Seccionando A Lei Da Vivissecção: A Infâmia E Insensatez Da Lei Arouca



A insensatez, o desrespeito à democracia e, acima de tudo, a obsolescência ética venceram. Para alegria de “cientistas” que fariam Carl Sagan morrer de desgosto se ainda estivesse vivo e para desespero de milhares de animais cujas dignidade e liberdade são perpetuamente negadas, o presidente com um não merecido apelido de animal marinho sancionou no último 8 de outubro a famigerada Lei Arouca (11794/08), que regulamenta (a Agência Brasil teve a ousadia de falar em “restringir”) a vivissecção – ou experimentação animal, se você preferir um termo menos complicado – em instituições de educação e pesquisa e tenta, com uma maquiagem tosca que não engana ninguém que entenda de Direitos dos Animais, dar uma roupagem de pacifista a um monstro carrasco. A imagem que certas pessoas estão passando daqui, perante um cenário em que os países mais desenvolvidos lutam para abolir as mesmas experiências que aqui a gentalha quer regulamentar, é a de um país que não consegue – e cujo governo não quer – aderir ao verdadeiro progresso científico e prefere perpetuar a insanidade vestida de bata para economizar o dinheiro que seria investido no desenvolvimento de experiências biológicas alternativas e livres de crueldade. Pois, afinal, é mais econômico explorar, ferir e matar do que seguir uma ciência ética. Visto que a mais nova lei de exploração animal está no ar e vai ser bem complicado derrubá-la em pouco tempo, faço meu esforço em abrir os olhos das pessoas para o mal dela escrevendo aqui dois tipos de comentários sobre essa imundície legislativa: uma análise do ato antidemocrático de aprová-la e a avaliação dos pontos mais importantes dela.

 

É notável que a democracia, incluindo acima de tudo a participação do povo nas decisões governamentais, foi desacordada com clorofórmio durante as discussões e a votação desta lei. Um abaixo-assinado, criado no começo de novembro de 2007 e que solicitava a não-votação do então Projeto de Lei 1153/95 antes de se fazer discussões públicas, em menos de 120 horas havia conseguido mais de cinco mil assinaturas e, até o dia da infeliz sanção, contava mais de 23 mil. Pois bem, foi totalmente ignorado pelo Congresso, onde nenhum parlamentar, ninguém mesmo, se ofereceu para defender a vontade popular, e a aprovação da lei da exploração foi unânime no Senado. Enquanto uma multidão foi ignorada e não teve peso nenhum numa decisão que, por princípio, deveria ser democrática ou no mínimo ter tido a participação de algum político que tenha escolhido representar o povo, a gentalha de cientistas universitários que não se vêem com competência para desenvolver métodos alternativos de pesquisa científica e os lobbies farmacêutico (o qual vai na já citada filosofia de explorar e matar para economizar) e “zoo-nazi-bio-industrial” (fabricantes dos equipamentos que compõem os biotérios e os apetrechos macabros de experimentação animal) foram abraçados com carinho e amparados com a força governamental bastante para levar a Lei Arouca ao êxito sem nenhum obstáculo relevante. O corpo ativista brasileiro de defesa dos animais, ainda fraco em comparação com os do Hemisfério Norte, foi reduzido a nada por um governo que covardemente atentou contra a democracia e a dignidade animal. O parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal foi desrespeitado e os mais de 23 mil cidadãos contrários à vivissecção tiveram seu poder negado em toda a trajetória da transformação do PL 1153/95 na Lei 11794/08.

 

Alguns leigos ou desconhecedores dos verdadeiros Direitos dos Animais podem perguntar: “o que há de tão cruel nessa lei que, pelo visto, quer impedir que haja abusos na experimentação animal acadêmica?”. Respondendo a isso, tenho que dizer que a Lei Arouca é uma tentativa de fantasiar um monstro de humano bonzinho. E escancaro isso numa avaliação de cada detalhe importante da lei, fazendo você ver por que ela fará mais mal que bem e não agrada nem um pouco aos animais. Todos os trechos (artigos, incisos, parágrafos e alíneas) realmente relevantes sob o olhar dos Direitos dos Animais estão presentes e comentados, e a omissão de alguns dos trechos menos relevantes foi orientada por mim a ponto de não distorcer o contexto dos mais notáveis ou omitir informações pertinentes.

