O Poeta Catador de Papelão



Fundo de garantia

 

Eu vou embora

Do teu canteiro

Bem abatido

Sem meu dinheiro

 

Já vem um ano

Que estou sobrando

Com esta grana

Sempre faltando

 

É dura a vida

No meu porquê

Sem ter em casa

O que comer

 

Vou andando

De mão vazia

Também semfundo de garantia

 

Jayme Courel (catador de papel, estudou dois ou três anos, ele não se lembra bem. Gost de escrever. Segundo ele seus versos são músicas... "é o que penso" diz.

A exclusão social, característica marcante da sociedade globalizada, elimina possibilidades e não agrega os grandes valores da existência humana e da vida. Por isso mesmo, tantas vidas desperdiçadas no chão real do cotidiano e no submundo do tráfico de drogas, da prostituição infantil, do trabalho escravo... e da exclusão escolar, seja pela falta de vagas nas escolas ou por meio de um ensino que não consegue despertar a curiosidade do saber.

Contudo, apesar do abandono e da falta de políticas públicas que promovam possibilidades de vida para todos, há uma força ininteligível na alma humana que faz com que muitas pessoas resistam a esse processo excludente da sociedade. É a resistência da esperança. Não da esperança proclamada nos palanques, mas da esperança concreta da vida de milhares de seres humanos que se põem a caminhar, construindo no anonimato uma forma diferente de ver mundo. Entre essas pessoas encontra-se o Jayme Courel que vaga pelas ruas de Mauá - SP catando papelão e quando cansado senta-se à beira de uma calçada eescreve. Aos setenta anos de idade, Jayme Courel, freqüentou apenas os primeiros anos de escola, onde aprendeu as primeiras letras, ou seja, foi alfabetizado. Trabalhou desde que se entende "por gente", diz ele. Mudou-se para Mauá na década de 1950 onde trabalhou em diversas empresas na região do ABC. Seu último emprego com registro em carteira, foi em 1985 e não conseguindo mais se empregar em empresa começou a trabalhar como catador de papelão e de outros apetrechos que consegue em suas andanças. É assim que leva sua vida: empurrando seu pesado carrinho, reflete a vida nos versos que escreve. Estudou apenas dois ou três anos. Os poucos anos deescola forneceu-lhe o aprendizado da formação das palavras e, o saber vivido, o aprendizado do poeta. A educação formal ensinou-lhe a formar algumas palavras, juntando as letras e a educação informal de sua luta pela existência ensinou-lhe a ser poeta. Segundo ele, o que faz é música.

Apesar da falta de escolaridade oficial, a sua forma de resistir foi desenhar no papel as suas aspirações. Dizer aquilo que sufoca, mata e esmaga a alma com o coração de poeta faz a vida renascer e nos ensina que há modos distintos de ver as coisas. Para isso, não precisou da escola.Aprendeu a pensar escutando a si mesmo. Diz as coisas mais duras dos dramas humanos com a suavidade das palavras bem ditas. Não desperdiçou sua existência, apesar de todas as exclusões, e talvez a mais cruel dentre elas foi a falta de oportunidade de freqüentar uma escola. Não a tendo, resistiu e não deixou morrer aquilo que sua alma aspirava: a poesia. No anonimato, sentado pelas calçadas, escreve as letras da vida que a retrata tal como ela é. Essa é a escrita da libertação que o educador Paulo Freire retratou em sua obra. As palavras nos revelam o mundo.

A poesia acima é o retrato da vida de Jayme Courel que , embora excluído detodas as possibilidades, superou a exclusão escolar da qual é vítima. Construiu o seu ser poético na estrada da vida e independente da escola.No anonimato, realiza o que de fato é o novo numa sociedade de espetáculos, em que os donos dos poderes insistem em inovar velhas estruturas, inseridas em um marketing aparente de cores, palavras e símbolos, porém vazio de conteúdo. O novo nem sempre se revela e, por isso mesmo, muitas coisas continuam nas permanências eternas da mediocridade. As letras desenhadas por Jayme são um grande grito para a educação atual que não tem conseguido realizar aquilo que deveria ser o papel da educação formal: educar para pensar e pensar para comunicar a vida em um processo de revelação do novo. O canto poético de Jayme que não teve educação formal integralquestiona e, de fato, educa. Ensina que é possível construir, mesmo nas adversidades.


Autor: Orlando Almeida


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