A Crítica Sellarsiana ao Empirismo e ao Racionalismo



RESUMO

Com o presente artigo buscamos expor a crítica que Wilfrid Sellars faz ao racionalismo e ao empirismo acerca da origem do conhecimento. Para o desenvolvimento desta tarefa recorremos a alguns nomes do cenário filosófico principalmente àqueles compreendidos a partir do século XVI, particularmente (Locke, Bacon, Descartes, Hume e Kant). Num primeiro momento procuramos apresentar de forma sintética as contribuições que estes trouxeram no tocante à investigação do conhecimento humano. Num segundo momento apresentamos algumas idéias do pensamento sellarsiano para a partir daí desenvolvermos a crítica que ele delineia as referidas correntes de pensamento sobretudo expressa em Empirisme et philosophie de l'esprit . Por fim, cônscios da amplitude desta problemática que hora nos propomos a desenvolver apresentamos nossos argumentos e conclusões relativas ao tema em discussão.

Palavras chaves: Conhecimento – Empirismo – Racionalismo - Sellars

ABSTRACT

With this article sought to explain criticism that Wilfrid Sellars is the rationalism and empiricism about the origin of knowledge. For the development of this task we use the names of some philosophical scenario mainly included those from the sixteenth century, particularly (Locke, Bacon, Descartes, Kant and Hume). Initially seeking to give a summary of the contributions they have regarding the investigation of human knowledge. In a second time presenting some ideas of thought sellarsiano from there to develop the criticism that the outlines these particular schools of thought expressed in Empirisme et philosophie de l'esprit. Finally, the magnitude of the problem cônscioswhat time we propose to develop present our arguments and conclusions on the topic under discussion


Key words: Knowledge - Empirismo - Rationalism - Sellars

A CRÍTICA SELLARSIANA AO EMPIRISMO E AO RACIONALISMO

Jair Pinheiro dos Santos[1]

Certamente àqueles que se dedicam ao estudo das obras de Wilfrid Sellars encontram em (Empirisme et philosophie de l´esprit) uma boa noção do intrigante pensamento do referido autor; texto esse que o coloca como um dos mais influentes pensadores no campo da investigação acerca da filosofia da mente.

Apesar da linguagem difícil e obscura empregada por Sellars na elaboração da obra citada, a utilizaremos como aporte teórico para apresentar a crítica sellarsiana ao racionalismo e ao empirismo através do que ele mesmo denominou como: "mito do dado".

Para desenvolvermos este trabalho seguiremos o seguinte percurso: primeiro faremos uma breve apresentação das correntes: racionalismo e empirismo; e em seguida, a partir das idéias expostas no texto já mencionado buscaremos identificar a crítica que Sellars faz às referidas correntes de pensamento.

Destarte, contextualizamos esta primeira parte de nossa pesquisa a partir do século XVI (marcado por profundas transformações no campo do conhecimento), visto que os pensadores deste período irão exercer fortes influências na investigação filosófica posterior.

Nosso intuito aqui, reconhecendo o espaço e nossas limitações é apresentar uma visão geral do pensamento acerca do conhecimento compreendido no período citado acima; para a partir daí apresentar a crítica tecida por Sellars a estas duas correntes de pensamento.

Mais uma vez ressaltamos que não pretendemos fazer uma abordagem histórica da filosofia, mas, sobretudo, este percurso que optamos por fazer é justamente o de buscar a fundamentação científica coerente para a análise do tema proposto inicialmente.

É necessário que não percamos de vista as grandes transformações ocorridas durante o século XVI. Era preciso encontrar o "caminho seguro" em meio a tantas descobertas. É neste contexto que surge as duas grandes correntes. Se por um lado, emerge o racionalismo moderno que tem em Descartes seu expoente por excelência, o qual busca na razão os recursos necessários para a recuperação da certeza científica. Por outro surge a perspectiva empirista proposta por Francis Bacon, que preconizava uma ciência sustentada pela observação e pela experimentação.

