Um Pouco De Empatia Pelos Explorados E Brutalizados



Artigo também intitulado Uma vida normal sustentada em exploração, morte e destruição nos bastidores II

Dia de chuva. Como perdi o guarda-chuva antigo, compraram para mim um novo, com direito a botão de abrir. Quando vi a etiqueta, a decepção... "Made in China". Veio a mim uma amargura, uma empatia de sofrimento, e uma duradoura reflexão a um assunto que já abordei antes: a "alma" de exploração e sofrimento brutais que compõe cada objeto importado da China, cada pedaço de carne servido em restaurantes e supermercados, cada litro de leite ou vendido nos mais diversos lugares, cada artefato de couro, cada utensílio doméstico cujos ingredientes foram testados em animais, cada outro produto que tenha origem na exploração cruel e negação de direito de tantas vidas sensíveis, enfim, cada bem de consumo que faz a vida corriqueira de um consumidor comum. É uma situação que ninguém deveria admitir mas é usufruída a toda hora com todo um sórdido prazer contido no ato de economizar e curtir paladares agradáveis.

A cada produto em que eu vejo a inscrição "Made in China", passam em minha cabeça imagens, flashes ora com chineses trabalhando como autênticos escravos em fileiras de mesas de produção numa fábrica qualquer daquele país, ora com pequenos protestos de trabalhadores exaustos querendo um pouco de descanso sucedidos por muitas pauladas pela polícia e prisão daqueles que só queriam um mínimo de direitos, ora com tentativas de reunião associativa, de um número maior de trabalhadores ávidos por tratamento trabalhista digno ou de membros de uma etnia minoritária que quer ter sua autonomia cultural reconhecida, reprimida com parte dos manifestantes espancada a gosto e parte presa ou assassinada pelo aparelho repressor do governo chinês. A cada saco de leite ou de iogurte ou bloco de queijo que trazem para casa, vejo em pensamento dezenas de vacas, depois de terem visto seus bezerrinhos covardemente roubados e aprisionados para virar vitela e de terem recebido injeções de hormônio, tendo suas mamas submetidas a uma forte sucção por monstrengos maquinários de ordenha que lhe causam uma constante dor. A cada pedaço de carne que comem perto de mim, imagens ainda piores: matadouros repletos de terror, sangue, gritos, e demonstrações óbvias de desespero que os humanos ainda insistem em não compreender como irradiações de uma desgraça abominável que é o assassinato em série de vidas sencientes inocentes. Sem falar nas cenas de cadáveres de bichos esfolados pendurados por ganchos que nenhum onívoro consegue ter a empatia de associar a um humano também esfolado - imagino na hora o pensamento dessas pessoas: quando é um cadáver humano trucidado, é coisa para filme de splatter ou caso para pena de morte quando o assassino é capturado, mas quando são bois ou porcos mortos... ah, "tudo bem", é normal, é rotina da indústria pecuária. A cada produto de marcas grandes que por motivos de bom senso não vou citar que gente próxima a mim ainda insiste em comprar e usar sem o mínimo de preocupação ou remorso - e que, oprimido pela falta de dinheiro e de opções ao mesmo tempo éticas e funcionais no mercado local, eu ainda tenho que usar com pesar e sentimento de quase-culpa -, vêm as imagens do vídeo "Não Matarás": brutais e cruéis testes desses badalados produtos infligem graves ferimentos e seqüelas em coelhos, ratos e cães que, aliás, nasceram "predestinados" para o fim de serem brutalizados pela exploração vinda do lado malignamente anacrônico da ciência e da indústria.

Depois desses devaneios éticos pelos quais passei, convido você a um exercício de empatia e reflexão. Você se sentiria feliz se, em algum momento de sua vida, fosse alçado à burguesia de um país que utiliza mão-de-obra escrava em suas indústrias e fazendas? Iria se ver bem ao notar que o dinheiro que sustenta sua vida de quase-socialite e os produtos badalados e sofisticados que utiliza diariamente vêm da exploração de um sem-número de trabalhadores escravos que não têm direito a sequer dormir oito horas?

