Projeto Editorial das Coleções de Theobaldo Miranda Santos



Projeto editorial das coleções de Theobaldo Miranda Santos

Orlando José de Almeida Filho – PUC-SP

Resultado de pesquisa de doutoramento, defendida no corrente ano, no programa de História, educação e sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP), a construção da investigação encontra-se situada na perspectiva da História Cultural. O objeto da pesquisa prioriza o estudo dos impressos constituídos do gênero textual denominado “Manual”, organizados em coleções voltadas para a formação de professores, da produção de Theobaldo Miranda Santos que teve seus volumes publicados no decorrer de aproximadamente três décadas pela editora Companhia Editora Nacional.

Como marco de periodização estabeleci os anos de 1945, quando surgiram os primeiros volumes a 1971, ano em que as coleções não possuíam mais fôlego para sobreviverem, devido às circunstâncias de sua atualização e revisão, bem como às mudanças curriculares da Lei 5.692/1971.

Em relação às fontes de pesquisa, operei em duas frentes: a primeira tem sido as fontes primárias onde utilizo as coleções, mapa das edições, planilhas das vendas, cartas pessoais e institucionais destinadas ao autor por diversos atores sociais que vivenciaram essa historicidade. Sobre estas, ressalto que diversos professores e editores que mantinham correspondências com Santos demonstram a importância das publicações do autor e as representações existentes no imaginário de professores, bem como os interesses em editarem e/ou conseguirem seus livros.

Como fontes secundárias trabalhei com pesquisas relacionadas a estudos sobre livros, coleções, formação de professores, documentos da Igreja e legislação da educação brasileira.

Os estudos de Marta M. Chagas Carvalho, Usos dos impressos nas estratégias católicas de conformação do campo doutrinário da pedagogia (1931-1935) e A Escola Nova e o impresso: um estudo sobre estratégias editoriais de difusão do escolanovismo no Brasil, os de Maria Rita de Almeida Toledo, sobretudo o seu trabalho pioneiro no Brasil sobre a investigação, Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto político ao projeto editorial (1931-1981), de Antonio Donizete Sgarbi, Bibliotecas pedagógicas católicas: estratégias para construir uma civilização cristã e conformar o campo pedagógico através do impresso (1929-1938) e de Viviam Batista da Silva, Saberes em viagem nos manuais pedagógicos: construções da escola em Portugal e no Brasil (1870-1970), têm sido fontes importantes para o estudo que realizo. Além dos trabalhos produzidos no Brasil ainda utilizei como referencial teórico, o estudo pioneiro sobre a origens das edições por meio de coleções na França de Isabelle Olivero, estudos de Roger Chartier, Michel de Certeau encíclicas e documentos papais, bem como documentos de bispos brasileiros.

O recorte que realizei para essa comunicação foi a análise da intervenção católica por meio do impresso e, neste caso, as estratégias católicas utilizadas por meio das coleções nas quais Santos publicou.

Os títulos de Santos circularam, sobretudo, nos meios estudantis dos cursos das Escolas Normais, Institutos de Educação e Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. Uma questão fundamental para entender a circulação é a de responder as seguintes questões: Por quais meios circularam os títulos de Santos? Quais foram as estratégias editoriais para tornar os volumes da coleção conhecidos? Olivero informa que:

Os editores de coleções utilizam-se das redes tradicionais de difusão como as livrarias, mas são também, originalmente, criadores de novas redes como a da estação rodoviária. Sabem igualmente aproveitar convenientemente de uma venda por correspondência. Por último, como nos séculos anteriores, a coleção circula também graças às diversas modalidades que visa instituir um sistema de substituição que, embora não seja diretamente comercial, dá ao livro valor de promoção. (Olivero, 1999, p. 197).