Temos então agora dois caminhos diferentes para a busca do conhecimento. Qual deles é o mais seguro? Correto? Verdadeiro? Não queremos enveredar nossa pesquisa por esta discussão, quem sabe numa outra oportunidade. Mas, podemos ainda questionar será que cada uma destas formas de pensamento, isoladamente alcança seu objetivo de formular um método, ou seja, um "caminho seguro" acerca do conhecimento?

Passemos agora a uma breve exposição da tese racionalista acerca do conhecimento. Antes, reafirmamos que etimologicamente este termo deriva-se do latim (ratio). Os racionaliatas defendem que "a razão tem precedência sobre outras maneiras de adquirir conhecimento, ou mais radicalmente que ela é o único caminho para o conhecimento" [2].

Certamente podemos afirmar que Descartes inaugura este período, onde a razão recebe o estatus de "rainha" da sabedoria. Para o referido pensador, constitui-se como principal enfoque metodológico que só é verdadeiro o que é evidente. "Comprazia-me, sobretudo com os matemáticos, por causa da certeza e da evidência de suas razões" [3].

Ele usava a dúvida como um processo metódico, isto é, uma estratégia para distinguir o conhecimento verdadeiro do falso. Também verificava que algo resistia a dúvida, e que esse algo era a existência do eu pensante (o cogito), sendo essa uma verdade tão certa que nem os mais céticos conseguiam duvidar. Ele conclui que com base na indubitabilidade do cogito, que encontrara uma verdade absoluta e podia tomá -la como o primeiro princípio da sua filosofia. Como se pode ver esta descoberta foi feita por via racional, pela atividade da reflexão humana, corroborada por Descartes quando escreve:

"Mas, logo em seguida, advertir que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da filosofia que procurava" [4].

Descartes quis estabelecer um método universal, inspirado no rigor matemático e em suas "longas cadeias de razão". Para isso, utilizou-se das conhecidíssimas regras expostas por ele no Discurso do Método (evidência, análise, ordem, enumeração).

O método é racionalista porque a evidência de parte não é, de modo algum, a evidência sensível e empírica. Segundo essa corrente, os sentidos humanos enganam -se, suas indicações são confusas e obscuras, só as idéias da razão são claras e distintas. O ato da razão que percebe diretamente os primeiros princípios é a intuição. A dedução limita -se a veicular, ao longo das belas cadeias da razão, a evidência intuitiva das "naturezas simples".

O ponto culminante do embate entre as concepções racionalista e empirista acerca do conhecimento, conforme se convencionou nomeá-las (alguns preferem inatismo ao invés de racionalismo), ocorre com a filosofia kantiana. A famigerada revolução copernicana trata de tirar o foco dessa questão da realidadee trazê-lo para a própria faculdade de conhecer (ou para a Razão); segundo Kant, se por caminhos diferentes tanto o racionalismo quanto o empirismo partem do mesmo erro, "com a ajuda dessa modificação do modo de pensar, pode-se muito bem explicar a possibilidade de um conhecimento a priori e, o que é ainda mais, dotar de provas suficientes as leis que a priori fundamentam a natureza, tomada como conjunto de objetos da experiência; ambas as coisas eram impossíveis seguindo o processo até agora usado" [5]. O cogito cartesiano tem como realidade originária uma coisa que pensa; de outro lado o empirismo considera realo mundo ou a natureza. A dualidade teria por origem, segundo Kant, o erro metodológico de partir do pressuposto da realidade interior ou exterior sem, antes, perguntar o que é a razão e o que ela pode conhecer, e o que é a experiência e o que ela pode conhecer.

