedade[9].Ao se considerar a família como uma categoria estritamente biológica o ato de adoção deixaria de fundamentar um dos seus princípios, o de assegurar o direito das crianças e adolescente de ter uma família, visto que nos casos de adoção nem sempre há um laço sangüíneo que unem adotante e adotando.

A compreensão do termo família como uma unidade sociológica conseguir ver em uma dada estrutura a possibilidade desta ser o fundamento da sociedade humana criando-se dentro delas os laços afetivos necessários à transmissão, de uma geração para outra, da cultura e dos valores ideológicos, morais e éticos que norteiam uma dada sociedade. Em outras palavras, sendo a instituição primaria responsável pelo processo de socialização de um indivíduo que compreende três ângulos diversos e complementares: a de criar condições materiais de vida, ser instituição e um valor de referênciaFUKUI (1998:15).

Quando se evidência que a família é uma categoria central de valor de referência para o ser social, tem-se ai, um dos entraves para se permitir que um casal homossexual ou que uma pessoa com orientação sexual divergente da heterossexualidade possa adotar. O entrave configurasse por preconceito moral, religioso, sexual e cultural que não permiti observar com bons olhos o fato dos homossexuais reivindicarem para si o direito a maternidade/paternidade, por acharem que estes são seres pervertidos, impuros e profanos que corromperão as crianças/adolescentes adotados.

II.Adoção

A adoção caracteriza nos dias atuais a garantia de se ter uma família, tanto para o adotante como para o adotado. Resguardando assim a esta nova entidade familiar alguns dos direitos previstos na Constituição Federal, que dispõe em seu artigo 226 estabelece a família como a base da sociedade e esta merecedora de especial proteção estatal. Bem como em seu artigo 227 que prevê a todas as crianças e adolescentes o direito à convivência familiar e comunitária, sendo a adoção uma das formas de garantia deste direito.

A legislação brasileira define a adoção como "a inclusão em uma nova família, de forma definitiva, acolhendo como filho uma criança ou adolescente, cujos pais foram destituídos do poder familiar. A partir desta definição e necessário evidenciar que, para o poder jurídico brasileiro, família é uma entidade formada através do casamento civil e/ou religioso, da união estável entre pessoas de sexos diferentes ou, ainda, por meio da comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendente CF/88, art. 226 (BRASIL, 2004:128). Logo, pelo que está implícito na Constituinte, para os representes do judiciário e legislativo o casamento ou a união estável tem a finalidade de pactuar o ato da "(re)procriação". Como este assunto é polêmico por sua natureza dialética e dúbia, ficará para outro momento, cabendo entender qual a posição da criança ou adolescente no pós processo de adoção.

O adotando, seja criança ou adolescente, passa a ser considerado como filho pelos adotantes pós deferido positivamente o processo de adoção, já que o ato "atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios; desligando-o de qualquer vínculo de filiação com os pais e parentes, salvo impedimentos matrimoniais" (ECA, art. 41). Ela também é irrevogável, nem mesmo a morte dos adotantes devolve o poder familiar aos pais biológicos.

Para que alguém possa adotar precisa antes de qualquer coisa procurar a seção de adoção na Vara da Infância e Juventude - VIJ e se cadastrar, posteriormente a isso, precisará preencher alguns imperativos, tais como:

·ser maior de 18 anos, independente de seu estado civil, com exceção dos avós ou irmãos do adotando;

·o adotante tem que ser, pelo menos, 16 anos mais velho do que o adotando;

·tem que oferecer um ambiente familiar adequado ao pleno desenvolvimento da criança ou adolescente, além de outros estabelecidos no artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ao observar os imperativos supra, é importante entender que, ao se falar em oferecer um ambiente familiar adequado, esta expressão dá margem a inúmeros pensamentos, pois é uma expressão incapaz de permitir um conceito único do que vem a ser tal ambiente. Mas tem que se ter em mente que o ambiente familiar adequado é o ambiente acolhedor, no qual as pessoas envolvidas revelam-se emocionalmente entrosadas e sobretudo dispostas a oferecer o melhor abrigo possível ao adotando, com espírito de sua inclusão, segundo SANTOS (apud. FIGUEIRÊDO, 2001:81).

