Pedágio



CENTRO UNIVERSITÁRIO JORGE AMADO

PEDÁGIO

Artigo realizado na disciplina Projeto de Pesquisa sob a supervisão do docente Milton Bernardes.

Salvador
2007

1 INTRODUÇÃO

As respostas ao questionamento acerca da natureza jurídica do pedágio revelam-se sobremodo controversas, seja qual for o enfoque ou os aspectos analisados. Embora a Constituição Federal afigure-se exaustiva ao tratar de determinados temas, paradoxalmente revelou-se ambígua no que guarda pertinência com o pedágio, acarretando, via de conseqüência, interpretações doutrinárias e jurisprudenciais divergentes.

O conceito de tributo nos é ofertado pela legislação infraconstitucional, especificamente o Código Tributário Nacional, cujo art. 3° se transcreve ipsi literis: "Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

A CF não aborda o pedágio especificamente como tributo, contribuindo para acirrar ainda mais a polêmica derredor do instituto. Trata do pedágio no art. 150, inciso V, e tão só para excepcioná-Io, na medida em que o deixa fora do alcance das regras restritivas impostas ao limite do poder de tributar, no que guarda pertinência ao tráfego de pessoas ou bens interestaduais e intermunicipais.

A corrente majoritária dos Tribunais Superiores, inclina-se favoravelmente à inclusão do pedágio no gênero tributo, espécie taxa, tendo inclusive o Supremo Tribunal Federal se posicionado desta forma em inúmeros julgados. Por outra vertente, a doutrina exibe-se fragmentada em diversos posicionamentos.

Contudo, para uma corrente minoritária de doutrinadores tributários, o pedágio não se enquadra no conceito fornecido pelo CTN, sendo incabível a sua caracterização como tributo. Procurou-se, então, defini-lo como espécie diversa de tributo, mais adequadamente como preço público.

Ante o exposto, como se conceituar o pedágio dentro do sistema jurídico brasileiro respeitando os limites impostos constitucionalmente?

O pedágio consiste numa prestação, devida pelo sujeito que se utiliza de uma via pública mantida por empresa particular por conta de uma concessão ou permissão dada pelo Ente Público, para a exploração e conservação desta via. Seria uma espécie de receita com a finalidade de custear os gastos de obras públicas para a manutenção dessas rodovias, obras estas efetuadas por particulares. Observa-se a possibilidade de se delegar os serviços que a princípio caberiam ao Poder Público executar e que passam a ser prestados pelo setor privado.

De fato, a questão se põe em definir a natureza jurídica do pedágio, enquadrando-o em um conceito de tributo, e posteriormente em uma de suas espécies, ou um conceito de tarifa, sendo desta forma derivado do Direito Privado.

Ainda que através de um conceito preliminar, simples e rudimentar de pedágio, percebe-se o quão distinto este se apresenta do conceito de taxa subtraído da própria Constituição Federal por meio de seu art.145, 11 (exercício do poder de polícia ou utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis prestados ou postos à disposição do contribuinte).

Necessário se faz, todavia, o oferecimento de uma via alternativa, o que torna a figura do pedágio ainda mais incompatível com a característica impositiva, compulsória da taxa (por se tratar exatamente de um tributo). O pedágio apresenta-­se mais como uma espécie contratual onde impera a facultatividade, parte do universo do direito financeiro e não do tributário.

­Já o conceito de tarifa molda-se melhor às características do pedágio, pois este se aproxima mais de uma idéia de preço público, na qual o pedágio melhor se identifica. O preço público se caracteriza por ser um valor devido pelo usuário de bem ou serviço, em decorrência da exploração econômica, pelo particular, deste bem, através de concessão pelo Ente Público. Por observação deste singelo conceito, percebe-se facilmente o enquadramento do pedágio nessa espécie, que, frise-se, não é tributo.