Grosso modo, Kant reúne a verdade de cada uma das tendências que marcam o dualismo moderno (racionalismo / empirismo) e, no mesmo ato, elimina o erro de cada uma. Se os racionalistas afirmam que os conteúdos do conhecimento são inatos, Kant mostra que apenas a estrutura racional é inata; se os empiristas afirmam que a Razão se confirma na experiência, Kant mostra que essa é apenas a ocasião (ou conteúdo) a partir do qual a Razão formula idéias. Assim, a Razão é uma forma inata pura (sem conteúdos), o que requer, por sua vez, dados da experiência para seu preenchimento; "a capacidade de receber representações (...), graças à maneira como somos afetados pelos objetos, denomina-se sensibilidade. Por intermédio, pois, da sensibilidade são-nos dados objetos e só ela nos fornece intuições; mas é o entendimento que pensa esses objetos e é dele que provêm os conceitos" [6].

Mas, antes de concluirmos esta primeira tarefa de nosso trabalho queremos apresentar em linhas gerais as contribuições empiristas para o campo da investigação acerca do conhecimento.

O termo empirismo entendido como "médico que confia na experiência prática, fundamentalmente do grego empeiria, 'experiência'"[7]. Para Bacon, o verdadeiro cientista da natureza deveria fazer a acumulação sistemática de conhecimentos. "O intelecto humano se deixa contagiar pela visão dos fenômenos que acontecem nas artes mecânicas, onde os corpos sofrem alterações por um processo de composição e separação, daí surgindo o pensamento de que algo semelhante se passa na própria natureza" [8]. Mas também buscava descobrir um método que permitisse o progresso do conhecimento. "No trabalho da natureza o homem não pode mais que unir e apontar os corpos. O restante realiza-o a própria natureza, em si mesma" [9].

Entretanto, Bacon adverte que na busca do conhecimento o cientista deve-se libertar daquilo que ele denominou como fonte dos erros: os ídolos que levam a noções falsas. Em sua época a ciência que despontava preocupava-se com o movimento, por isso que a matemática ganhava evidência como instrumento importante da física, da química, etc.

No entanto, sua idéia era justamente oposta ao movimento, a preocupação de Bacon estava voltada para o estático, contrariando desta forma os postulados matemáticos. Da mesma forma Descartes não poderia ter ido muito longe em suas investigações se tivesse desprezado os conhecimentos empíricos, também Bacon não progrederiasem o auxílio da matemática.

Percebemos posteriormente com o desenvolvimento da ciência que os dois caminhos se complementam. Desta forma, propondo a observação isenta dos preconceitos, afastando os ídolos, coletando dados e interpretando-os Bacon estava convicto de que havia inventado um método. Faltava-lhe, no entanto, a consciência crítica do empirismo de modo particular a desenvolvida por Locke e Hume.

Prosseguindo nosso caminho esboçado inicialmente passamos agora a expor de forma objetiva o pensamento lockiano acerca do conhecimento. Segundo Locke, em nosso pensamento encontram-se apenas idéias que por sua vez derivam da experiência. Daí a celebre afirmação dele de que o espírito é como uma "folha em branco", uma "tabula rasa".

A dúvida que surge de imediato é que se ao nascermos nossa mente é como um papel em branco de onde viriam então estas idéias presentes na mente humana. Acerca desta problemática Locke é categórico em afirmar que provém da experiência, a qual resulta da observação dos dados sensoriais, fundamentando o conhecimento existente nos homens.

"Os sentidos inicialmente tratam com idéias particulares, preenchendo o gabinete ainda vazio, e a mente se familiariza gradativamente com algumas delas, depositando-as na memória e designado-as por nomes. Mais tarde, a mente, prosseguindo em sua marcha, as vai abstraindo, apreendendo gradualmente o uso dos nomes gerais" [10].

Segundo Locke, as idéias ou representações existentes no nosso pensamento podem ser classificadas como: idéias simples e idéias complexas sendo que estas derivam das anteriores. Diante das idéias simples (que constituem o material primitivo e fundamental do conhecimento) o espírito é puramente passivo, no entanto, num segundo momento (formação das idéias complexas) este espírito passa a ser ativo.

Concluindo esta breve exposição acerca da corrente empirista apresentamos agora nosso último expoente selecionado para o desenvolvimento desta atividade.