As estratégias de difusão das coleções cumprem, portanto, um itinerário de divulgação que vai das formas mais tradicionais a todas as possibilidades criadoras do editor. No caso dos títulos de Santos, publicados em coleções, ou de sua própria coleção, Curso de Psicologia e Pedagogia, além das tradicionais formas de divulgação apontadas por Olivero, o próprio autor tornou-se um divulgador de seus livros. Isso se explica pelo fato de ser um professor atuante no magistério que mantinha contato com seus leitores e pelo reconhecimento de que era uma autoridade em educação e que a argumentação teórica e metodológica de seus livros refletia as necessidades do professorado e era de grande contribuição para o magistério.

Inserido nessa reflexão, encontrei diversas formas pelas quais os livros de Santos circularam dentro de uma estratégia de divulgação que fizeram com que tanto os volumes das coleções, como o autor se tornassem conhecidos.

Edição de coleções como estratégia de intervenção na cultura

Santos exerceu o magistério em cursos secundários, Escolas Normais e faculdades, sobretudo no Rio de Janeiro, onde também exerceu o cargo de Diretor de Departamento de Educação Técnico Profissional e de Diretor Geral do Departamento de Educação Primária da Prefeitura, a partir da década de 1940. Publicou livros didáticos de geografia, história, língua portuguesa, livros de leituras, contos e poesias para o ensino primário, ginasial e colegial e uma literatura voltada para a formação de professores do ensino normal e superior. Dessa forma, fechou um circuito que abrangeu os três níveis de ensino: o primário, o secundário, acrescido ao ensino normal, e o superior, sobretudo as Faculdades de Pedagogia.

Além das duas coleções voltadas para a formação de professores (Curso de Psicologia e Pedagogia e Curso de Filosofia e Ciências) nas quais era o editor e autor de todos os volumes, Santos ainda teve volumes publicados em duas outras coleções (Atualidades Pedagógicas e Iniciação Científica). Isso demonstra que os volumes de seus livros tinham uma excelente aceitação mercadológica. A publicação em coleções foi uma estratégia que já fazia parte da filosofia editorial da Companhia Editora Nacional, desde os anos iniciais de sua fundação, na década de 1930

A produção editorial de coleções tem sua origem no século XIX, e, segundo Olivero, surgiram como uma estratégia de ampliação do mercado editorial e de conformação da cultura. As coleções de Santos estão inseridas nesse projeto editorial em que as estratégias de produção editorial agregam valor de mercado e de consumo, bem como a difusão da pedagogia católica e a modelização de saberes voltados para a formação de professores.

Nesse processo de construção das coleções, Santos tornou-se um autor militante que produziu uma vasta literatura no campo da Ciência da Educação. Sua obra estava inserida num projeto amplo de conformação do campo educacional como estratégia de intervenção na cultura pela construção de um modelo de uma pedagogia católica, da qual participaram diversos atores sociais. O autor estava ligado a um grupo denominado “católicos” do qual fizeram parte, entre outros: Alceu de Amoroso Lima, Gustavo Corção, Jônatas Serrano, Pe. Leonel Franca, Everardo Beckheuser, Pe. Helder Câmara e Leonardo Van Acker, que também eram militantes ligados ao Centro D. Vital (onde Jackson de Figueiredo foi seu primeiro diretor), fundado em 1921, e à Ação Católica, criada em 1930, ambas as instituições eram organizadas, inicialmente, sob a liderança do Cardeal Sebastião Lemme.

A partir de meados da década de 1940, e, sobretudo nos anos 1950 e 1960, a ação dos “católicos” já não era a mesma das décadas de 1920 e 1930 onde havia um combate às concepções liberais de educação, sobretudo à Escola Nova. A partir de meados da década de 1940, foi se construindo um modelo constitutivo de uma arquitetura de saber e de poder que envolvia um grande projeto eclesial de adequação do mundo católico aos tempos modernos, sem perder a essência da fé cristã e da doutrina católica. O lugar em que os católicos procuraram difundir, por meio de estratégias editoriais suas concepções pedagógicas, era o da educação e por meio dela intervir na cultura pela ação pedagógica do professor. Foi a partir desse lugar que os católicos circunscreveram suas estratégias de conformar o campo educacional por meio de uma pedagogia católica ampliando a produção de impressos.