Para atingir o objetivo de conceituar a natureza jurídica do instituto, o trabalho pretende conceituar tecnicamente o termo "pedágio" e fazer uma breve abordagem da sua utilização prática no Brasil, de forma a compreender melhor o instituto; individualizar os conceitos de taxa e tarifa; analisar doutrinas e jurisprudências bem como textos legais a fim de demonstrar a natureza jurídica do instituto em tela; confrontar os aspectos do pedágio com o conceito de taxa; comparar os argumentos das diversas posições doutrinárias acerca do tema e enquadrar o instituto do pedágio no conceito de tarifa, determinando, assim, a sua natureza jurídica.

O presente trabalho visa definir a natureza jurídica do pedágio, de modo a submetê-lo a tratamento jurídico condizente com a peculiaridade da sua essência, com repercussões quanto à forma, condições e legitimidade de sua cobrança.

A escolha do tema resultou de discussões em aula que levaram a um estudo através de pesquisas sobre o assunto, sendo verificada a grande variedade de posicionamentos doutrinários e jurisprudências, não se tendo ainda chegado a um consenso acerca da questão.

O estudo, corporificado neste projeto, tem por escopo reunir os posicionamentos controversos sobre o instituto, fazer uma abordagem analítica e objetiva através de pesquisas em doutrinas e posicionamentos jurisprudenciais, bem como cotejar diversos conceitos que contribuirão para a definição da natureza jurídica do pedágio.

Faz-se necessário perquirir acerca da essência da sua natureza jurídica, tendo em vista a sua crescente cobrança em todo o território nacional. A tendência dos tempos modernos é deslocar da competência do Estado a manutenção das rodovias e delegá-las a concessionárias que irão desempenhar esse papel explorando economicamente as vias, de forma a mantê-las através do pedágio. Desta forma, é necessário conceber um entendimento jurídico acerca da natureza jurídica do instituto para que não se venha a sofrer abusos ou a praticar irregularidades no momento de sua cobrança, bem como para se conhecer os mecanismos de defesa cabíveis contra eventuais ilegalidades.

­

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Para se obter a natureza jurídica do pedágio, é mister definir e delimitar seu conceito, que nos dizeres de Berti (2006) pode ser estabelecido como concessões relativas à Administração, que transfere a responsabilidade pela manutenção das estradas aos particulares, ante a falta de recursos públicos para custear tais encargos. Ou seja, constitui-se no fato de o Poder Público transferir à iniciativa privada o encargo de executar obras e serviços para a conservação de rodovias. No entanto, a dificuldade maior não reside em se conceituar, mas em extrair desse conceito a sua natureza jurídica.

A discussão gira em tomo de se definir o pedágio como tributo, sendo, no caso, da espécie taxa, ou espécie autônoma de tributo, ou ainda instituto diverso do âmbito do direito público, mais precisamente tarifa. Para se visualizar de forma ampla o assunto, possibilitando um melhor entendimento, é imprescindível também a conceituação dos institutos aos quais se afirma pertencer a figura do pedágio.

O conceito de tributo é expresso no art. 3° do Código Tributário Nacional como toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou valor que dela se possa exprimir, não podendo constituir sanção por ato ilícito, sempre instituído por lei e cobrado de maneira vinculada pela Administração. De maneira vinculada, vale dizer, significa que o Ente Público estará sempre adstrito à lei para efetuar cobrança de tributo. Este preceito está em consonância com o princípio da legalidade que rege os atos da Administração Pública.

O entendimento de se tratar o pedágio de um tributo se baseia na redação conferida pela Constituição Federal, que, ao tratar de tributos em capítulo específico, menciona o pedágio, mas tão somente como uma exceção à limitação do poder de tributar do Estado. Mas a questão apresenta-se mais complicada do que esta simples menção ao pedágio em capítulo próprio para tratar de tributo. No entanto, frente à complexidade da questão, tal argumento por si só mostra-se frágil, pois, utilizando-se de analogia proveniente do Direito Processual Civil, Câmara (2005), diz que a colocação do instituto num determinado capítulo de um compêndio legal é incapaz de determinar a natureza jurídica do mesmo. Seguindo o mesmo pensamento, Berti (2006), afirma que o fato da norma estar ou não localizada dentro do Sistema Tributário Nacional não tem o condão de lhe conferir a natureza jurídica.

