Interrogatório 'on-line' no Processo Penal. Evolução ou Inconstitucionalidade?



INTRODUÇÃO:

As novidades e transformações têm sido evidenciadas no Processo Penal Brasileiro nesse início do Século XXI.Tencionando dar ao processo conotação objetivae voltado à observação dos Direitos e Garantias Fundamentais intrínsecos à via instrumental dos direitos,a lei estadual do Estado de São Paulo 11.819/2005 versou sobre a possibilidade da utilização de aparelhos eletrônicos para realização de interrogatório à distância. Isso criou polêmica,quanto à inconstitucionalidade dessa lei que,apesar de embasar-se em princípios importantespara a maior eficiência do processo, contraria bases principiológicas constitucionais visto que,por meio dos modos de execução do interrogatório,outros Diretos Fundamentaisdo réu,como a Ampla Defesa e o Contraditório, assegurados ao réu pela Constituição Federal de 1988 seriam feridos.A Dignidade da Pessoa Humana no Processo Penal,tão enfatizada na seara penal,seria marginalizada,pois não haveria para o réu, a possibilidade de estar no mesmo espaço físico e ser ouvido diretamente pelo próprio julgador.

Cabe ser analisado,portanto,uma importante questão: seria o interrogatório feito por meio de videoconferência uma notável evolução do Processo Penal Brasileiro apresentando-nos a feição futurística do processo, no qual a celeridade e a consecução do objetivo finalístico do processo estariam sendo priorizados?Ou tal dispositivo legal que permite esse procedimento seria inconstitucional por ter sido posto em detrimento de princípios clássicos da Constituição Federal brasileira?E a humanização do Direito Processual Penal ,buscada de forma veemente pelos processualistas,estaria sendo olvidada?Essa lei estaria detalhadamente regulamentada de forma à ser posta em execução de acordo com os ditames do Código de Processo Penal?Seria da competência legislativa do Estado de São Paulo legislar sobre matéria processual penal como o fez?E,por último, mas não menos importante, quais seriam os efeitos processuais caso decida-se pela inconstitucionalidade dessa lei?São questões importantes e que merecem a devida atenção no estudo a ser desenvolvido.

DESENVOLVIMENTO:

As tendências da informatização do Direito é perceptível.O Processo Penal tem sido objeto disso.O interrogatório por meio de videoconferência é previsto pela lei estadual de São Paulo .A lei número 11.819/2005 no seu artigo primeiro cita: "Art. 1º. Nos procedimentos judiciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos, poderão ser utilizados aparelhos de videoconferência, com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual, observadas as garantias constitucionais".Vemos pelo dispositivo em questão que há a intenção do legislador em privilegiar expressamente o principio da celeridade e da economia dos atos processuais reiterando atenção ao inciso LXXVIII do artigo quinto da Lei Maior,que assegura a razoável duração do processo emeios que garantam a celeridade de sua tramitação.Ao permitir a videoconferência,estar-se-ia admitindo que tal ato processual acontecesse em um contexto no qualréu ;defensore juiz não estariam no mesmo lugar .O método alternativo procedimental em questão surge em um momento em que a eficiência do Poder Judiciário é incisivamente contestada .O que se vê é a morosidade na consecução do provimento de um direito e o grande volume de processos quese acumula e cresce exponencialmente.De modo que essa lei seria meio de o Processo Penal adaptar-se à realidade fática do Máquina Judiciária brasileira.

Há críticas a esse tipo de método interrogativo de duas naturezas:de natureza material, ou seja, a provável violação de outros princípios constitucionais garantidos ao réu e a outra natureza formal,que se reporta à possível incompetência legal de um Estado-Membro da federação legislar sobre matéria uniforme, como o procedimento penal e a extrema limitação formal da lei não dispondo sobre imprescindíveis detalhes no transcorrer do ato proposto.