David Hume é considerado no âmbito acadêmico como o responsável pelo empirismo em sua mais alta determinação, pois este recorre a um princípio (o hábito) do qual ele se servirá largamente durante todas as suas análises. Desta forma, ele é considerado um empirista, no sentido que a percepção repetida e habitual de uma determinada impressão ou fato nos leva a elaborar idéias sobre os fenômenos naturais, através de generalizações indutivas. "Um quadro conduz naturalmente nossos pensamentos para o original; quando se menciona um apartamento de um edifício, naturalmente se introduz uma investigação ou uma conversa acerca dos outros" [11].

De acordo com Hume o costume (hábito) ó grande guia da vida humana. É na verdade segundo ele o único princípio que torna útil nossa experiência e nos faz crer, no futuro, uma série de eventos semelhantes àqueles que apareceram no passado.

Os conteúdos do conhecimento para Hume eram matérias de fato. No entanto, não se reduziam a isso, eram também relações entre idéias. Até aqui ele não se diferenciava muito de Locke. É a partir do desenvolvimento da doutrina da causalidade que ele alcança sua originalidade acerca da investigação sobre o conhecimento.

Segundo esta doutrina, a relação de causa e efeito nunca podia ser conhecida a priori a partir do puro raciocínio, mas através da experiência. Toda via a experiência não ensinava mais do que os fatos que se experimentava no passado e nada dizia a respeito dos fatos futuros.

O hábito, como o instinto dos animais é desta forma um guia infalível para a prática da vida. Sendo assim, partindo do hábito e da associação de idéias é que se fundamenta a doutrina da causalidade. É importante destcarmos que para além de todos os questionamentos lógicos (da validade do raciocínio indutivo) implícitos nesta teoria, a grande contribuição huminiana reside no fato de ter deixado um importante problema para os epistemologistas: é ou não possível partir de experiências particulares para se chegar a conclusões gerais, representadas pelas leis cientificas?

Ao término desta exposição acerca da corrente empirista poderíamos afirmar a grosso que os empiristas são levados a privilegiar a experiência em detrimento da razão. Para os empiristas modernos a mente é como que uma espécie de receptáculo no qual se gravam as "impressões" do mundo externo.

Esse breve esquema da históriada noção epistemológica na filosofia moderna mostra o desenrolar desse conceito desde Descartes, passando pelo empirismo, pelo criticismo. Enfim, registramos mais uma vez que tudo isso nos remete a um vasto conteúdo em pouco espaço, é verdade; mas a título de introdução foi necessário percorremos tal caminho para chegarmos ao nosso projeto inicial (demonstrar a crítica sellarsiana ao racionalismo e ao empirismo).

A preocupação com a verdade, que entre racionalistas e empiristas encontra seu termo em Kant com a abstenção do juízo quanto à realidade (interna ou externa) leva segundo Nietzsche, a um "típico preconceito pelo qual podem ser reconhecidos os metafísicos de todos os tempos; (...) é a partir dessa sua 'crença' que eles procuram alcançar seu 'saber', alcançar algo que no fim é batizado de 'verdade'" [12].

Em resumo, para o racionalismo o "cogito" é a fonte e o lugar de toda evidência; a partir do "eu penso", real, a subjetividade pode deduzir toda a realidade. O empirismo, por sua vez, propõe um outro caminho, na medida em que assenta na experiência sensível o reconhecimento da verdade, sendo que a realidade estaria do lado da natureza (portanto, apenas acessível pelos sentidos internos e externos). Kant reforma essas noções iniciais e mostra a íntima relação entre o inatismo racionalista e o recurso à experiência, mas, para isso, limita a subjetividade àquilo que ela pode ou não conhecer; ainda assim chega à idéia dos imperativos categóricos, sempre verdadeiros. Mas, cremos que por hora este percurso já nos proporciona uma visão, mesmo que limitada, mas suficiente para logramos êxito no desenvolvimento do projeto que aqui nos propomos.