 

***

 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:”

 

O presidente é Lula, o mesmo que faz churrasco para qualquer besteira, adoraria ver prosperar a produção de “biodiesel de picanha”, prestigia freak-shows como a Expozebu e, até onde sei, nunca em seus seis anos de governo falou um “Ah” para as questões do bem-estar animal. Provou não ser menos ruim que o FHC que sancionou duas leis regulamentando rodeios e o Geraldo Alckmin que, em 2005, vetou o Código de Proteção aos Animais de São Paulo.

 

 

 

“CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

 

Art. 1o  A criação e a utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, em todo o território nacional, obedece aos critérios estabelecidos nesta Lei.”

 

Aqui a lei mostra que regulamenta a vivissecção para fins de pesquisa científica e didático-acadêmica. Esse detalhe por si não torna a lei mais perversa, mas escancara algo que preocupa muito aqueles brasileiros que realmente amam e valorizam a ciência e seus avanços. Sabendo muito bem o que se passa nas universidades lá da América do Norte e da Europa, leia-se o cerco à vivissecção e o impulsionamento das pesquisas sem animais vivos ou criminosamente mortos, os cientistas daqui vêem o governo federal ir contra essa tendência de conciliar o conhecimento científico com a ética e os direitos dos seres sencientes. Numa comparação um pouco grosseira, é como se, no século 19, Dom Pedro II ditasse como o Geocentrismo deveria ser ensinado nas escolas públicas brasileiras, mesmo sendo o Heliocentrismo comprovado como a explicação correta dos movimentos do Sistema Solar na Europa desde Nicolau Copérnico.

 

“§ 1o  A utilização de animais em atividades educacionais fica restrita a:

I – estabelecimentos de ensino superior;

II – estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica.”

 

A informação que eu disse acima também se aplica aqui.

 

 

 

“§ 2o  São consideradas como atividades de pesquisa científica todas aquelas relacionadas com ciência básica, ciência aplicada, desenvolvimento tecnológico, produção e controle da qualidade de drogas, medicamentos, alimentos, imunobiológicos, instrumentos, ou quaisquer outros testados em animais, conforme definido em regulamento próprio.”

 

Tive a impressão de que os também condenáveis testes in vivo de produtos industrializados, contra os quais o veganismo luta, também parecem estar incluídos – pelo fato de que não estão oficialmente excluídos –, mas, como não recebem nenhuma regulamentação nesta lei e a Administração Pública segue o princípio de “fazer apenas o que for autorizado pela lei”, deduz-se que realmente não entraram na história. Apenas a vivissecção didática e científica é moldada aqui.

 

 

 

“§ 3o  Não são consideradas como atividades de pesquisa as práticas zootécnicas relacionadas à agropecuária.”

 

A imunda pecuária não tem a ver com esta (também imunda) lei.

 

 

 

“Art. 2o  O disposto nesta Lei aplica-se aos animais das espécies classificadas como filo Chordata, subfilo Vertebrata, observada a legislação ambiental.”

 

Uma vez que as vítimas, digo, cobaias comumente usadas são coelhos, cães, chimpanzés, camundongos e porquinhos-da-índia, todos vertebrados, a preocupação dos vivisseccionistas (os carrascos dos animais presos nos biotérios), não houve preocupação em pôr “gente” como insetos e moluscos, (ainda) muito pouco explorados na vivissecção (se é que são em algum lugar do país). Estes não são “amparados” aqui, o que entretanto não significa que estejam fora da lista de animais cientificamente exploráveis e que num futuro o governo queira incluí-los na lista oficial de vítimas legalizadas das experimentações.