Ademais, o conceito do instituto não está presente explicitamente na Constituição Federal, ou no Código Tributário Nacional e nem mesmo em qualquer outro diploma legal, pois, de acordo com Verli (2005), não cabe à lei conceituar institutos, sendo este o papel da doutrina. No entanto, segue este posicionamento o Supremo Tribunal Federal, que, por meio de seu julgado, RE 181475 I RS, entende que o fato de ter sido o pedágio tratado no sistema tributário nacional, exatamente nas limitações ao poder de tributar - CF art. 150, V - é significativo, pois, incluído numa ressalva a uma limitação de tributar, se fosse preço a ressalva não teria sentido. Se a Constituição tratou de limitações à tributação, não haveria sentido em impor uma limitação a um preço (tarifa), que tem caráter contratual, assim incluído no regime de direito privado.

Quando se trata de especificar taxa, espécie tributária, a doutrina faz uso dos conceitos tributários de hipótese de incidência e fato gerador. Hipótese de incidência consiste na descrição legal do tributo e fato gerador é a ocorrência no mundo dos fatos de um ato praticado pelo administrado que fará incidir a norma tributária. Ou, nos dizeres de Ataliba (2006) a lei descreve hipoteticamente um fato, que caso ocorra, resultará na obrigação de pagar tributo.

Este fato gerador pode ocorrer de duas maneiras, quando o próprio contribuinte, por atuação sua, provoca o fato gerador, que, adequando-se à hipótese de incidência, resultará na tributação devida, quando recebem o nome de tributos não vinculados, ou no caso de o fato gerador ser provocado por uma atuação estatal, pondo à disposição do contribuinte um serviço público, específico e divisível ou poder de polícia efetivo.

­Por serviço público especifico e divisível, entende se tratar daqueles em que pode ser identificada, quantificada, a porção que cada contribuinte utilizou (BALEEIRO, 1993), e cuja utilização seja efetiva ou potencial, de forma direta e vinculada ao contribuinte. Neste último caso, convencionou a doutrina chamá-lo de tributos vinculados.

Ainda de acordo com Verli (2005), as taxas são conceituadas como tributos vinculados, cuja hipótese de incidência é a utilização efetiva, ou a disponibilidade em potencial do serviço público e divisível ou pela provocação do poder de polícia.

A taxa pertence a este grupo de tributos vinculados, pois sempre se utilizará este instituto para tributar uma ação do Estado posta em face do administrado, que poderá ser um serviço público, específico e divisível, como posto anteriormente, ou efetivado mediante o poder de polícia. (JANCZESKI, 2005).

Desta forma, conceitua-se taxa como o tributo cujo fato gerador é provocado diretamente pela Administração Pública fazendo incidir a hipótese tributária. Ou seja, o fato gerador não é provocado pelo administrado, mas pela Administração.

Vale frisar que faz parte da natureza das taxas, como tributo que são, a característica da vinculação e prestação direta pelo próprio Poder Público ao contribuinte, bem como a sua regência pelo direito público implica na estrita observância dos princípios que regem o Sistema Constitucional Tributário.

Pode-se perceber, ante o exposto, que existem duas hipóteses de incidência nas quais a taxa poderá se personificar. A primeira hipótese de incidência consiste em o Poder Público prestar serviço público, específico e divisível, enquanto que na segunda, esta se personifica pelo exercício do poder de polícia. A corrente que aceita o pedágio como um tributo, espécie taxa, apega-se ao fundamento de que o pedágio corresponderia à primeira hipótese de incidência, a da prestação de um serviço público pela Administração.

O que os adeptos desta tese querem dizer é que o pedágio constitui um serviço posto em disponibilidade pelo Poder Público ao contribuinte do tributo, sendo, portanto, devido o seu pagamento pelos administrados. Desta forma, o pedágio seria configurado como taxa, já que possuiria corpo de serviço público oferecido pelo Estado em benefício dos administrados.