Não, né? Ok. Agora pense que está vivendo num país em que há duas classes de produtos. A primeira metade destes é vendida a preço de banana, todos dizem que vale a pena comprar para economizar bastante no final, é uma beleza de pechincha. Em compensação, a mão-de-obra por trás desses objetos é escrava e superexplorada a ponto de que sequer podem dormir oito horas ou ter direito às três refeições diárias e quem protesta tem como "opções" a cadeia, o cassetete ou as balas de um rifle. Já a segunda metade custa o dobro do preço da primeira classe, mas é notável que os operários que os fabricam são sindicalizados e têm seus direitos trabalhistas garantidos por lei e respeitados, exceto em alguns casos que demandam uma ou outra greve. Se você vivesse nesse país, que metade escolheria?

Eita, é mesmo! Sinto em dizer que você JÁ ESTÁ vivendo nesse país. E a primeira classe de produtos citada é trazida, adivinhe... da China!

Mudando para os animais, mais um exercício de empatia, agora interespecífica (entre espécies). O que você acharia de um país que cria humanos em campos de concentração onde os garotos e rapazes são confinados e submetidos a intensas aplicações de hormônios do crescimento para serem mortos aos 16 anos para fornecimento de carne, pele, gelatina e outros produtos mais e as garotas são submetidas a injeções de estrógeno e engravidadas com inseminação artificial para, depois de ter seus bebês roubados e tornados "homovitela", fornecer leite materno para agroindústrias? E como você veria, na hipótese de o Terceiro Reich ter durado até hoje, suas grandes indústrias testando seus produtos à força em pessoas de etnias condenadas pelo nazismo, infligindo ferimentos graves, queimaduras e cegueiras? Evidentemente você vê essas hipóteses como absurdos abomináveis e totalmente indesejados e dá "graças a Deus" que não sejam reais. Mas, já que essa brutalidade é com bichos em vez de humanos, você nutre o pensamento de que "não há o que se preocupar".

Reunindo tudo, dou continuidade à minha reflexão e me lembro da "estatística" trazida pelo Professor Girafales, de Chaves: a cada vez que você respira, morre um chinês. Pensando um pouco, faço uma remixagem: a cada produto dessa nacionalidade que você compra, morre a esperança de um trabalhador de lá por um futuro decente. E retomando os animais, viro o Girafales da vez para te mostrar: você sabia que, a cada vez que você respira, mil bichos morrem (e com muito sofrimento) para virar carne de humanos no Brasil?

Com tudo isso, eu retomo o pensamento de que a vida do consumidor comum tem um bastidor extremamente mais cruel do que ele pensa. Antes de eu novamente tentar convocar as pessoas para o boicote contra produtos chineses e o banimento do consumo de carne, leite e outros alimentos cruéis, penso que deveria haver um legítimo despertar de empatia nelas. Só assim elas vão perceber que comprar um guarda-chuva importado da China é tão cruel quanto comprar açúcar de uma fazenda de trabalho escravo e comer carne e tomar leite remetem a brutalidades que, variando apenas a espécie, nada devem aos regimes dos campos de concentração de humanos, e então vão enfim entender aquilo que pregamos persistentemente e elas preferem ignorar como se estivesse tudo bem. Como se comprar algo vindo de mão-de-obra semi-escrava e refém de uma ditadura ou extraído dos cadáveres de seres submetidos a muito sofrimento, assassinados e brutalizados fossem as coisas mais normais do mundo. Então, com essa empatia, que sinceramente não sei ainda como vai ser despertada em massa como tanto desejamos, verão que economizar a todo custo e degustar uma suculência nem sempre são as coisas mais corretas a se fazer. Ao contrário, são atos de que, por sua natureza de bastidores, se deveria fugir como se foge de um tsunami ou de uma veloz corrente de lava.


Autor: Robson Fernando


Artigos Relacionados


Na Hora Certa, No Momento Exato

Progresso

Para AlguÉm Que EstÁ SÓ

O Ciclo Do Nitrogênio E A Camada De Ozônio

Resumo Histórico Sobre Os Médicos Sem Fronteiras

Lembranças

Bons Motivos Para Sua Empresa Ter Um Site