 

 

 

“Art. 3o  Para as finalidades desta Lei entende-se por:

I – filo Chordata: animais que possuem, como características exclusivas, ao menos na fase embrionária, a presença de notocorda, fendas branquiais na faringe e tubo nervoso dorsal único;

II – subfilo Vertebrata: animais cordados que têm, como características exclusivas, um encéfalo grande encerrado numa caixa craniana e uma coluna vertebral;”

 

Idem ao que eu disse acima.

 

 

 

“III – experimentos: procedimentos efetuados em animais vivos, visando à elucidação de fenônemos fisiológicos ou patológicos, mediante técnicas específicas e preestabelecidas;”

IV – morte por meios humanitários: a morte de um animal em condições que envolvam, segundo as espécies, um mínimo de sofrimento físico ou mental.”

 

É nessa parte que convido você a pensar no dilema filosófico e ético: é válido continuar recorrendo a, como diz Professor Girafales, métodos “antiquados, obsoletos, selvagens, da Idade Média” quando há alternativas excelentes e seguras que poupam os animais dessa exploração?

 

Sobre a tal “morte humanitária”, é algo que destoa totalmente da eutanásia humana. Enquanto nesta o humano terminalmente enfermo que quer morrer deve escolher se quer uma morte rápida e indolor, na versão animal o bicho não terá esse poder de escolha e será inevitavelmente morto caso apresente alguma ferida ou problema que os vivisseccionistas não quererão tratar ou curar. Afinal, para eles, animais são apenas coisas descartáveis que servem meramente como instrumentos de experiência, ao melhor estilo autômato cartesiano.

 

 

 

“Parágrafo único.  Não se considera experimento:

I – a profilaxia e o tratamento veterinário do animal que deles necessite;

II – o anilhamento, a tatuagem, a marcação ou a aplicação de outro método com finalidade de identificação do animal, desde que cause apenas dor ou aflição momentânea ou dano passageiro;

III – as intervenções não-experimentais relacionadas às práticas agropecuárias.”

 

O inciso II chama mais a atenção. Dor e aflição por pouco tempo e feridas de rápida cicatrização são consideradas toleráveis. Se procedimentos similares em humanos sem pagamento dificilmente são aceitos – e às vezes até comparado com experiências nazistas –, com seres que não podem dizer sim ou não nem cobrar algo isso se torna uma covardia. E a impressão de inclusão dos testes industriais cruéis novamente volta a rondar nossas cabeças, por não ter sido também explicitamente excluída.

 

 

 

“CAPÍTULO II

DO CONSELHO NACIONAL DE CONTROLE DE EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL – CONCEA

 

Art. 4o  Fica criado o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal – CONCEA.”

 

Vamos ver mais abaixo do que se trata. Mas, só de ver a fachada, já pressentimos que não cheira bem, parecendo equivaler a um “Conselho de Controle de Campos de Concentração”.

 

 

 

“Art. 5o  Compete ao CONCEA:

I – formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica;”

 

“Utilização humanitária” é um eufemismo bem bonitinho para um universo de procedimentos regrados cruéis, antiéticos e forçados de exploração animal. Se esse nome convém, regras de experiências nazistas que vedassem a morte e o sofrimento prolongado de cobaias humanas também poderiam ser julgados como favorecedores de uma “utilização humanitária” dos prisioneiros do nazismo.

 

E outro detalhe: desde quando obrigar um animal a passar toda a sua vida numa gaiola miserável de um biotério idem, sem direito à liberdade e à dignidade, sem direito a participar da Natureza, é algo humanitário?

 

 

 

“II – credenciar instituições para criação ou utilização de animais em ensino e pesquisa científica;”

 

Este trecho é pouco relevante para a causa discutida neste texto.