A questão da luta pela “aula de religião” nas escolas, muito presente nos discursos dos católicos nas três primeiras décadas do século XX, foi deixando de ser uma a questão central e/ou pelo menos uma das primeiras prioridades a ser “atacada”. A grande preocupação dos católicos era construir um projeto estratégico de intervenção na cultura pela formação do professor que possuísse uma ação direta na escola, pois para os católicos não bastava conquistar uma aula de religião sem a construção de um modelo pedagógico católico que norteasse a ação do professor. Pelo modelo de uma educação católica que chegasse a conquistar o professor, realizando uma intervenção no processo de sua formação, a educação cristã chegaria à escola.

Uma questão relevante para essa pesquisa vai ao encontro da percepção de Carvalho que observou a existência de uma análise por parte da historiografia educacional, que subestimou a intervenção católica, nos anos 1920 e 1930, atribuindo-lhe apenas uma reação ao processo de difusão da Escola Nova no Brasil. A atuação dos católicos, a partir desse período, foi a de conquistar espaços de intervenção na cultura, construindo um modelo de educação que não rejeitava mais os pressupostos da Escola Nova, mas que objetivava apropriar-se dessa leitura em um processo de depuração, modelando-a aos interesses da pedagogia católica.

A partir daí, percebe-se que havia um discurso no sentido de ultrapassar a discussão de um possível retorno à cristandade e construir uma nova consciência nacional, porém a partir da concepção cristã e católica. Para isso, era necessária uma escola renovada nos moldes de uma pedagogia cristã e católica. A produção de materiais pedagógicos como livros seria a estratégia conformadora de um modelo pedagógico cristão e católico.

A Igreja percebeu que não bastava mais ficar apenas “atacando” as concepções do pensamento moderno ou, tão pouco, permanecer em uma posição defensiva. Todas as encíclicas papais, a partir de Pio XII, e, que se inserem nesse contexto, reconheciam a força do pensamento moderno e havia um chamamento à necessidade da Igreja em adaptar-se a esse mundo sem perder sua identidade e tradição católica. Para essa tarefa houve, por parte da Igreja oficial, um chamamento dos leigos a colaborarem nesse empreendimento juntamente com os padres e bispos. Assim como Pio XII, também os papas João XXIII e Paulo VI reafirmaram as mesmas teses da importância da formação de dirigentes leigos e lideranças que tivessem uma atuação nas instituições da sociedade, entre elas a escola. O papa João XXIII, em 1959, na encíclica Princips Pastorum afirma que “a sede natural dessa formação, é a escola”. Paulo VI, em 1964, na encíclica Ecclesiam Suam, ao conclamar os leigos para atuarem na sociedade reconhece que a Igreja deveria “não só adaptar-se às formas do pensamento e da moral, que o ambiente terreno lhe oferece e impõe [...]”, mas também purificá-las dentro de uma nova missão. A purificação no campo da educação significava a necessidade de assumir e pensar em uma nova escola, adaptada aos tempos modernos sem perder a essência do catolicismo.

Portanto, havia um reconhecimento das grandes transformações provocadas pela modernidade e não haveria possibilidades de retorno à cristandade. Houve por parte da Igreja, a partir de 1945, uma busca para adaptar-se no tempo. Essa adaptação finalmente foi coroada pelo Concílio Vaticano II ( 1962-1965) que foi uma estratégia de colocar a Igreja situada em seu tempo para que não perdesse o “bonde da história”.

No Brasil, os educadores “católicos” seguiam esse mesmo movimento sob a liderança de Alceu de Amoroso Lima que militava também no campo da educação. A renovação educacional já era um pressuposto incorporado no ideário dos católicos e o grande problema era os princípios laicistas da Escola Nova e a democratização da educação nos moldes de autores como John Dewey e, no Brasil, por Anísio Teixeira, um dos responsáveis pela difusão do pensamento de Dewey.