A categoria ambiente familiar adequado por ser, realmente, inexpressiva, não ter em si um contexto social ou mesmo jurídico formado, abarcar apenas a concepção dos profissionais da adoção do que vem a ser o ambiente adequado para a colocação da criança/adolescente. Os assistentes sociais, psicólogos, juizes e sociólogos, como uns desses profissionais, acabam por si mesmos decidindo o que vem a ser tal ambiente, utilizando-se para isso, muitas vezes, pensamentos permeados por valores morais e éticos pessoais, não pensando no coletivo. E por, talvez, utilizarem de valores pessoais acabem esquecendo do que pode ser proveitoso para o adotado, ao subjugar o adotante por questões relativas a orientação sexualidade, credo, inserção social, condição psicofisícomotora, etc.

Dentro da mesma legislação[10] não se encontra nenhum dispositivo legal que negue a adoção por questões referente à etnia, credo, condições físicas, inserção social ou mesmo orientação sexual do adotante, pois a mesma tenta assegurar como principio fundamental que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" (art. 5º, CF 88). Logo todos são possíveis adotantes, desde que atenda o proposto pelo artigo 42 que menciona poder adotar os maiores de 18 anos[11] independentes do estado civil. A faculdade de adotar é outorgada tanto ao homem como à mulher, bem como a ambos conjunta ou isoladamente. A capacidade para a adoção nada tem a ver com a orientação sexual de quem quer adotar, pois, tanto a hetero, a bi, a homossexualidade são apenas variantes da sexualidade humana, que nada tem haver com a moral, a cultura ou qualquer outro condicionante social que possa denegrir a imagem de alguém.

Sendo assim, o fato de uma pessoa de orientação sexual diferente da heterossexualidade requerer a adoção de uma criança ou adolescente é perfeitamente legal. Não se pode colocar entraves legais ou mesmo impor barreiras sociais ao pedido de adoção feito por uma pessoa não heterossexual. Em face da hipótese de entraves os profissionais responsáveis pelo processo de adoção estariam indo contra a Constituinte que regula a sociedade brasileira, ferindo assim o artigo 5º que consagra o princípio da isonomia e em seu inciso II que determina que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", visto que no Estatuto da Criança e do Adolescente não há menção alguma à orientação sexual do adotante como dispositivo restritivo ao direito de adoção.

Quando um homossexual masculino ou feminino vem a pleitear aadoção, este não pode sofrer nenhuma ação que caracterize discriminação, pois "o que importa, no substancial, é a idoneidade moral do candidato e a sua capacitação para assumir os encargos decorrentes de uma paternidade (maternidade) adotiva" SILVA (apud. FIGUEIRÊDO, 2000:21 grifamos), sem discutir a possível orientação sexual dos adotantes.

III.A (possibilidade) da adoção em favor dos casais homossexuais

Tentando trazer os desenvolvimentos anteriores para esta nova pauta de discussão que vem a ser a possibilidade de concessão de adoção em favor dos casais homossexuais, pode-se dizer que não há nenhuma circunstância legal que prive os homossexuais do direito de adotar, visto que:

Pela natureza social do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda é mais visível à possibilidade da adoção por homossexuais, pois configura interesse do ECA resguardar e zelar pela dignidade da criança e do adolescente, para garantir-lhe um lar seguro, propiciando amor e carinho, sem discutir a orientação sexual dos adotantes (AD, www.direitogay.com).

Então, não existindo nenhuma barreira legal que impeça qualquer pessoa de adotar, desde que preencha os requisitos estabelecidos legalmente, independente de orientação sexual. Logo, o direito de adotar é concedido a qualquer gênero bastando que este "respeite" as exigências retrocitadas.

Mas o que concerne à adoção por casais homossexuais, há algum impedimento legal?

A questão é mais complicada quando se refere à adoção em conjunto por homossexuais. Apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente não apresentar – implicitamente ou explicitamente - nenhum impedimento legal à adoção por casal homossexual, o (Novo) Código Civil Brasileiro já impõe restrições ao dispor que: "ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável" (art.1622, CC). Este artigo mesmo que não explicite, coloca entraves legais, pois a legislação brasileira não permite o casamento e tão pouco reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo[12], excluindo-os do direito já assegurado aos casais heterossexuais, o de adotar em conjunto.

