Quando Minha Irmã Namora, Nós Comemos!



QUANDO MINHA IRMÃ NAMORA, NÓS COMEMOS!

Vinte reais, foi tudo o que pagamos para chegar até ali e voltarmos. Saímos às 8h da manhã e chegamos lá um pouco mais de 10h. O calor era tão terrível que, por alguns momentos, pensamos que estávamos em um deserto, não fosse a paisagem tão bonita, nada que lembrasse um deserto, grandes campos verdes, um grande açude com uma barragem e muitas, muitas crianças mesmo. Que sábado foi este? Meu Deus! Que sábado!

Cuitegí...

Vejo o mundo se mobilizando para tantas coisas... Um tempo atrás fui convidado para ir à África. Meu coração se encheu de alegria, afinal todo mundo quer ir a África. Pelo menos quando se fala em missões o referencial é ela, quem? A África. Bate coração, agora sei que vou ser respeitado, tô indo pra África, é difícil, muita gente morrendo, muita gente precisando de Deus, mas eu farei parte disto, sou mais um que vai, quantos mais, quantos...? Eu vou. Isto se tudo der certo! Certo? Você já ouviu Deus gritar no teu ouvido? Ai! Isto dói! Eu preciso gritar novamente? África para alguns é necessário, para outros é vaidade! Para mim, para mim, vaidade, isto mesmo, foi o que eu escutei naquele dia.

Você já mudou seus conceitos só com o título de grandes livros? Quando eu era pequeno, um livro, bem pequeno, igual a mim, poucas páginas, fácil de ler, oba! Vou virar intelectual, ler um livro inteiro? Era muito pra mim. "Floresça Onde Está Plantado". Série Descoberta de Robert H. Schüller, um título! O título daquele livro foi o suficiente para mudar minha vida, mudar muitos dos meus conceitos, anular alguns sofismas, bem... Uma reviravolta. Não podia ser diferente, a grama do vizinho é sempre mais verde, a casa do vizinho é sempre mais bonita, o meu país é horrível, minha cidade não presta, meu bairro nunca vai ser o que eu quero, preciso ir embora daqui. É muito fácil ser honrado em outro lugar, as pessoas não me conhecem, não comeram um quilo de sal comigo, não sabem do meu passado. Floresça onde está plantado, tudo que eu precisava ouvir.

Bem, isto é bom, mas teve um novo sentido ao entrar em Cuitegí. Algo remoeu em mim, eu seria confrontado com meu próprio ego, meu eu. Minha vida passou por mim de uma maneira diferente, como se fosse um filme. Alguns dizem que isto só acontece quando estamos perto de morrer, será? Eu tava morrendo? Morrendo! Morri!

Interessante é que ao chegar naquele colégio que se transformaria na base para nossa jornada de um dia naquela cidade, falei para alguns irmãos da igreja local que nos receberam tão bem: "Preparados para morrer?"

-Morrer? Perguntaram os irmãos.

-Sim, para sobrevir um grande avivamento é necessário uma morte.

É claro que eu estava me referindo à morte para o "eu", o autoego, para o velho homem. Mal sabia que quem morreria naquele dia seria EU MESMO!

Quando nos acomodamos, um punhado de crianças nos cercou, algumas com um sorriso lindo, outras já um pouco mais desconfiadas, mas todas elas queriam se aproximar.

A igreja local já havia preparado o almoço, que por sinal estava muito gostoso. Só Deus sabe como eles conseguiram fazer isto. Dezenove pessoas comeram naquele dia, mas a igreja local supriu. Para a realidade deles isto era uma grande vitória.

Lá vem o filme novamente: Não tem suco não, mãe? Que droga! Eu só como com suco! Cadê o leite? Café sem leite me dá azia! Esta comida está sem sal! Não gosto de verdura! Não como carne vermelha! Não posso comer isto... Não quero aquilo...

