A Vida Complicada das Pessoas de Minorias Sociais



Uma grande complicação que tem força na sociedade atual, ao menos na sociedade urbana juvenil brasileira, é o tratamento dado pela maioria que compartilha de gostos e estilos de vida "mainstream" para aqueles que não se encaixam no seu modelo de comportamento, ou seja, a categoria que eu chamo de minorias sociais. Não falo de tribos urbanas, como punks, metaleiros e emos, quando me refiro a essas minorias, mas de pessoas que rejeitam o estilo de vida da maioria, dispensando costumes como carnaval e baladas e/ou os estilos musicais majoritários e adotam outros gostos considerados minoritários e relativamente malvistos. Ocorre uma espécie de opressão velada misturada com políticas pessoais de assimilação ad nauseam, impondo uma idéia de que o minoritário precisa e deve mudar seu jeito de vida para se dar bem e ser feliz. E isso, obviamente, é um baita inconveniente em todos os sentidos.

Freqüentemente as pessoas dessas minorias são instruídas a adotarem costumes e gostos que não fazem seu estilo de vida. Para este artigo trago minha experiência de vida, visto que minha existência dentro de uma minoria foi o impulso para eu escrevê-lo. Faço parte de uma complexa minoria social: caseiro, ateu, anticarnavalesco, antialcoólico, vegetariano e averso a estilos vulgarizados como forró, pagode, funk e rock pesado. Sei que, no momento, a probabilidade de você, se é jovem, ter tido uma reação adversa a essas minhas características é de cerca de 80%. Isso porque é muito grande a probabilidade de você leitor ser baladeiro, crente em Deus, amante de carnaval e cerveja, onívoro e eclético - ou então de pertencer a uma tribo urbana semi-organizada (emo, metaleiro, etc.). Com essa provável reação de antipatia, você já começa a reparar na dificuldade de gente como eu de não compartilhar do estilo de vida da maioria. Ou melhor, dos padrões de comportamento dos jovens urbanos não-tribalizados.

Outro sintoma claro dessa adversidade é se eu disser para você que sou um solteiro à persistente procura de uma paquera. A primeira frase que viria à sua cabeça, se eu estivesse contando sobre eventuais tentativas fracassadas de paquera, é: "Vá sair pra algum canto, experimente ir pra um forró (considerando que estou no Nordeste), pra alguma balada, só assim você vai desencalhar, em vez de perder tempo procurando 'mulé' na internet." E nem adianta dizer que onde eu moro não tem o que eu gosto (por exemplo, boates de flashback de anos 80, shows de covers de bandas pós-grunge e encontros de ateus). Aí você já viu como é a perturbada realidade de um minoritário. É o caseiro sendo insistido a ser baladeiro, um anticarnavalesco sendo pressionado a curtir estar enfurnado numa multidão ao som do que ele não gosta, um abstêmio quase tendo a garrafa de cerveja empurrada goela adentro, um amante de frio e férias de campo sendo empurrado para a praia, um amante de música erudita sendo quase forçado a comparecer a um show de forró estilizado... Poucas coisas são mais infernais que essas pressões.

E um sintoma mais óbvio: você achar que este artigo é frescura.

Você pode desconhecer, ignorar ou subestimar, mas há tristes conseqüências nessa forçação de estilos alienígenas ao minoritário. Felizmente pouco sofro dessas conseqüências, mas muita gente se sente muito mal. Entre alguns sintomas da pressão das tentativas de assimilação, estão mal-estar, frustrações retumbantes, baixa auto-estima, conflitos existenciais e, em casos mais radicais, depressão e choque psicológico. Exaustivamente impelida por colegas ou amigos(as) pertencentes à maioria a adotar um estilo de vida estranho e intragável para, segundo eles(as), "começar a ser feliz", a pessoa começa a achar que seu jeito de viver não é bom, é uma forma errada de curtir a vida e deve ser abandonado, o que traz crises de arrependimento e remorso por não ter vivido a vida como a maioria e força-a a adotar um estilo que ela não simpatiza. Em casos de hiato amoroso, a situação fica pior: as pessoas lhe incutem que o único jeito válido de ter alguém é ir para a balada, aturar todas aquelas músicas que lhe causam náuseas, tentar dançá-las e beijar (ou "catar", como dizem mais vulgarmente) jovens nem sempre atraentes, mesmo que tudo isso não lhe dê prazer nenhum. Depois de uma conturbada noite de folia a contragosto, a "vítima", frustrada por não ter conseguido interagir com ninguém, sente-se horrivelmente frustrada e infeliz: enquanto toda aquela gente da balada está contente, bem entretida e enamorada, ela não se conforma com a discrepância de "sorte" entre ela e os "bem-sucedidos". Está decepcionada consigo mesma. Passa a não se aceitar mais como é e vive, tem vergonha de sua personalidade. Sente então um forte desamparo sentimental, uma crise de auto-estima e adquire grandes chances de iniciar uma depressão.