Contra essa atitude que dissipa do homossexual um direito personalismo e, seguindo um raciocino conservador, natural o ter/ser família é que muitos dos movimentos sociais em prol dos direitos humanos e cidadania dos homossexuais estão em voga no cenário atual. Estes - como por exemplo o Grupo Estruturação/DF; Inova Famílias GLTTB/SP; GGB/BA -lutampara que o direito a família seja reconhecido e legitimado dentro da sociedade brasileira.

Os movimentos em prol dos direitos sociais e civis das Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Travestis e Transexuais– LGBTTT, não são algo recente tendo como marco principal a emergência do primeiro grupo em 1897, o Comitê Científico Humanitário, que se dedicava à defesa dos direitos de homossexuais. Em 1946 nasce, ao fim da II Grande Guerra, a Associação dos Homossexuais Holandeses. Mas foi a partir dos anos 1970 que os movimentos começaram a ganhar maior visibilidade com a criação da Frente de Libertação Gay, em Londres, que em 1972 conseguiu mobiliza e organizar um público de 2 mil participantes no que fico conhecido como a primeira marcha do Orgulho Gay (SANTA CRUZ e VIEIRA, 1999:45-46).

Em termos de Brasil foi em 1978 com o Jornal Lampião do Rio de Janeiro, lançado por jornalistas, intelectuais e artistas homossexuais, que se teve o cerne do movimento nacional. E em 1989, graças a atuação dos movimentos LGBT's e de cientistas, a Organização Mundial de Saúde - OMS retira o homossexualismo do rol das doenças (SANTA CRUZ e VIEIRA, 1999:46, Grifo nosso). Sendo assim, a partir de 1995, o sufixo "ismo" deixou de ser usado no Código Internacional de Doenças – CID, por este significar doença, passando a utilizar o sufixo "dade", que significa modo de ser (DIAS, 2001:2. Grifamos).

Um contra ponto deve ser feito, foi pós o surgimento - do que hoje se concretizo em epidemia- da aids que ficou na década de 1980 conhecida como a "doença de gays" que se deu um salto para que os homossexuais, requisitassem o direito a união (estáveis) reconhecidas legalmente. Como a contaminação pelo vírus HIV, trouxe uma nova realidade a comunidade homossexuais como um todo, a qual passou-se a dar preferência aos relacionamentos estáveis, ao invés dos constituídos por mais de um parceiro sexual. Essa escolha ficou mais característico entre os casais lésbicos, que passaram a requisitar o direito a maternidade.

Desse contexto e que se urgiu um dos pontos do movimento LGBTTT de reivindicarem não só direitos civis, mas sociais entre eles o direito a materno-partenidade a partir da adoção e do direito inerente a cada qual e assegurado pela CF/88, o direito a livre expressão. Nesse caso em especifico é o de libertar-se das amarras preconceituosas e dominantes da sociedade e assumir e viver uma orientação sexual que venha a divergi da heterossexualidade. Ao ponto de não ter que esconder sua diversidade sexual para que seus direitos não sejam restritos e ao ponto de configura-se como cidadão de segunda escala, onde os heterossexuais possuem mais direitos civis e sociais do que os homossexuais, tais como: o direito ao casamento, a adoção em conjunto, o de decisão de doação de órgãos em caso de falecimento do companheiro, entre outros direitos que perpassam a lógica do econômico – seguro saúde conjunto, direito a herança.

IV.A adoção a favor dos casais homossexuais seria permitida caso o Projeto de Lei 1.151/95, da ex-deputada Marta Suplicy, fosse aprovado pelo Congresso?

O Projeto de Lei objetiva disciplinar a "união civil entre pessoas do mesmo sexo"[13] e garantir um legitimo direito de cidadania dos homossexuais. Ele visa assegurar o direito à propriedade, à sucessão, à herança, benefícios previdenciários, seguro saúde conjunto, declaração do IR em conjunto, o direito a nacionalidade no caso de estrangeiros. Apesar deste direitos listados ter caracter economista ele trás, também, um cunho social ao querer reconhecer a união civil como entidade familiar, já que sua aprovação acarretaria mudanças no art. 226 da CF/88.