Nas décadas de 1940 e 1950, o grande debate desses intelectuais educadores (católicos e liberais) estava centrado nos caminhos que o ensino público e privado deveriam percorrer na construção da Lei de diretrizes e Bases da Educação. Essa questão não era nova e sempre polarizou “católicos” e “pioneiros”, desde os anos 1930. A partir de 1948, tramitou no Congresso Nacional o projeto de Lei das Diretrizes e Bases da educação. Esse projeto reabriu o debate educacional iniciado nos anos de 1920 e 1930 e, no decorrer dos 13 anos em que tramitou no Congresso Nacional, foi objeto de muitas discussões e intervenções, inclusive com o substitutivo Carlos Lacerda que defendia os interesses das escolas privadas, até a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1961.

Impressos e livros foram amplamente utilizados por católicos como forma de depuração dos “equívocos” da Escola Nova e com o objetivo de conformação de um projeto católico “atingindo não somente às práticas dos professores das escolas católicas, mas também as do professorado católico das escolas públicas.” ( Carvalho., 2003, p. 103). Percebendo a ameaça que pairava sobre a laicização da cultura, por meio da conformação dos ideais da Educação Nova, os católicos passaram a buscar a “adesão do professor à boa pedagogia”, normatizando sua conduta e orientando doutrinariamente suas práticas escolares” (Carvalho, 2003, p. 104).

As coleções de Santos disputaram os espaços educacionais com outros livros dos assim denominados escolanovistas em um mercado ascendente. Houve um grande crescimento do mercado editorial, após os anos 1930, sobretudo, no que se refere ao Estado Novo que implementou “[...] tendências de expansão da estrutura educacional, que já existiam nas décadas de 20 e 30, impondo a esse crescimento um projeto ordenador único constituído com anuência da Igreja católica”. (Toledo, 2001, p. 236). Autores escolanovistas como Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto, Anísio Teixeira e católicos como Theobaldo Miranda Santos, Everardo Backeuser entre outros, publicaram muitos títulos destinados à formação de professores em um processo de disputas e modelização dos saberes escolares.

As coleções de Santos, situados nesse contexto de disputas, vinham ao encontro da estrutura curricular brasileira, tanto das Leis Orgânicas da denominada Reforma Capanema (Decreto Nº 8.530/1946), iniciada em 1942, como da Lei de Diretrizes e Bases de 1961, para os cursos voltados para o magistério primário. E ainda no contexto curricular dos cursos de pedagogia, estruturados a partir de 1939, pelo Decreto-lei Nº 1.190, com a organização da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil e retificados pela, assim denominada, Reforma Capanema. Portanto, foram suportes fundamentais para formação de inúmeros educadores em meio a uma disputa pela conformação do campo educacional.

Produção e projeto das coleções

A estrutura programática das coleções, bem como dos volumes possuem uma concepção de summa, que sistematizou um conjunto de diversos conteúdos tematizados dentro de uma só área do conhecimento, ou seja, a ciência da educação. Os volumes que compõem a coleção Curso de Psicologia e Pedagogia dos quais quatro deles foram publicados também na coleção Atualidades Pedagógicas, possuem por volta de 300 temas (constituídos em capítulos), aproximadamente 2000 subtemas, dezenas de atividades pedagógicas teóricas e práticas, questionários, temas para discussão, referências de leituras, vocabulário pedagógico com definições, conceitos e biografia sintética de autores descritos no livro.

Na tentativa de construir um mapa das referências que englobam História da educação, Filosofia da Educação, Psicologia, Sociologia, Metodologia, Administração, Pedagogia e Orientações gerais para professores do ensino primário e secundário é que caracterizo a obra de Santos voltada para a formação de professores como uma summa. O autor procura estabelecer relações entre o conhecimento pedagógico, escola, professor e aluno, fechando um círculo que fundamenta a razão da existência da ação educativa e da própria instituição escolar. Os volumes fornecem ao estudante ou professor um instrumento pedagógico e didático que representa toda construção de um modelo de conhecimento e, portanto, seus livros possuem representações de uma concepção de mundo e de educação em uma determinada época. Embora sejam completos, os títulos apresentam uma rede de conhecimentos sintéticos, resumidos e elementares como assinala o próprio autor nos prefácios dos livros.