 

 

 

“III – monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa;

IV – estabelecer e rever, periodicamente, as normas para uso e cuidados com animais para ensino e pesquisa, em consonância com as convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário;”

 

Esse inciso III faz-se muito vago e inócuo, uma vez que esta lei não encoraja essa introdução – pelo contrário, ela faz da vivissecção algo mais aprovável pela população leiga e implicitamente torna a pesquisa de alternativas não-cruéis desnecessária e dispensável, introduzindo o pensamento “para que estudar alternativas se a vivissecção já é algo aceito na ética científica brasileira e é mais fácil?”. Vê-se que a presença desse encorajamento “oco” é apenas para “secar o lourenço” e tentar diminuir a imagem negativa da lei (e da experimentação animal) perante os menos dotados de senso crítico. Sem falar que é a única alusão a experimentações alternativas em toda ela. Já o IV desperta uma pergunta: se a tendência internacional é propriamente a erradicação gradual da experimentação animal, que diabos seriam essas tais “convenções internacionais” que ainda a respaldam?

 

 

 

“V – estabelecer e rever, periodicamente, normas técnicas para instalação e funcionamento de centros de criação, de biotérios e de laboratórios de experimentação animal, bem como sobre as condições de trabalho em tais instalações;”

 

Que me desculpem os especistas que não admitem que eu compare seres dotados de sentimentos e personalidade maltratados pelo homem com os humanos atormentados pelo nazismo, mas a Ética dos seres sencientes não torna os primeiros inferiores aos segundos. Então tomo a liberdade de perguntar: o que os judeus e os eslavos achariam se fosse liberada para consulta pública uma resolução nazista ordenando a “revisão periódica das normas técnicas de funcionamento dos campos de concentração”? O que acharíamos hoje de uma lei da época colonial que estabelecesse “normas técnicas para a criação de escravos e a manutenção de navios negreiros”? São idéias como essas que passam pela nossa cabeça quando ouvimos falar de regulamentação técnica para os “presídios de inocentes” que são os biotérios e os centros de criação.

 

 

 

“VI – estabelecer e rever, periodicamente, normas para credenciamento de instituições que criem ou utilizem animais para ensino e pesquisa;”

 

Este trecho é pouco relevante para a causa discutida neste texto.

 

 

 

“VII – manter cadastro atualizado dos procedimentos de ensino e pesquisa realizados ou em andamento no País, assim como dos pesquisadores, a partir de informações remetidas pelas Comissões de Ética no Uso de Animais - CEUAs, de que trata o art. 8o desta Lei;

VIII – apreciar e decidir recursos interpostos contra decisões das CEUAs;”

 

Uma pergunta fácil que um bom entendedor de Direitos dos Animais pensa ao ler este inciso é: que “ética” é essa pela qual essas comissões vão zelar? A “ética” de manter animais em prisão perpétua e violar seus corpos com métodos infames como se fossem bonecos sem consciência?

 

 

 

“IX – elaborar e submeter ao Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, para aprovação, o seu regimento interno;

X – assessorar o Poder Executivo a respeito das atividades de ensino e pesquisa tratadas nesta Lei.”

 

Este trecho é pouco relevante para a causa discutida neste texto.

 

 

 

“Art. 6o  ...”

 

Este trecho é pouco relevante para a causa discutida neste texto.

 

 

 

“Art. 7o  O CONCEA será presidido pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia e integrado por:

I – 1 (um) representante de cada órgão e entidade a seguir indicados:

a) Ministério da Ciência e Tecnologia;

b) Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq;

c) Ministério da Educação;

d) Ministério do Meio Ambiente;

e) Ministério da Saúde;

f) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

g) Conselho de Reitores das Universidades do Brasil – CRUB;

h) Academia Brasileira de Ciências;

i) Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência;

j) Federação das Sociedades de Biologia Experimental;

l) Colégio Brasileiro de Experimentação Animal;

m) Federação Nacional da Indústria Farmacêutica;”

 

Chama uma atenção muito negativa a presença representada de órgãos que deveriam zelar pelo avanço contínuo e progresso incessante da nossa ciência numa entidade encarregada puramente de coordenar métodos há muito considerados cruéis, obsoletos e dispensáveis por muitas das escolas científicas mais respeitadas do planeta. Que troço entidades como o Ministério da Ciência e Tecnologia, o CNPq, a Academia Brasileira de Ciências e a SBPC estão fazendo ao perpetuar aquilo que por eles já deveria ter sido publicamente condenado e descartado no arquivo de procedimentos vencidos do passado? Exagerando um pouco, é como a NASA apoiando o uso perpétuo de gasolina nas naves espaciais.