Guinando um pouco o foco mas não fugindo da problemática, convido você a convir: não é por mal que os majoritários tentam fazer o minoritário subverter seu jeito de viver e gostos, apesar de isso ser muito prejudicial como já foi falado. Eles não intencionam fazer mal, fazem o que podem para ajudar a pessoa quando ela sente falta de algo que deixe sua vida mais completa, mas seus métodos estão longe dos adequados. Estão sendo levados pela idéia da (falsa) positividade na imposição do padrão majoritário de comportamento. Daí, levanto essa questão: a base social do comportamento de imposição de padrões de estilos e gostos por tentativa de assimilação, fator já manjado em estudos de psicologia coletiva e ciências sociais. Os jovens vão adquirindo ao longo da vida a idéia de que ser da maioria é o melhor jeito de ser alguém respeitável e não-problemático, com o agravante de que quem adotar um estilo alternativo sofrerá preconceito.

Outro detalhe é que vai sendo incutida em suas cabeças a refutável idéia de que estilos de vida são apenas meras opções, como se pudessem ser livremente escolhidos. É refutável porque digo agora: é muito difícil você realmente escolher a adesão ou rejeição a estilos e gostos. Assim o é porque seu estilo de vida tem quase tudo a ver com sua personalidade, com o eu que você foi montando ao longo da vida. Não é mentira que podemos, no entanto, ajustar alguns pontos e eliminar outros do jeito de viver, mas isso acontece apenas com força psicológica interna livre de pressão assimilatória. Só com um forte baque psicológico ou uma conscientização social é que a pessoa pode abandonar certo estilo (exemplos: deixar de vestir conjuntos pretos por uma grave decepção amorosa ou abandonar o forró estilizado por causa das letras imorais). A despeito disso, certos pontos podem nunca mudar, como ser caseiro, antialcoólico e seletivo em suas amizades. E a maioria da sociedade jovem não entende isso. Por preconceito e falta de empatia, os majoritários tentam converter quem não condiz com seus prazeres. E a mídia também tem sua parcela de culpa: a glorificação da banalização do álcool ao longo dos anos construiu nas pessoas uma tolíssima convicção de que quem não gosta de cerveja, vinho ou cachaça não é apto a curtir de verdade as celebrações sociais.

Somadas a aquisição de idéias distorcidas de como lidar com minorias sociais, a falsa capacidade de escolha de estilos e o preconceito contra outros modos juvenis de vida, as pessoas começam a crer que seu estilo é o melhor e que quem não o adota tem uma vida "mutilada". Daí começam os infelizes esforços de conversão por parte de pessoas próximas, acompanhados de suas tristes conseqüências.

A problemática do mau tratamento social reservado a minorias sociais é algo complexo de se lidar. Sabe-se que é a causa principal da ida de minoritários aos consultórios de psicologia e que dificilmente vai mudar generalizadamente. Seria todavia de bom grado se cada pessoa não-adepta dos gostos da maioria começasse a expressar publicamente, de preferência por escrito, sua insatisfação com a cobrança que as pessoas da maioria mais íntimas fazem. Se uma boa quantidade de caseiros reivindicar seu direito a continuar caseiro, parte dos anticarnavalescos exibirem a razão de seu desgosto convicto para com o carnaval e os abstêmios mostrarem a força de sua rejeição a bebidas alcoólicas, tudo indica que haverá um repensamento nos dogmas culturais que regem a maioria e os minoritários passarão a ser bem mais estimados. Deverão cair por terra as idéias de que a vida das minorias sociais é errada e vazia e que elas têm muito pouco a oferecer às demais pessoas. Então prevalecerá a saudável máxima: descubra-se e aceite-se como você é e será uma pessoa satisfeita com a vida pessoal e social que leva!


Autor: Robson Fernando


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