Seguindo esta vertente, Baleeiro (1993) mostra que o pedágio pertence à espécie tributária de taxas, justamente por ter características que se adequam aos requisitos de divisibilidade e especificidade, cujo serviço público se concretiza com a prestação pela Administração do oferecimento de vias públicas conservadas.

Outros doutrinadores acreditam que o pedágio tenha natureza jurídica de tributo, mas não coadunam com a opinião de ser da espécie taxa, mas sim uma espécie sui generis de tributo. Isto porque, de acordo com Amaro (1997), apesar do fundamento da exigência do pedágio ser análogo ao das taxas de serviço ou de polícia e da contribuição de melhoria, ou seja, a atuação estatal referida a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos deve ser financiada por tributos, a hipótese de incidência do pedágio não é compatível com a das taxas. Uma configuraria a utilização do bem público e a outra a disponibilização do serviço público. Para tanto, se enquadraria o pedágio no conceito de tributo, com natureza jurídica de taxa de utilização, embora esta modalidade de tributo não tenha assento na Constituição Federal ou leis infraconstitucionais como deve acontecer com todos os tributos.

O que se verifica contra este fundamento é a observância da hipótese de incidência do pedágio. Este consiste, segundo Janczeski (2004) na utilização da via conservada, e não a mera disponibilidade do serviço como mencionado linhas acima pela doutrina. Se o que faz gerar a cobrança do pedágio é a utilização da via pública conservada, esta hipótese de incidência não se enquadra na hipótese de incidência das taxas, que é a prestação do serviço público. Porque a hipótese de incidência das taxas é sempre uma atuação estatal. (ATALIBA, 2006).

Na realidade, não é o fato gerador do pedágio uma atuação do Estado de disponibilizar o serviço ao particular, mas a utilização do bem público pelo particular (BERTI, 2006). Vale dizer, o fato gerador é provocado não pelo Ente Público, como prescrito para as taxas, mas pelo contribuinte ao voluntariamente fazer uso não de um serviço, mas de um bem conservado.

Ademais, a hipótese de incidência das taxas, anteriormente explicitada, estabelece uma atuação direta do Poder Público para a prestação do serviço, ou a sua disponibilização, o que não se verifica com o pedágio, que necessita da utilização pelo particular para fazer incidir a cobrança.

­Outras inconsistências estão presentes no argumento, como o fato de o pedágio não se tratar de um serviço público, como se aufere do conceito dado linhas acima, mas consiste numa exploração pelo particular a partir de uma concessão dada pela Administração de um bem público.

Seguindo este pensamento, Berti (2006) acredita tratar-se de empresas privadas concessionárias, que são responsabilizadas pela conservação das estradas sem que haja qualquer participação do capital público. Sendo, desta forma, o particular responsável pela manutenção das vias, e não a Administração, de modo que não procede o argumento de se tratar de tributo por conta da preservação e conservação de vias públicas, como afirma Baleeiro (1998).

­Outro fator que se verifica é o fato de o pedágio ser cobrado pelo particular através da concessão, e não pela Administração de forma direta e vinculada, como se extrai do conceito de tributo já mencionado, sendo, portanto, toda a renda auferida pela sua cobrança revertida àquele. Não poderia se caracterizar um tributo cujo valor fosse devido a um particular explorador da atividade sem o repasse ao Poder Público. Se o pedágio é pago à concessionária da estrada, que foi escolhida mediante licitação prévia, não há como se admitir que o pagamento se dê em benefício do Fisco, não é a Administração Pública, direta ou indireta, quem faz a cobrança vinculada do valor devido (BERTI, 2006).

Ademais, foi frisado anteriormente que o que caracteriza a cobrança de um tributo são os princípios norteadores do Sistema Tributário Nacional. Está a Administração adstrita a certas regras para proceder com a arrecadação dos tributos, que caso não sejam observadas, acarretam inevitavelmente na nulidade da cobrança (MACHADO, 1993).