A partir daqui tentaremos delinear a crítica que o Sellars faz as duas correntes de pensamento, acerca da origem do conhecimento, apresentadas na primeira parte deste nosso trabalho. Segundo ele "...la connaissance n'est pás séparable d'une pratique sociale – celle consistant à justifier ses propers assertions aux yeux de ses semblables. Elle n'est pás présuppossée par cette pratique, mais en vient à exister en même temps que celle-ci..."[13] .

Podemos afirmar que a crítica do "mito do dado" desenvolvida por Sellars permitiu à filosofia analítica, de certa forma romper com as razões fundacionistas dos então conhecidos empiristas lógicos, bem como contribuiu em muito para colocar em dúvida a idéia de "pistemologia", questionando assim a validade dos problemas discutidos por vários filósofos (racionalistas e empiristas) em nome dela.

Sellars desconstrói o "mito do dado", por um lado em relação ao seu antifundacionismo no que diz respeito à epistemologia; por outro em virtude de seu "nominalismo psicológico. Sellars confirma-nos com seu antifundacionismo que não existem na experiência sensível conteúdos suficientes para a constituição do conhecimento. Através de seu nominalismo psicológico ele afirma que o conhecimento tem início com a capacidade de justificar, esta por sua vez é determinada pela prática social e a partir daí se determina quais elementos da experiência são "dados" e podem fundamentar o conhecimento[14].

Principalmente nos parágrafos (13-25) Sellars empreende um ataque as teorias empiristas. Faz isso a partir da distinção entre o ato de ter uma sensação e seu respectivo objeto (parte primeira do texto: Empirisme et philosophie de l'esprit; 1-7). De acordo com Sellars, o objetivo da teoria do empiricamente "dado" é explicar a idéia de que o fundamento do conhecimento empírico repousa em fatos não-inferenciais relativos à sensação[15].

O "dado" assume historicamente muitos disfarces, incluindo não somente a idéia de que conhecimento empírico apóia-se em um fundamento, mas também e de forma crucial a suposição de que a "privacidade" do mental e o "acesso privilegiado" de alguém a seus próprios estados mentais são aspectos fundamentais de experiência, tanto lógica quanto epistemologicamente anteriores a todos os conceitos intersubjetivos pertencentes a episódios internos[16].

Contrariamente a essa idéia, Sellars argumenta que aquilo que começa no caso de episódios internos como uma linguagem de uso puramente teorético pode adquirir um papel de relato em primeira pessoa. A seu favor ele apresenta a história jonesiana (onde a intersubjetividade essencial da linguagem pode ser reconciliada com a "intimidade" dos episódios internos) que nos ajuda a entender que conceitos pertencentes a tais episódios internos como pensamentos são primária e essencialmente intersubjetivos.

Uma vez admitido que os sentidos por si não apreendem fatos, que todo conhecimento de que algo seja dessa ou daquela forma pressupõe aprendizado, formação de conceito, e mesmo representação simbólica, segue-se que "ao invés de passar a ter um conceito de algo porque notamos esse tipo de coisa, ter a habilidade de notar um tipo de coisa já é ter o conceito daquele tipo de coisa, e não poder explicá-lo" [17]. Percebemos que Sellars segue o velho Kant ao rejeitar a imagem cartesiana de um continuum sensório-cognitivo.

Com base na "história de Jones" Sellars apresenta o duplo equívoco ocorrido nas duas correntes de pensamento apresentadas anteriormente (racionalismo e empirismo). O argumento que ele utiliza é o de que Jonas acaba se confundindo no final da história. Em vez de reconhecer que os termos teóricos por ele introduzidos constituem apenas um enriquecimento criativo da linguagem de sua comunidade que agora foi expandida de modo a incluir o discurso sobre episódios internos segundo o modelo do discurso de episódios externos, Jonas se entusiasma e imagina que fez efetivamente uma "análise do conhecimento interno tal como ele é"[18].