As coleções dimensionam esses saberes em uma perspectiva voltada para uma pedagogia católica e, por isso mesmo, há uma crítica à Escola Nova nos moldes, por exemplo, de autores como Dewey. Em uma passagem do volume Noções de História da Educação Santos afirma.

O experimentalismo defendido por Dewey é vazio e inconsistente. Nada oferece ao homem para que ele possa resolver seus grandes problemas espirituais. A experimentação científica não vai além da verificação e da legislação dos fenômenos, sendo-lhe de todo impossível traçar normas de ação e regras de conduta. Sua influência sobre o progresso moral do indivíduo e da sociedade é, portanto, nula.

Não menos criticável é o socialismo de Dewey. O homem não é um simples produto da sociedade. Embora a influência do meio social sobre a natureza humana seja ampla e profunda, há em cada indivíduo alguma coisa de característico e de irredutível. Em toda personalidade existe um núcleo espiritual que não é plasmado pela ação do ambiente. Esse núcleo constitui o elemento original e livre da alma humana. É graças a ele que o homem cria, inventa e progride. (Santos. 1965, p. 344).

Percebe-se claramente a posição de Santos em relação a Dewey e a crítica à concepção da ciência que se prima por uma ética que não leva em conta a dimensão de uma espiritualidade e ao não reconhecimento de que existe uma verdade absoluta responsável pelas realizações humanas. Essa verdade para Santos não é contemplada pelas concepções de uma educação pragmática e/ou socialista. A acusação de que o socialismo de Dewey representa, esvazia a verdadeira natureza humana como possuidora de uma espiritualidade e nega qualquer concepção em que coloca a sociedade como elemento fundante do indivíduo enquanto ser que se constrói.

Por outro lado uma nota no mesmo volume, traz um breve texto do Pe. Leonel Franca para reforçar a sua tese.

Se por um lado o pragmatismo teve o merecimento de reagir contra um materialismo estreito e uma psicologia fragmentária chamando a atenção sobre a realidade integral da pessoa, as suas aspirações profundas e o valor dos fatos relativos à sua vida espiritual, por outro incidiu em exageros manifestos e em uniteralismos funestos. (Franca in. Santos. 1965, p. 345).

Por meio do texto, Franca defende que houve exageros no pensamento pragmático, porém reconhece o merecimento de que essa teoria teve uma reação à idéia do materialismo. A busca de construir um projeto pedagógico católico depurado das concepções modernas também aparece em outra citação de Santos, na qual afirma:

[...] o movimento das escolas novas, apesar de sua aparente serenidade, se revestiu, pelo menos em sua fase inicial, dos aspectos de radicalismo, de exaltação e de irracionalidade de todas as revoluções. Mas nem por isso o referido movimento deixou de ser útil e fecundo, não só pelo cabedal de idéias pedagógicas novas e originais que ofereceu, senão também pela justa reação que representou contra formas anacrônicas e estereotipadas de educação. De qualquer modo, entretanto, necessário se torna uma crítica realista e construtiva desse poderoso movimento de renovação educacional, no sentido de por à margem os elementos de exagero, de efetividade e de romantismo que o mesmo apresenta e aproveitar os princípios e as realizações que a experiência e o bom senso consagraram como dignos de serem incorporados, definitivamente ao patrimônio pedagógico universal.

( Santos, 1965, p. 374-375).

Santos reconhece o valor do movimento escolanovista, mas realiza uma crítica denominando-o de irracional. Além disso, faz uma crítica às concepções educacionais tradicionais e/ou anteriores à Escola Nova, denominando-as de anacrônicas e estereotipadas, ou seja, para o autor a Escola Nova levantou questões importantes no campo educacional, porém de forma “radical”.