Todavia, o Projeto não faz menção à adoção conjunta por casal homossexual, apresentando assim uma "falha" em sua redação? De forma alguma. O PL em foco, não trata desta questão em seu texto por ele em si, como já referenciado, ter um viés econômico ao almejar garantir direitos previdenciários, sucessórios, etc. E não perceber que o Projeto só será quantiqualitativo ao casamento ou a união estável ao garantir todos os direitos já garantidos aos heterossexuais sem ser focalista, pois o PL é único e exclusivamente preocupado com o financeiro das pessoas que o comporá. Ele deveria olhar a união entre pessoas de mesmo sexo eqüitativa a união entre heterossexuais, formulando, assim, legislações que mude o texto constitucional, ou seja, o PL deve entrar em pauta como Emenda Constitucional - EC, tentando almejar a mudança de textos na Constituinte que até o presente momento não apresenta nenhum texto explicito que defenda o direito dos homossexuais como cidadãos de direitos em pé de igualdade como os demais.

Frente a aquela "falha", que pode ser ou não intencional, e outras, foi apresentado o substitutivo elaborado pelo deputado Roberto Jefferson sobre o titulo de "Pacto de Solidariedade", estabelecendo em sua redação que às uniões estabelecidas mediantes o Projeto não dar o direito à adoção por casais do mesmo sexo.

Infelizmente o exemplo da Holanda, onde a equiparação de direitos é total, sendo este o único país do mundo em que casais do mesmo sexo podem adotar em conjunto e a certidão do adotando vem com a filiação "pai e pai" ou "mãe e mãe", ainda, não foi adotada pela legislação/legisladores brasileiros. Alguns desses mais conservadores, destaque para o presidente do Congresso Nacional, alegando que isso seria um ato imoral (por ir contra a diferenciação de gênero que a Bíblia Cristã impõe à concessão do casamento), contra a ordem da natureza humana e as leis "divinas", dizendo, ainda, que esse ato seria um ponto fundamental de confusão no desenvolvimento sócio-psicológicos dos adotados, pois não teria nenhuma referência masculina, no caso das adotantes serem mulheres, ou feminina no caso destes serem um casa gay. Estes fatos mostram, em um simples resumo, que o Congresso não é laico[14] e outro que os parlamentares ainda estão no papel de assumir uma postura não política e sim de cunho próprio. Esses poderiam observar a sociedade em si que apresenta em suas relações cotidianas exemplos notórios da conjugalidade homossexual em consonância com a criação de crianças.

O legislativo num todo precisa estar a par das discussões que subscrevem o tema família e educação dos filhos pois como afirma SAYÃO:

"Mais importante do que a estrutura familiar é a maneira como os adultos educam a criança: com amor ou indiferença, com cuidado ou desleixo, com atenção ou abandono, em paz ou com violência, já que não se sabe como os filhos desta união se comportaram, já que cada filho dá um sentido único e pessoala tudo o que observa ao seu redor, às experiências que vive, ao jeito de seus pais, ao relacionamento com eles. É também por isso que filhos educados pelos mesmos pais são tão diferentes. Assim será com as crianças que crescerem com pais homossexuais" (2002:35).

Mas, para que os casais homossexuais não tenham o exercício da maternidade ou paternidade impedidos e, se realmente objetivam criar um filho em conjunto, podem, como sugerem LIMA e AKIYOSHI, "driblar a legislação adotando individualmente antes de legalizarem sua união ou optando pelas conquistas da ciência (através das técnicas de engenharia da reprodução) para alcançarem este objetivo." Aqui, ressalta-se o fato de que no Brasil, ainda, não se reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo.