Desta forma, o nosso personagem passa a creditar que de fato existem entidades como "pensamentos", "impressões", "mente", "acesso privilegiado", "privacidade" e outras. No entanto, tais entidades não existem de fato, mas apenas correspondem a termos teóricos da linguagem expandida. Daí Sellars denominar este fato de mito de Jones à presente confusão desencadeada. Do mesmo modo entende Sellars que este equívoco está presente nas raízes do racionalismo cartesiano, bem como no empirismo, visto que ambos baseiam-se no mito do dado, sendo que a corrente empirista tem se revelada como a principal responsável pelos variados enganos da filosofia tradicional da mente.

Sendo assim, Sellars demonstra que tanto o racionalista quanto o empirista estão estritamente equivocados. O primeiro porque pensa que o uso imediato (não-inferencial) de conceitos pode explicar o uso mediato (inferencial) de conceitos. Na verdade, o uso imediato de conceitos já pressupõe o uso mediato destes. Já o segundo porque apela ao dado pré-conceitual (sensorial) para explicar a aquisição de conceitos, seja por abstração ou por outro processo equivalente.

A teoria de Sellars visa demonstrar os meios possíveis de se ter experiências imediata de objetos exteriores ou por outro lado ter consciência imediata de episódios mentais privados sem que para isto precise-se recorrer ao "mito do dado". "Sua grande originalidade em filosofia da mente está na idéia de que o mental pode ser compreendido em termos de categorias semânticas da linguagem pública, as quais são, por sua vez, interpretadas com base nas funções por elas desempenhadas" [19].

Ao término desta caminhada ratificamos o que dissemos ao longo desta pesquisa. Não era pretensão nossa fazer uma "mini história da filosofia", nem tampouco, exaurir tal temática em tão curto espaço. Nosso objetivo consistiu em expor a critica sellarsiana ao racionalismo e ao empirismo. Somos cônscios de que ocultamos muitos detalhes pertinentes ao nosso empreendimento; no entanto, foi necessário adotarmos tal postura para chegarmos as tais conclusões e submetê-las a apreciação crítica dos nossos leitores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.AUDI, Robert. Dicionário de filosofia de Cambridge. Tradução de João Paixão Neto, Edwino Aloysius Royer et AL. São Paulo: Paulus, 2006.

2.BACON, Francis. Novum organum. Tradução de José Reis d Andrade. São Paulo: Nova cultural, 1996.

3.DESCARTES, René. Discurso do método. Tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. São Paulo: Nova cultural, 1996.

4.HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano. Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova cultural, 1996.

5.KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. 5ed., Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.

6.LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova cultural, 1997.

7.MENTE & CÉREBRO. São Paulo: Duetto, 2008.

8.NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das letras, 2005.

9.SELLARS, Wilfrid. Empirisme et philosophie de l'esprit. Paris: Édtitions de l'éclat, 1992.



[1] - Graduado em filosofia e mestrando em filosofia pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: [email protected]

[2] - Dicionário de Cambridge. p. 788.

[3] - DESCARTES, René. Discurso do método. P. 69.

[4] - Ibidem. pp. 91-92.

[5] - KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. p. 21.

[6] - Ibidem. p. 61.

[7] - Dicionário de filosofia de Cambridge. p. 260.

[8] - BACON, Francis. Novum organum. p. 51.

[9] - Ibidem. p. 33.

[10] - LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. p. 41.

[11] - HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano. p. 41.

[12] - NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. p. 10.

[13] - SELLARS, Wilfrid. Empirisme et philosophie de l'esprit. p. 10.

[14] - Comentário extraído do texto: Ceticismo, pragmatismo e a crítica de Sellars ao "mito do dado" de Paulo R. Margutti.

[15] - Segundo Margutti, corroborando o pensamento do Sellars, a dificuldade da teoria está em considerar que ter uma sensação envolve, ao mesmo tempo, uma forma de conhecimento não-inferencial e a apreensão sensível de um conteúdo singular.

[16] - Referência ao texto de Jay Rosenberg (verbete de Wilfrid Sellars).

[17] - SELLARS, op. cit., p. 63.

[18] - PINTO, Paulo Roberto Margutti. In: Mente & cérebro. p. 82.

[19] - Ibidem.


Autor: Jair Pinheiro


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