Nesse sentido, percebe-se coleções que o autor buscava balizar quem eram os pensadores escolanovistas, quais eram suas concepções e o que deveria ser purificado de suas leituras. Essa foi a metodologia definida por Santos no que se refere à materialidade e suporte de leituras dos volumes das coleções.

A estrutura dos textos

Para conseguir chegar a algumas conclusões sobre os autores e títulos mais citados nos volumes da coleção, observei aqueles que se encontram mais presentes no conjunto da obra. Assim sendo, autores como S. Freud e A. Adler estão presentes somente em títulos de psicologia, autores como Everardo Backeuser e Van Acker são praticamente citados em torno de 80% no conjunto das coleções e em obras de psicologia e didática. Alguns autores ligados à Escola Nova como Dewey, estão entre os mais citados no conjunto da coleção.

Aguayo é um autor citado 56 vexes em quatro volumes da coleção (Noções de Prática de ensino, Noções de Psicologia Educacional, Noções de Psicologia Educacional, Noções de Psicologia da aprendizagem). Backheuser, embora não seja muito citado nos volumes, em sua individualidade, aparece em 80% do conjunto das coleções. As escolhas de Santos representaram suas opções teóricas de análise e de discurso sobre a educação e a pedagogia. Backheuser, assim como a de Van Acker, representam uma concepção educacional espiritualista católica na qual os valores humanistas cristãos foram o norte das orientações na formação de professores.

Dewey é o segundo autor mais citado nesses volumes. As referências a Dewey são sempre acompanhadas de uma crítica. Santos o denomina como um autor radical, cujas teses são de cunho socialista, colocando o pragmatismo como fim da educação. Além disso, o pragmatismo de Dewey “suscitou o conceito de educação como simples “reconstrução da experiência”, desligada de quaisquer ideais superiores” (Santos, 1967, p. 80).

Enquanto nas coleções há uma crítica às concepções de autores da Escola Nova como Dewey, constrói-se uma pedagogia católica por meio de autores como Fr. De Houvre e Backheuser que aparecem constantemente nos textos dos volumes das coleções.

Entre os títulos mais citados situam-se:

QUADRO 2 – TÍTULOS MAIS CITADOS

TÍTULO AUTOR

Filosofia da educação de Santo Tomás de Aquino, SP, 1931. Acker, L. V.

Didática da Escola Nova. CEN, 1935

Philosophia da educação. Saraiva, SP, 1937

Pedagogia científica. CEN, SP, 1967

Problemas generales de la Nueva Educación. Havana, 1936 Aguayo, A. M.

A cultura brasileira. SP, 1944

Sociologia educacional. SP, 1940 Azevedo, F.

Manual de pedagogia moderna, Porto alegre, 1942. Backhauser, E.

The psychology of adolescent Brooks, F. D.

Kindheit und Jugend, Leipzig, 1931 Bühler, C

The nature and direction for learning. Appleton-Century, 1929

Introduction to education. NY, 1934 Burton, William

Modern philosophies of education. NY, 1939 Brubacher, J. S.

Psychologie de l’enfant et pédagogie expérimentale, Genebra, 1926

Psicología del niño y psicología experimental, Madrid, 1927

L’education fonctionelle, Genebra, 1931

La psicología y la nueva educación, Madrid, 1933 Claparède, E.

Didática Magna Comenio, J

Histore de la pedagogie. Paris, 1887 Compayré, G.

Comment étudie des adolescents. Paris, 1948

A adolescência. Lisboa, 1950 Debesse, M.

Essai Philosophia Pedagogique. Bruxelas 1922

Lês maîtres de la pedagogie contemporaine, Bruxelas, 1945 De Hovre Fr.

Democracy and education. NY, 1916

Democracia e educação. CEN, SP, 1936

Conduct and experience. NY, 1930

How we think. Boston, 1933 Dewey, J.