Em decorrência do princípio da estrita legalidade, só serão devidos os tributos que tiverem previsão legal, mais precisamente os criados através de Lei Complementar. Vale dizer, se o tributo não encontra previsão legal, se não há lei que o tenha instituído, ele não existe no plano jurídico do ordenamento tributário nacional, sendo a sua cobrança a título de tributo indevida. (COÊLHO, 1993)

­Por força do princípio da vinculação que rege os atos da Administração Pública, esta se encontra adstrita a fazer apenas o que a lei permite, lhe sendo vedados quaisquer atos que impliquem em disposição, seja de bens, seja de deveres, ou em que se verifique discricionariedade por parte do agente administrativo. (MELLO, 2000)

Analisando o que foi dito, percebe-se que a Administração não possui disposição ou discricionariedade nas suas ações, devendo sempre observar o estabelecido na lei, procurando estar em conformidade com os limites por ela impostos. Desta forma, opera-se inconcebível o Ente Público poder dispor de um dever seu estabelecido em sede constitucional, e delegá-lo ao particular. Isto é o que se percebe quando da análise da tese acerca da natureza jurídica do pedágio como tributo. Se o poder de tributar é conferido ao Poder Público pela própria Constituição Federal em seu art. 145, sendo esta uma prerrogativa indelegável, não poderia ser transmitida a título de concessão ou permissão o poder de arrecadar o pedágio a um particular.

Neste sentido, Savaris (2004) argumenta que se for levado em conta que o pedágio possui natureza jurídica de tributo, então a cobrança deste pelo particular constitui grave atentado à ordem jurídica e aos princípios norteadores do direito público, pois se estaria conferindo ao particular a prerrogativa de tributar, própria e específica da Administração.

O pedágio, como foi conceituado linhas acima, é a concessão do bem de domínio público para que o particular o conserve, auferindo rendas que se destinam à própria manutenção quando deste bem se utiliza o contribuinte. A partir deste conceito não se pode admitir que o pedágio possua caráter tributável, pois isto consistiria em atentar contra os princípios constitucionais do ordenamento jurídico.

Em se tratando de preço público, é pacificado o entendimento de se tratar de um instituto do direito privado, pois decorrente de um acordo de vontades entre a Administração e o setor privado, diferentemente do que acontece com as taxas que são impostas por força de lei. É devido em decorrência da aquisição ou exploração de bens públicos, feitos através de concessão ou permissão, que gera uma contraprestação pecuniária devida em benefício do explorador do bem e tem caráter de contraprestação (JANCZESKI, 2005).

A Administração Pública cede o uso ou exploração do bem a determinado particular, que ficará responsável pela sua manutenção, auferindo uma renda para executar as atividades de conservação necessárias, através da cobrança de um valor devido. Esta prestação devida pelo usuário do bem conservado recebe o nome de preço público.

A denominação do próprio instituto revela a sua natureza, é preço, pois consiste em valor devido à título de utilização do bem. O valor arrecadado é revertido ao particular concessionário, por isso mesmo, não possui o nome de receita, utilizado apenas quando o beneficiário da prestação é o Fisco, mostrando desde já a compatibilidade da natureza do instituto com o direito privado. É ainda denominado público, pois referente a uma prestação que é devida em decorrência da exploração de um bem da Administração, mesmo que a título de concessão ou permissão, o bem é de domínio público. (SAVARIS, 2004)

­Desta forma, podem-se destacar facilmente as inúmeras diferenças existentes entre taxas e preços públicos. Verli (2005) aponta o cerne diferencial entre os dois institutos, sendo o custeio de serviços públicos fundamentais prestados diretamente pelo Estado remunerado por taxas e quando se trate de serviços públicos (não essenciais ao interesse público por ser alvo de delegação pela Administração Pública) prestados indiretamente pelo Estado via concessão ou permissão. Os preços públicos correspondem à exploração do patrimônio dominial do Estado pelo particular concessionário, enquanto que as taxas se originam de ato do Poder Público. (BALEEIRO, 1993)

Em verdade, várias são as distinções que se verificam entre taxas e preços públicos. A taxa, por ser espécie tributária, somente poderá ser aplicada nos limites constitucionais a ela impostos, como por exemplo, o princípio da legalidade, que estabelece a necessidade de lei anterior que criou a taxa para se possibilitar a sua cobrança e o princípio da vinculação discorrido linhas acima. Uma vez criada a taxa por lei, caso ocorra um fato gerador que se adeque à sua hipótese de incidência, a tributação será obrigatória. Por outro lado, os preços públicos, posto que regidos pelo direito privado, gozam de facultatividade nas relações entre as partes, que manifestam sua vontade através de um acordo bilateral de concessão ou permissão.