É percebendo a importância de se instituir a adoção por casais do mesmo sexo, já que esta seria uma das forma encontradas para se legitimar uma família e ao mesmo tempo garantir o princípio de igualdade entre heteros e homossexuais, além de mostrar que os modelos familiares, hoje, são diversos, que a jurista Maria Berenice Dias, em seu artigo "Amor não tem sexo", diz:

"Há uma realidade da qual não se pode fugir. Crianças vivem com parceiros do mesmo sexo, quer por serem concebidas de forma assistida, quer por serem filhos de somente um deles. Presente a convivência, a negativa de adoção veda a possibilidade do surgimento de um vinculo jurídico com ambos, o que, ao invés de benefícios, só acarreta prejuízos ao filho. Mesmo tendo dois pais ou duas mães, a vedação de chancelar dita situação serve tão só para impedir, em caso de morte, a percepção de direitos sucessórios ou benefícios previdenciários. Se ocorrera separação, não haverá direito a alimentos, não se podendo garantir o direito de visitas.

Por isso é que merece ser louvada a iniciativa da Holanda, que, de forma corajosa, pensou muito mais no interesse dos menores do que nos preconceitos da sociedade. Garantiu o nascimento de filhos frutos do afeto, gerados de forma responsável, cercando-os da proteção legal.

Essa é, com certeza, a consagração do amor sem estigmas e sem medos, concedendo a muitos menores abandonados a chance de se criarem de forma saudável e feliz, pois cercados de um amor que já não tem mais medo de dizer seu nome e no seio de uma família que merece ser chamada de homoafetiva."

Sendo assim, a sociedade poderia tentar desconstruir os preconceitos em si exigentes e buscar compreender e conhecer essa nova forma de organização familiar que está se estabelecendo na atual fase da constituição social brasileira – exemplo o caso "Chicão[15]" -, pois não será pela força das leis brasileiras que estas famílias deixarão de existir. O seu principio constitutivo parte do afeto e da cumplicidade dispensadas para se formar um ambiente familiar adequado. Ambiente esselonge de violência, vícios para que se possa constituir um lar, onde os filhos lá existente possam ter um ambiente seguro, tranqüilo, com os devidos cuidados necessários para um bom desenvolvimento. Isso não significando que o fato de uma criança ser adotada por um casal homossexual o seu ambiente de convivência seja o mais adequado.

O que se deve ter em mente e que ao se deferir a adoção à pessoas do mesmo sexo os preconceitos devem ser repensados, desconstruídos, desmanchados, observando o real ganho do adotado e a capacidade do adotante em ser família e responsável pelo processo de socialização da criança. Também, tem que se perceber que ao não permitir a adoção por casais homossexuais, o direito deste de constituir uma família, a partir do momento que esses são tidos como cidadãos brasileiros legislados por uma Constituinte democrática e cidadã, está sendo violado, bem como o direito da criança ou do adolescente de ter uma, já que este é assegurado na Constituição Federal em seu artigo 227.

Considerações Finais

Em suma, a instituição família desde a sua concepção até os dias atuais vem passando por inúmeras modificações principalmente no que se refere a forma de organização. Exemplo seria o fato de que o laço consangüíneo não caracteriza mais a formação de uma família no presente, pois esta pode ser constituída por meio da adoção ou por afetividade estendida, o que muitas vezes não vem ligado a nenhum tipo de laço sangüíneo.

As famílias constituídas a partir do direito de adoção tem a mesma proteção estatal que as constituída biologicamente. Mas o que há, ainda, nos dias de hoje é a falta de legislação que sancione a adoção por casais homossexuais.

Cabe assinalar que é, sim, permitido a uma pessoa de orientação homossexual adotar isoladamente. Esse direito não lhe pode ser negado, mas também tem-se que evidenciar, infelizmente, que a orientação sexual dos adotantes influencia no tocante a adoção, mas não deve determinar o deferimento do pedido de adoção e caso isto aconteça ficará evidenciado um ato de discriminação.

E diante destas notas deve-se defender um "direito natural" de cada indivíduo de constituir família, seja por meio de relacionamentos heterossexuais, estendidas ou do processo de adoção independente da orientação sexual das pessoas envolvidas nestes relacionamentos. Além disso, evidencia-se que não se deve ignorar o direito dos homossexuais, casais ou não, à adoção e as benesses trazidas à sociedade, em decorrência da formação de um lar novo para os adotados.

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Autor: Ricardo Soares


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