Novamente as crianças estavam por perto, desta vez quem sabe esperando um pouco, ou até mesmo a sobra do que estávamos comendo. Parei para conversar com algumas delas e descobri que quase todas as que estavam ali tinham de seis a sete anos. Perguntei a uma delas se ela tinha irmãos, ela disse que sim, que tinha sete - uma irmã e seis irmãos. Fiquei pensando, que família grande, quanta gente morando em uma casa só! Daí veio a pergunta inevitável: "Vocês fazem o quê, para comer?"

Eu não poderia ter ficado de boca fechada? Mas tinha que perguntar, né?

A resposta foi como o tiro fatal que faltava em meu coração: "QUANDO MINHA IRMÃ NAMORA, NÓS COMEMOS." (Estava se referindo à sua irmã de treze anos!)

O restante do dia foi só buscando entender verdadeiramente a realidade daquele lugar - minha África, a 105 km - Cuitegí, interior da Paraíba.

Mais tarde nos deparamos com centenas de casos parecidos como aquele. A Prefeitura local informou que segundo a ONU, Cuitegí é a cidade com maior número de prostituição infantil da América Latina. 70% das crianças começam a prostituir-se com nove anos, por isso não vi crianças desta idade lá em nossa base. Com treze anos elas são consideradas velhas para a profissão e precisam enfrentar a realidade de um país sem um plano social eficiente. O que fazer agora? Engravidar, pois fazendo isto conseguem o "Bolsa Família", do Governo Federal. Com mais de uma criança atinge a marca incrível de noventa e dois reais! Famílias com uma média de dez a onze pessoas vivem com esse valor, e isto quando conseguem se cadastrar.

Continuamos nossa jornada cidade adentro, enquanto nossa equipe, juntamente com a equipe da igreja local, saia para convidar as pessoas para um culto que seria realizado logo mais na mesma escola onde estávamos. Perguntei ao pastor que nos recebeu ali e que estava conosco neste avanço missionário: "Quanto ganha uma família para ser considerada rica aqui em Cuitegi?" Ele respondeu: "Duzentos reais".

Falou isto, dirigindo seu velho carrinho.

-Que barulho é este? perguntei.

-Calma Pastor, o mecânico disse que ele agüenta! Pode colocar gente, já levei nove aqui dentro! Há! Há! Há! Todos rimos.

-Eu tô falando sério, pastor.

Calei-me novamente. Quanta pancada meu Deus! Em um dia só?

Chegamos, então, em uma área ainda mais pobre, se é que isto seria possível. Entramos em uma casa e graças a Deus porque sou baixinho, pois alguém um pouco mais alto não conseguiria nem ficar de pé.

-Tudo bem? Perguntei eu.

-Sim tudo bem!

Se aquilo era tudo bem pra ele, então fazer o que né? Nunca vi tanta miséria. Sujeira por todo lado, muita idolatria, santos, cartazes de santos, camisas com santos, tudo tinha santo!

Parecia que aquilo fazia amenizar a dor de um povo que tem as mesmas vontades que eu, os mesmos sonhos que eu, querem as mesmas coisas que eu quero, mas precisam mais do que eu.

Deus me falou naquele momento: "Não tem coisa que mais machuca meu coração do que a ingratidão."

Adoradores!!! Não existe adoração sem gratidão! Minha geladeira está vazia? E ali, que não vi nem geladeira pra encher! Não estou gostando deste colchão? Acho ele muito fofo? Ali também não vi cama nem colchão. Não gosto desta roupa. A cor dela não combina com meu cabelo! Por toda parte víamos adultos e crianças carregando outras crianças no colo. Crianças sem uma roupa sequer...

Neste dia eu morri, mas nasceu em mim algo novo, algo diferente. Amei Cuitegí, de todo o meu coração. Descobri que sou rico, abençoado, não mais para meu próprio umbigo, mas para transbordar. Não quero ser apenas uma cisterna de bênçãos, quero ser canal das tuas bênçãos, Senhor! Obrigado por teres me levado até aquele lugar, para que meus olhos fossem abertos.

Apóstolo André Aragão

22/10/2008


Autor: André Aragão


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