Neste sentido, ensina Ataliba (2006) que juridicamente as taxas e preços públicos são inconfundíveis, não havendo, inclusive, como o legislador converter uma em outra, posto que são reciprocamente excludentes. Quando a atuação estatal se desenvolve em regime de direito público, sua provocação não é a vontade das partes, mas a imposição legal. Em decorrência do afirmado, caso nasça uma obrigação, esta não terá caráter de contraprestação, que só se verifica em obrigações recíprocas e entre particulares. Decorrendo a obrigação de lei, essa terá caráter impositivo, coercitivo, pois não nasce do acordo de vontade entre as partes. (SAVARIS, 2004) O serviço público se caracteriza pelo regime jurídico próprio do direito administrativo, cujo princípio basilar é o da indisponibilidade do interesse público, contrário a liberdade contratual que rege o direito privado.

Alguns autores, como Verli (2005) preferem fazer uma distinção entre as denominações de preço público e de tarifa, sendo este gênero do qual aquele é espécie. Neste sentido, coaduna da mesma opinião Mello (2000) quando estabelece que as tarifas têm identidade própria, sendo uma remuneração paga pelos usuários por serviços públicos prestados mediante contrato de concessão ou permissão, consonante com o art. 175 da Constituição Federal, quando não é o Estado quem efetua a cobrança. Entretanto, esta distinção permeia uma minoria de autores, sendo quase consenso a identificação de igualdade entre estes institutos.

No que concerne à natureza jurídica do pedágio, Coêlho (1993) prefere considerar cabível a sua cobrança como taxa ou ainda como preço público, dependendo do regime jurídico que venha a ser adotado para instituí-lo e cobrá-lo e da atividade estatal que se refira à sua cobrança. Mas isso não implica em dizer que a utilização de um ou de outro dependerá da mera vontade do administrador, pois como já foi visto, está vedada a atuação discricionária por parte do Poder Público.

Portanto, a aplicação de um ou de outro instituto deveria observar o regime jurídico próprio para a sua instituição, e não à prerrogativa do legislador, pelo contrário, face a característica das taxas como sendo de direito público, sua utilização estará adstrita aos mandamento legais. No caso de se optar pela cobrança através do preço público, esta se reconhece com a possibilidade de particulares efetivarem obras públicas e a partir desta perceberem uma contraprestação devida na forma do pedágio.

Por outro lado, Verli (2005) entende não haver empecilhos quanto ao enquadramento do pedágio no gênero de preço público, pois, sendo este uma ­obrigação decorrente da utilização de vias públicas, onde a receita visa o custeio das mesmas, sua cobrança se faz por particulares concessionários, cuja verba arrecadada é em favor destes convertida. No entanto, também se posiciona no sentido de poder se aplicar ao pedágio a cobrança por meio de taxas, onde se faz imprescindível a observância do regime a ser aplicado para não acarretar em ilegalidades.

Para Berti (2006), pedágio não pode ter corpo de taxa (espécie de tributo), pois em se tratando de bens da Administração Pública, esta não possui a prerrogativa de disposição dos seus bens dominiais, imprescindível quando se fala na arrecadação por meio de tarifa, permeia nos atos da Administração a prioridade do interesse público, sendo, portanto incabível a disposição dos mesmos. O preço seria decorrente de uma prestação contratual livremente pactuada entre as partes, e sendo o serviço público regulado por lei, vinculado e obrigatório, caracterizar-se-ia incompatível com a disposição própria do acordo de vontades.