A crítica formal ao interrogatório à distância é a falta evidente de uma regulamentação adequada e além da questão mais séria que seria a possível incompetência legislativa do Estado de São Paulo em relação à matéria sobre a qual versa a lei 11.819/2005.Onde ficam os autos processuais?Como pode o defensor ficar ao lado do réu e do juiz ao mesmo tempo?Existe uma feição negativamente restrita e concisa sem delimitar o modus operandi do ato com o uso desse meio anticonvencional implicando em dificuldades na viabilização prática.A matéria de Direito Processual Penal deve ser posta por lei federal, visto que é óbvia a necessidade de uma uniformização de matéria processual que deve transcorrer emuniformidade em todo o país.Portanto não seria de competência do Estado-Membro legislar sobre essa matéria.O que, pelos defensores da constitucionalidade dessa lei, é questionado é o fato de que a lei trataria apenas de questão procedimental e para isso o Estado-Membro teria competência para legislar de forma concorrente com a União,segundo o artigo 24 inciso XI da Constituição.Parece ser evidente que a polêmicada videoconferência em interrogatório,não estaria adstrita ao campo procedimental, mas,sim, adentraria ao campo mais complexo do processo em si.Questão de diferenciação conceitual que,no entanto,não será aprofundada no estudo em questão.

Quanto ao ponto de vista substancial dessa lei há outras críticas a serem feitas:iniciando pelo artigo quinto da CF inciso LV: "Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa,com os meios e recursos a ela inerentes",em ato processual inicial imprescindível à defesa do réu(o interrogatório), a impossibilidade de o juiz estar frente ao acusado é notavelmenteum desrespeito aos princípios já citados. Ao permitir a videoconferência,estar-se-ia admitindo que tal ato processual acontecesse em um contexto no qualréu ;defensorejuiz não estariam no mesmo lugar .Fato que gera uma série de importantes conseqüências jurídicas:Levando em conta que o principio do contraditório pode ser tomado pelo binômio participação e ciência da marcha processual, vê-se que o réu não teria as mesmas condições da outra parte processual, pois a presença física é diferencial nesse caso, o interrogatório que em tese é artifício de defesa do réu perderia substancialmente esse teor.Como confiar a um aparato eletrônico a ponte fundamental de comunicação entre juiz e réu?Existea mitigação de alguns princípios processuais constitucionais,constituindo um prejuízo à defesa.O processo que tem um interrogatório operado dessa forma deve ser passivo de nulidade pelas razões anteriormente citadas.Nesse sentido, a segunda turma do Supremo Tribunal Federal, tendo como relator o Ministro César Peluso,se pronunciou da seguinte forma,eis a ementa:

AÇÃO PENAL. Ato processual. Interrogatório. Realização mediante videoconferência. Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico. Ofensa a cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias do local de realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citação do réu preso, apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no dia do interrogatório. Forma do ato determinada sem motivação alguma. Nulidade processual caracterizada. HC concedido para renovação do processo desde o interrogatório, inclusive. Inteligência dos arts. 5º, LIV, LV, LVII, XXXVII e LIII, da CF, e 792, caput e § 2º, 403, 2ª parte, 185, caput e § 2º, 192, § único, 193, 188, todos do CPP. Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu.

Dessa forma, é plausível afirmar que apesar de o interrogatório por meios videoconferenciais ser, de fato, algo que daria maior celeridade ao Processo Penal, mais praticidade e eficiência ao seu objetivo que é a busca pela justiça; deve-se ter em vistaque princípios constitucionais que devem ter eficácia máxima são suprimidos por esse meio de interrogar o réu, além do que a validade do processo legislativo(competência dessa lei) é passível de discussão,podendo inclusive, segundo voz do STF, sero processo nulo. Com base nesses argumentos,conclui-se que o interrogatório é fundamental ao processo,por isso, durante seu andamento é mister buscar margeá-lo de todas as garantias e direitos dado ao réu, sem poupar-lhe ou suprimi-lhe nada do que seja constitucionalmente garantido.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

ARAS, Vladimir. Videoconferência no Processo. Boletim Científico da

Escola Superior do Ministério Público da União. Brasília, ano 4, n. 5,

p. 173-195, 191-192, abril-junho 2005.

CINTRA JR., Dyrceu Aguiar Dias. Interrogatório por Videoconferência e

Devido Processo Legal. Revista Direito e Política. São Paulo, v. 5, p.

97-100, abr.-jun. 2005, p. 99.

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos.

São Paulo: Saraiva, 1999, p. 75.

NUCCI, Guilherme de Souza. O Valor da Confissão no Processo Penal. 2.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 234-235.

WEISS, Carlos. Manifestação do Conselheiro Referente à Realização de

Interrogatório On-line para Presos Perigosos. Boletim do Instituto

Brasileiro de Ciências Criminais. São Pulo, ano 10, n. 120, p. 4-5,

novembro 2002, p-5.


Autor: Alex Santiago


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