 

 

 

“II – 2 (dois) representantes das sociedades protetoras de animais legalmente estabelecidas no País.

§ 1o  Nos seus impedimentos, o Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia será substituído, na Presidência do CONCEA, pelo Secretário-Executivo do respectivo Ministério.

§ 2o  O Presidente do CONCEA terá o voto de qualidade.

§ 3o  Os membros do CONCEA não serão remunerados, sendo os serviços por eles prestados considerados, para todos os efeitos, de relevante serviço público.“

 

Este trecho é pouco relevante para a causa discutida neste texto.

 

 

 

“CAPÍTULO III

DAS COMISSÕES DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS – CEUAs”

 

A única parte relevante deste trecho para a vista da nossa causa é esta:

 

“Art. 9o  As CEUAs são integradas por:

............

III – 1 (um) representante de sociedades protetoras de animais legalmente estabelecidas no País, na forma do Regulamento.”

 

Primeira pergunta: onde a grande maioria dos grupos reconhecidos de defensores animais vai se encaixar, já que clama(va)m pela erradicação da experimentação animal em vez de apenas sua “suavização”? Parece piada de mau gosto a imagem mental de um representante do Veddas, do PEA, do Gato Negro, da Tribuna Animal, enfim, de grupos que sempre foram totalmente contrários ao respaldo da vivissecção, participando de uma comissão encarregada de autorizar formas ”suavizadas” de exploração e violação de animais. Essas ONGs não querem suavizar, e sim abolir, esse abuso cartesiano. Segunda pergunta: que tipo de grupo defensor forte vai participar de uma tal “comissão de ética” quando não poderá mais participar dela em proveito da abolição gradual das pesquisas cruéis?

 

A resposta para as duas significa simplesmente o enfraquecimento da ação defensora, seu desarmamento ético, contra a vivissecção.

 

 

 

“CAPÍTULO IV

DAS CONDIÇÕES DE CRIAÇÃO E USO DE ANIMAIS PARA ENSINO E PESQUISA CIENTÍFICA”

 

Chegamos na parte que mais nos interessa. É este capítulo que molda o tratamento do cárcere, das violações corporais e de suas vítimas.

 

 

 

“Art. 11.  Compete ao Ministério da Ciência e Tecnologia licenciar as atividades destinadas à criação de animais, ao ensino e à pesquisa científica de que trata esta Lei.”

 

Repito parcialmente o que disse no artigo 7º da lei. Uma entidade que deveria zelar pelo avanço científico está, ao contrário, pretendendo manter a ciência estagnada na dependência de explorar animais.

 

 

 

“§ 1o (VETADO)

§ 2o (VETADO)

§ 3o (VETADO)”

 

Eu li o conteúdo destes parágrafos vetados (está disponível na página governamental desta lei, no link “Mensagem de veto”) e eles não eram relevantes para a causa discutida neste texto.

 

 

 

“Art. 12.  A criação ou a utilização de animais para pesquisa ficam restritas, exclusivamente, às instituições credenciadas no CONCEA.

 

Art. 13.  Qualquer instituição legalmente estabelecida em território nacional que crie ou utilize animais para ensino e pesquisa deverá requerer credenciamento no CONCEA, para uso de animais, desde que, previamente, crie a CEUA.

§ 1o  A critério da instituição e mediante autorização do CONCEA, é admitida a criação de mais de uma CEUA por instituição.

§ 2o  Na hipótese prevista no § 1o deste artigo, cada CEUA definirá os laboratórios de experimentação animal, biotérios e centros de criação sob seu controle.”

 

Este trecho é pouco relevante para a causa discutida neste texto.

 

 

 

“Art. 14.  O animal só poderá ser submetido às intervenções recomendadas nos protocolos dos experimentos que constituem a pesquisa ou programa de aprendizado quando, antes, durante e após o experimento, receber cuidados especiais, conforme estabelecido pelo CONCEA.”