Importante entendimento que se pode abstrair das análises feitas é a impossibilidade de delegação, concessão ou permissão aos particulares ou a qualquer pessoa jurídica de direito privado que seja, pela Administração Pública, de serviços essenciais que somente elas tenham competência para gerenciar, entre elas, o poder de tributar. É por este motivo que uma vertente doutrinária do direito tributário se inclina no sentido de conferir ao instituto jurídico do pedágio a natureza de preço público.

Este posicionamento é corroborado por Berti (2006), que assim se coloca, pois, como dito anteriormente, os valores correspondentes ao pedágio são pagos pelos usuários da rodovia diretamente à empresa concessionária, cuja personalidade é de direito privado. Sendo empresa concessionária, presta serviço público através da transferência da competência para sua execução de acordo com regime jurídico próprio, que estabelece por lei autorizadora, um procedimento licitatório e contrato de concessão, vale dizer, um contrato regido pelo sistema jurídico de direito privado.

É tarifa a natureza jurídica do pedágio, justamente por se tratar de um preço público pago à pessoa jurídica de direito privado responsável pela execução dos diversos serviços inerentes à conservação da estrada.

Pedágio não é um tributo, mas um preço público, pois devido como contra prestação financeira pela utilização de bens pertencentes a órgãos estatais, destinado a remunerar as despesas do concessionário com a manutenção e conservação de toda a via.

Não pode ser corporificado como taxa, posto que quando se analisa os conceitos de ambos os institutos, fica clara a incompatibilidade entre eles existente. O pedágio é recolhido pela empresa de direito privado, vencedora de procedimento licitatório administrativo, que explora esta atividade a título de concessão ou permissão e cuja renda auferida da cobrança é destinada a esta empresa para a manutenção das vias conservadas.

Vale dizer que a responsabilidade pela manutenção da via é transferida mediante concessão ao particular pelo Ente Público. Em se tratando de concessão ou permissão ao particular pelo Poder Público, não se pode considerar o serviço cedido como uma atividade essencial do Estado, pois isto acarretaria em flagrante inconstitucionalidade, como se percebe a partir da leitura do art. 175 da Carta Magna.

Em decorrência da própria redação da Constituição Federal, em seu art. 145, extrai-se o entendimento de se tratar o poder de tributação como atividade essencial do Estado, podendo ser instituído e cobrado apenas por pessoas integrantes do Poder Público, vale dizer, apenas pela Administração Direta, que compreende os Estados, Municípios, Distrito Federal e a União. Não pode ser delegada a prestação do serviço por força constitucional.

Por ser este serviço indelegável, precisando ser efetivado necessariamente pelo Poder Público, ele se reveste de toda uma roupagem característica do direito público.

Primeiramente, esse serviço será regido pelos princípios próprios que norteiam toda a atividade pública. O princípio da legalidade impede que a Administração aja com discricionariedade, ou seja, só lhe é permitido fazer o que a lei determina e por estrita observância a esta. Em segundo lugar, não cabe à Administração dispor de seus bens em face da primazia do interesse público. Deste modo, as atividades essenciais deverão ser efetivadas pela Administração, sendo impossível a sua delegação.

No entanto, revela-se impossível abordar o pedágio sem tocar no seu conceito de atividade efetivada pelo particular em concessão do Ente Público. Desta forma, observa-se a incompatibilidade do pedágio com o regime de direito público que permeia as atividades essenciais da Administração.

Opedágio é regido inegavelmente pelas regras do direito privado, permeado pelo acordo e disposição de vontades das partes contratantes. A própria concessão é espécie de contrato administrativo feito mediante prévio processo licitatório de se transferir ao particular a utilização de bem ou exploração de serviço público moldado no direito privado (MELLO, 2000)

Por sua vez os tributos são atividades vinculadas à atuação do Poder Público, jamais podendo ser regidas por preceitos de direito privado, o que descaracterizaria toda a sua natureza, sem contar na afronta constitucional que isto implicaria. É incompatível a cobrança do tributo pelo particular concessionário guiando-se por regras privadas.