Traité de psychogie. Paris, 1934 Dwelghaurers, G.

L’évolution pedagogique en France. Paris, 1938 Durkheim, E.

A crise do mundo moderno. RJ, 1941

Noções de história da filosofia. SP, 1939 Franca, L

Didática o dirección del aprendizagem. Havana, 1943 Gonzáles, D.

La ciencia de la educación. México, 1940

Metodología general de la enseñaza, tomo I, México, 1949 Hernándes, R e Benedi, T.

Begriff der arbeitsschule. Munique, 1926 Kerschensteiner. G.

Humanismo pedagógico. Rio, 1944 Lima, Alceu A.

Introdução ao estudo da Escola Nova. SP, 1930 Lourenço Filho

Para una filosofía de la persona humana. Buenos Aires, 1940 Maritain, J.

História da educação. SP, 1939

Encyclopedia of education. NY, 1925 Monroe P.

La representation du monde chez l’enfant. Paris, 1926

La maissance de l’intelligence chez l’enfant. Paris, 1935

Le langage et la pensée chez l’enfant. Paris, 1923 Piaget, J.

Jugendpsychologie, Leipzig, 1928 Spranger, E.

Psychologie der fruheren Kindheit, Leipzig, 1914

Anfänge derr Reifzeit, Leipzig, 1929 Stern, W


Os títulos citados indicam a dimensão da obra de Santos no que se refere ao projeto pedagógico pretendido pelo autor. Autores da Escola Nova como Dewey, Claparède, Montessori e renovadores brasileiros como Fernando de Azevedo (escolanovista mais citado) e Lourenço Filho representam a existência de uma reflexão sobre a Escola Nova. Contudo, houve também uma escolha de alguns autores escolanovistas e exclusão de outros. Por exemplo, Anísio Teixeira praticamente não aparece na obra. Não encontrei nenhuma obra citada do autor e seu nome só apareceu uma vez no livro Noções de história da educação como um dos atores dos assim denominados escolanovistas.

Ao final do estudo sobre as coleções de autoria de Theobaldo Miranda Santos foi possível perceber que os católicos conseguiram impor um modelo de pedagogia que vingou e sustentou grande parte da formação de professores ao longo das décadas de 1940,1950, 1960 e 1970 e, ainda, está muito presente nos dias atuais. As coleções fundamentaram um projeto político pedagógico que prescrevia um modelo de educação calcado na apropriação da concepção da Escola Nova em um processo de adequação à pedagogia católica: dicotomia entre educação e política, ou seja, a educação é definida como “transmissão da herança social de uma geração para a outra” e nesse processo a escola deve manter-se neutra das ações políticas; concepção do professor como alguém investido de missão e, por isso mesmo, deve ser um exemplo e uma referência social; a atividade do professor não é de natureza política, mas de vocacionado a exercer uma missão; a escolha e a liberdade educativa é da família e a função do Estado é sempre “supletiva e auxiliar.”

O projeto modelar católico contido nas coleções não era algo isolado, mas fazia parte de um projeto eclesial amplo de adaptação do catolicismo ao mundo moderno dentro de um quadro de reestruturação da própria Igreja com o objetivo de modernizar-se, sem perder suas raízes históricas.

FONTES

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_____________. 1967. Noções de didática geral. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

_____________. 1960. Noções de didática especial. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

_____________. 1960. Noções de administração escolar. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

_____________. 1967. Noções de prática de ensino. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

_____________. 1967. Noções de Met do ens. primário. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

_____________. 1958. Manual do professor primário. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

_____________. 1966. Manual do professor secundário. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

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_____________. 1956. Noções de psicologia da criança. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

_____________. 1966. Noções de psic. do adolescente. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

_____________. 1963. Noções de psic. da aprendizagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

_____________. 1964. Manual de filosofia. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

_____________. 1968. Manual de sociologia. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

_____________. 1965. Manual de psicologia. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

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Autor: Orlando Almeida


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