 

O ponto máximo da Lei Arouca. Esses “cuidados especiais” estão descritos abaixo.

 

 

 

“§ 1o  O animal será submetido a eutanásia, sob estrita obediência às prescrições pertinentes a cada espécie, conforme as diretrizes do Ministério da Ciência e Tecnologia, sempre que, encerrado o experimento ou em qualquer de suas fases, for tecnicamente recomendado aquele procedimento ou quando ocorrer intenso sofrimento.”

 

Primeiro, concluímos que experiências mortais estão liberadas. O animal terá sua morte imposta dependendo do ato didático exercido, durante ou depois dele. E segundo, a lei reconhece que certos experimentos poderão causar intenso sofrimento para a cobaia e nesses casos pouco ou nada poderá fazer para poupá-la da desgraça pré-final e final. Vemos com clareza a subtração do direito do bicho à vida. Se a Lei Arouca pretendia se autodesenhar como uma medida suavizante da tormenta imposta aos animais, já está caracterizado o seu fracasso.

 

 

 

“§ 2o  Excepcionalmente, quando os animais utilizados em experiências ou demonstrações não forem submetidos a eutanásia, poderão sair do biotério após a intervenção, ouvida a respectiva CEUA quanto aos critérios vigentes de segurança, desde que destinados a pessoas idôneas ou entidades protetoras de animais devidamente legalizadas, que por eles queiram responsabilizar-se.”

 

Ignorando as mais que constantes alegações dos abrigos de animais de que pouco têm de espaço para mais bichos sofridos ou nem os têm mais, a infame lei quer piorar mais ainda a situação deles, lhes trazer mais problemas do que já têm, superlotando-as, empurrando animais onde há muito não há mais vagas. Quanto às “pessoas idôneas”, há o agravante de que muito poucas pessoas despertam interesse em cuidar de uma população crescente de ex-cobaias descartadas. Considerando que a maioria da população trata animais como propriedades dotadas de preço e vida útil – descartáveis quando a doença ou a velhice chegam – e ridiculamente ínfima é a minoritária contraparte que tem disposição e condições financeiras e estruturais de acumular em sua casa vitimas desse Holocausto animal científico, soa extremamente infantil achar que toda a demanda de animais explorados e periodicamente descartados vai encontrar tutores e abrigos de braços abertos em tempo hábil e que a universidade não precisará mais cuidar de seu “rejeito vivo”. É fora de propósito pensar que um aluno, professor ou funcionário universitário (ou mesmo um grupo), que já tem muito de seu tempo comprometido com estudo e/ou trabalho, irá se dispor a acolher e cuidar religiosamente de cinco, mais cinco, mais seis, mais dez, mais oito, mais e mais animais que sua instituição explora, fere e descarta semanalmente. E olhe que até o momento pensei mais nos camundongos e porquinhos-da-índia, que em grandes quantidades são muito difíceis de ser zelosamente cuidados. Imagine a insolúvel desgraça quando a situação é com cães, coelhos e primatas.

 

Esse parágrafo reflete uma atitude previsível vindo desse governo. Por que um Estado que não está nem aí para sua responsabilidade nem sobre presídios humanos superlotados pensaria em acolher pequenos seres inocentes diariamente descartados pelos laboratórios acadêmicos de experimentação animal? Se nem detentos humanos valem muita coisa para esse governo, imagine coelhos, camundongos, porquinhos-da-índia e outros. Esses não são absolutamente nada além de instrumentos descartáveis de experiência. A ordem é “Toma que nosso ‘rejeito’ agora é de vocês, seus zoo-chatos desocupados!”.

 

 

 

“§ 3o  Sempre que possível, as práticas de ensino deverão ser fotografadas, filmadas ou gravadas, de forma a permitir sua reprodução para ilustração de práticas futuras, evitando-se a repetição desnecessária de procedimentos didáticos com animais.”