Por isso, não se pode admitir o pedágio sequer como uma espécie de tributo, quiçá enquadrá-l em uma de suas espécies, em especial a taxa. Ao contrário, o conceito do pedágio caminha no mesmo sentido do conceito de preço público, como institutos de natureza privada, sendo o preço público devido a título de remuneração quando o particular concessionário presta o serviço público ou explora a atividade estatal.

O preço público pago a titulo de pedágio será fruído pelo particular, inclusive para a conservação da via de sua responsabilidade. Assim está configurada a natureza jurídica do pedágio, como um preço público devido por conta da exploração da via pública e sua manutenção a cargo do particular concessionário por força da permissão concedida pela Administração.

3 METODOLOGIA

Para a elaboração do trabalho a ser apresentado, optou-se pela adoção do método de abordagem dedutivo e analítico, fazendo uma construção teórica a partir do pensamento de diversos autores que tratam sobre o tema e utilizando-se de conceitos erigidos pela doutrina e provenientes de dispositivos de lei para se obter uma abordagem da questão de forma critica e fundamentada. Através da análise de premissas gerais de conceitos doutrinários e jurisprudenciais, procurou-se chegar a uma premissa delimitada, qual seja, o objeto da problemática do trabalho.

Por outro lado, o método procedimental escolhido foi o jurídico-descritivo, com o objetivo de se fazer um apanhado de opiniões doutrinárias e entendimentos variados dos Tribunais Superiores, analisando seus pontos de convergência e divergência, de forma a descrever estes diversos posicionamentos contrários e coadunar com um deles.

Para se chegar a um entendimento acerca do tema e responder a problemática de forma satisfatória procurou-se utilizar pesquisas de jurisprudências e Tribunais Superiores e doutrinadores do direito tributário, por meio de livros, artigos de internet e periódicos, fundamentos que corroborem com o posicionamento adotado, fazendo uma contraposição com as opiniões divergentes.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7.ed. Atualização: Mizabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

BERTI, Flávio de Azambuja. Pedágio: natureza jurídica. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2006.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil vol.3. 8 ed. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2005.

COÊlHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários 'a Constituição de 1998: sistema tributário. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

JANCZESKI, Célio Armando. Taxas: Doutrina e Jurisprudência. 3.ed. Curitiba: Juruá, 2005.

MEllO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

SAVARIS, José Antônio. Pedágio: pressupostos jurídicos. Curitiba: Juruá, 2004.

TORRES, Ricardo lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.

VERLI, Fabiano. Taxas e Preços Públicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

5 BIBLIOGRAFIA

­ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

­ATALlBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

­BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7.ed. Atualização: Mizabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

BERTI, Flávio de Azambuja. Pedágio: natureza jurídica. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2006.

­CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil vol.3. 8 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

­COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários 'a Constituição de 1998: sistema tributário. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

JANCZESKI, Célio Armando. Taxas: Doutrina e Jurisprudência. 3.ed. Curitiba: Juruá, 2005.

­MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

PIRES, Adilson Rodrigues. Síntese Doutrinária das Taxas no Direito Tributário Brasileiro. In: REZENDE, Condorcet (organizador). Estudos Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

SAVARIS, José Antônio. Pedágio: pressupostos juridicos. Curitiba: Juruá, 2004.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.

­VERLI, Fabiano. Taxas e Preços Públicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.


Autor: Indira Shiva Reis Muricy


Artigos Relacionados


A Inadimplência E A Suspensão Do Fornecimento De Energia Elétrica

As Pontuais Mudanças Trazidas Pela Lei 11.689/08 = Júri

A Posição De Parte No Processo Penal - Parte (no Sentido) Formal E Parte (no Sentido) Material - Qual é A Posição Do Ministério Público?

Estabilidade Do Servidor Público

Desapropriação Da Propriedade

A TerceirizaÇÃo Da CobranÇa Da DÍvida Ativa Do MunicÍpio

Resumo Histórico Sobre Os Médicos Sem Fronteiras