 

Fazer registro permanente de uma aula de experiências in vivo para não ter que repeti-la parece uma idéia razoável, mas tem a implicação de que de qualquer jeito haverá um dano, com animais feridos ou mortos, vidas irreversivelmente arruinadas. O mais recomendável, e ético, seria o desenvolvimento ou importação de técnicas didáticas que dispensem totalmente ora a crueldade presencial ora a eternizada em mídia. Mas o que é isso para um governo que sanciona uma lei que na prática faz essa atitude soar desnecessária e dispensável?

 

 

 

“§ 4o  O número de animais a serem utilizados para a execução de um projeto e o tempo de duração de cada experimento será o mínimo indispensável para produzir o resultado conclusivo, poupando-se, ao máximo, o animal de sofrimento.”

 

Chama atenção a parte “poupando-se, ao máximo, o animal de sofrimento”. A lei está reconhecendo que SEMPRE haverá, por menor que pareça, um quociente de sofrimento, um revés, uma implicação negativa no animal, que não poderão ser erradicados, mas sim apenas minimizados “ao máximo”. Você também pensou no abate “humanitário”, em que, por mais métodos que se use para tentar prover uma morte indolor aos bichos condenados ao matadouro, sempre há um sofrimento prévio por causa dos sentimentos de medo, terror e desespero nos animais – além da degola, no caso dos bovinos e porcos, requerer sempre um animal ainda vivo – e a probabilidade de algum estar consciente ao perder o seu sangue?

 

 

 

“§ 5o  Experimentos que possam causar dor ou angústia desenvolver-se-ão sob sedação, analgesia ou anestesia adequadas.

§ 6o  Experimentos cujo objetivo seja o estudo dos processos relacionados à dor e à angústia exigem autorização específica da CEUA, em obediência a normas estabelecidas pelo CONCEA.

§ 7o  É vedado o uso de bloqueadores neuromusculares ou de relaxantes musculares em substituição a substâncias sedativas, analgésicas ou anestésicas.”

 

Que bonitinho, a lei reconhece que os animais são passíveis de sentir dor e angústia... Parabéns, campeã. Agora falta reconhecer que eles também têm o direito à dignidade, à integridade, à liberdade e à vida naturalmente guiada.

 

Uma pergunta: você gostaria de ser cobaia não-paga contra sua vontade, mesmo sendo dopado(a) com anestesia ou sedativo? Se você não quereria de jeito nenhum ser raptado(a) por um OVNI e operado(a) por vivissecção anestesiada, é meio caminho andado para você entender por que, mesmo garantindo sedação, a vivissecção é cruel e antiética (a outra metade é entender que os animais não-humanos também têm consciência, e sentem desgosto e temor, de que estão prestes a ser violados contra sua vontade).

 

 

 

“§ 8o  É vedada a reutilização do mesmo animal depois de alcançado o objetivo principal do projeto de pesquisa.”

 

Suavização insuficiente da crueldade da vivissecção. Apenas uma minoria de experiências de pesquisa trata de apenas fazer incisões leves e indolores num animal. A grande maioria faz mesmo invasões médias ou graves nele. Muitas vezes, como diz o próximo parágrafo da lei, traumáticas. O “natural” termina sendo o empurra do animal vivo, como já mostrado, para pessoas que dificilmente poderão acolhê-lo.

 

 

 

“§ 9o  Em programa de ensino, sempre que forem empregados procedimentos traumáticos, vários procedimentos poderão ser realizados num mesmo animal, desde que todos sejam executados durante a vigência de um único anestésico e que o animal seja sacrificado antes de recobrar a consciência.”

 

Repito tudo aquilo que disse sobre experiências mortais serem liberadas por esta lei infame.

 

 

 

“§ 10.  Para a realização de trabalhos de criação e experimentação de animais em sistemas fechados, serão consideradas as condições e normas de segurança recomendadas pelos organismos internacionais aos quais o Brasil se vincula.”

 

“Sistemas fechados”, eufemismo de cárceres de seres inocentes, incluindo os abomináveis biotérios. E transcrevo, com uma modificação, uma pergunta feita por mim mais acima: se a tendência internacional é propriamente a erradicação gradual da experimentação animal, que diabos seriam esses tais “organismos internacionais” que ainda querem regulamentar algo que atualmente está sendo deixado de lado aos poucos?

 

 

 

“Art. 15.  O CONCEA, levando em conta a relação entre o nível de sofrimento para o animal e os resultados práticos que se esperam obter, poderá restringir ou proibir experimentos que importem em elevado grau de agressão.”

 

Detalhe: a restrição ou proibição de experiências abrange apenas as de grau elevado de agressão. Tudo aquilo que de certa forma agride o animal, desde que esteja abaixo desse nível que sequer é delimitado, não corre perigo de ser vedado por esse Conselho Nacional da Exploração Animal.

 

 

 

“Art. 16.  Todo projeto de pesquisa científica ou atividade de ensino será supervisionado por profissional de nível superior, graduado ou pós-graduado na área biomédica, vinculado a entidade de ensino ou pesquisa credenciada pelo CONCEA.”

 

Isso implicará o respeito aos Direitos dos Animais? Eles estarão mais livres, se sentirão melhor? A resposta é um sonoro não.

 

 

 

“CAPÍTULO V

DAS PENALIDADES”

 

Esta parte trata, como diz o nome, das penalidades para as instituições que passarem do “limite”. Não é suficientemente relevante para ser detalhada aqui, mas abre uma verdade: os centros de vivissecção estão livres para atentar contra a dignidade, a liberdade, o bem-estar e até a vida dos animais encarcerados, desde que sigam algumas regras que na prática não garantem aos bichos uma situação melhor de vida – pelo contrário, faz de seu miserável estado algo a ser aceito, aprovado e tolerado pela sociedade.

 

 

 

“CAPÍTULO VI

DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS”

 

Aqui pouco há de relevante fora comentar brevemente sobre a revogação da lei 6638/79:

 

“Art. 27.  Revoga-se a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979.”

 

Era uma lei que estabelecia vagos e indeterminados critérios sobre a vivissecção. Como todo bom defensor dos animais, reitero que o melhor a ser feito teria sido a revogação dela para substituição por uma unidade legislativa que proibisse terminantemente experiências que explorassem bichos e tornasse imperativa a busca de alternativas e o fomento ao progresso de alternativas livres de crueldade no menor prazo possível.

 

***

 

Analisando criticamente a Lei Arouca, dá para perceber que ela, para dizer o mínimo, fracassa retumbantemente na tentativa de dar à experimentação animal uma roupagem ética e torná-la tolerável aos olhos dos defensores dos Direitos dos Animais. Também nunca é impertinente repetir que sua aprovação quase unânime no Congresso e sanção praticamente íntegra, além de ter flagrantemente violado vários princípios da Democracia e um dos valores máximos da Constituição Federal – o não-desprezo do poder do povo nas decisões políticas –, foi um notável movimento de contramão do Brasil perante a realidade daqueles países desenvolvidos que historicamente nosso país quase sempre tentou e tenta copiar e imitar. O que pensar do governo de uma nação o qual preferiu regulamentar algo obsoleto, violento e há muito desnecessário a criar esforços de aboli-lo fora que é cientificamente obtuso, incompetente e incapaz e é adepto da filosofia de “explorar e matar para economizar”?

 

Com o atordoamento generalizado dos ativistas dos Direitos dos Animais e sua indignação ainda efervescente no momento (primeira metade de outubro de 2008), pouco ainda há de planos para derrubar essa lei em curto ou médio prazo. Mas sugiro que tentemos aquietar a fervura de nossa mente e pensar numa forma de jogar a opinião pública contra a antiética exploração de animais em laboratórios científicos. Fazê-lo, a meu ver, é uma das únicas formas de pressionar o governo a retirar da nossa legislação no mais breve possível a infâmia chamada Lei Arouca e forçá-lo a respeitar quem merece ser respeitado: os animais aprisionados, cujas dignidade e vida livre são perpetuamente negadas por cientistas intelectualmente estagnados, e a população cuja opinião, expressa num extenso abaixo-assinado, foi ultrajada e desprezada.

 

 

 

Texto integral da lei 11794/08: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11794.htm


Autor: Robson Fernando


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