É Possível Definir Historiograficamente o Conceito de 'Cotidiano'?



INTRODUÇÃO

Este estudo procura discutir a relevância da investigação sobre o cotidiano, salta-nos aos olhos, de imediato, um grau de dificuldade considerável em que a questão passa a se envolver. Ressalte-se, ainda, que tal questão nos reporta a considerar os múltiplos aspectos que a envolvem como o da construção de seu processo, o da elaboração de uma teoria em torno do objeto que não perca de vista o caráter histórico da cotidianidade, o aspecto tocante à dimensão epistemológica de uma "pequena história", tentando encontrar um contraponto para os fatos da "grande história", o de uma história-problema, ao contrário daquela história puramente descritiva que remonta ao século XVIII: a dos "usos e costumes dos...", " a vida privada dos..."; a revelação do cotidiano como um dos lugares privilegiados das lutas sociais e ainda o aspecto de democratização da história que nos leva a reivindicar o direito dos humildes à história.

Mas o que é, verdadeiramente, este Cotidiano histórico? Um domínio próprio da história? Um nível da história que reclama um lugar na hierarquia teórica acima do econômico, do social, do político e co cultural? Um nível de história que exala uma superficialidade?

Um primeiro aspecto a ser abordado é a importância de Michel de Certeau de validar uma discussão teórica sobre o conceito de "cotidiano" – sua construção e seu uso- passamos a convocá-lo e, por conseguinte, traçamos uma trajetória para responder às questões que levantamos, qual seja, à de proceder à sua operação histórica, conferindo-lhe um estatuto epistemológico. É como diria Michel de Certeau, de uma operação historiográfica ou epistemológica, isto quer dizer que ele propõe estudar a cultura cotidiana como parte da vida das pessoas, e táticas de sobrevivência no seu cotidiano, assim como um efeito de uma operação epistemológica que nomeia, corta, codifica e enquadra as experiências. Ainda discorrendo sobre isto, Certeau coloca que está preocupado com uma arte de fazer, em que o cotidiano é feito e refeito permanentemente num movimento de continuidade e descontinuidades, isto significa dizer que Certeau desnaturaliza os lugares prontos e acabados. É preciso destacar ainda que Certeau dava a multi e interdisciplinaridade, especialmente com a lingüística e a antropologia. Do que foi exposto anteriormente Certeau focaliza isto dentro da multiplicidade das práticas cotidianas, o historiador tem que encontrar e interpretar os diversos significados e conteúdos da vida social, utilizando um método de fazer história indagativa, descobrindo as brechas os espaços de fissuras, as improvisões da sobrevivência, as lutas e as relações cotidianas que se constitui nas diversas ocasiões da existência humana, bem como os cortes instaurados por operações epistêmicas exteriores a estas relações.

Diante disto, a distinção, que foi estabelecida por Michel de Certeau entre estratégias e táticas constitui um recurso preciso para se pensar esta tensão e evitar a oscilação entre as abordagens que insistem no caráter dependente da cultura cotidiana e aquelas que exaltam sua autonomia, essas estratégias supõem a existência de lugares e instituições, produzem objetos normais e modelos, acumulam e capitalizam as táticas, desprovidos de lugar próprio e do domínio do tempo, são "modos de fazer", ou melhor dito, de "fazer com", que me faz lembrar do livro "A invenção do cotidiano",onde as formas "populares", desde as práticas do cotidiano até as formas de consumo cultural, podem ser pensadas como táticas produtoras de sentido, embora de um sentido possível estranho àquele visado pelos produtores. Ainda discorrendo sobre isto, CERTEAU coloca:

"A uma produção racionalizada, expansionista e centralizada, barulhenta e espetacular, corresponde uma outra produção, chamada "consumo": Esta é astuciosa é dispersa, mas ao mesmo tempo ela se insinua ubiquamente, silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com produtos próprios mas nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem econômica dominante" (CERTEAU, 1994, p. 39).

Nesta citação acima, é possível que o desenvolvimento tecnológico, a produção em série e a criação de mercados em expansão, tinha o objetivo de satisfazer as expectativas crescentes dos cidadãos, levaram ao aparecimento de uma sociedade que parece apenas ocupada em produzir e consumir. Paralelamente observa-se o fenômeno da massificação, mas a preponderância desses fatores econômicos no desenvolvimento levou mesmo a um fenômeno de certo modo inesperado, ou seja àdesaparição das classes sociais e de fato do século passado foi sendo progressivamente substituído por uma classe social única e muito extensa, que o proletariado de consumo.

Vale ressaltar, que a sociedade inteira vai-se uniformizado, desaparecem as classes de proprietários e seus assalariados e surge a grande e única classe dos consumidores. Ficam excluídos largos extratos da sociedade incapazes de atingir níveis mínimos de consumo que lhes permitam integrar o resto da sociedade. De fato a única coisa que hoje conta são os ordenados que se ganha, porque os ordenados altos pressupõe bons lugares de comando. O uso do dinheiro adquiriu um sentido dinâmico, de certo modo mais egoísta até a poupança com vista a uma adversidade no futuro, foi substituída imediata, procurando um lucro fácil embora com risco.

É importante considerar que esta sociedade de consumo transformou tudo em produtos para venda no mercado, desde os alimentos à arte, à literatura, ao desporto, em geral a todos as atividades culturais. Qualquer atividade humana acaba por ser convertida em produto de consumo, e o êxito social mede-se pela capacidade de vender, não havendo sequer a preocupação do bem estar da comunidade.

Postulamos, de imediato, que o objeto em questão não está subtraído à análise sociológica já que o mesmo comporta atores sociais, uma trama de relações entre estes atores, o institucional, uma estrutura social, um significado para as ações dos sujeitos, um mundo intersubjetivo.

Resta-nos, no mais, não adulterar estes elementos explicitados com o intuito de garantir um lugar de honra para a análise do cotidiano.

COTIDIANO E REALIDADE

É evidente que todo homem participa da vida cotidiana e participa de maneira determinada, social e historicamente. Essa primeira afirmação evidencia dois aspectos importantes que comporta a estrutura da vida cotidiana: o aspecto espacial que possibilita ao homem a plena realização de suas atitudes na medida em que uma certa "localização social" é configurada para o seu agir, o agir do sujeito e o aspecto temporal como uma propriedade intrínseca da historicidade do homem(cada homem é um homem de seu tempo) marcada, num primeiro momento, pelos níveis de temporalidade intra-subjetiva, fundando-se nos ritmos fisiológicos do organismo e, num segundo momento, perpassando a intersubjetividade dos homens, fornecendo a historicidade que determina a situação dos mesmos na vida cotidiana.

Ocorre, por extensão, a partir daí, dessa capacidade de estar no mundo, a configuração de uma cotidianidade. Mas o que vem a ser essa cotidiana? Seria a vivência, antes de tudo, organizada, o dia a dia, a vida dos homens, envolvidos por uma atmosfera natural, normativa, instintiva. Aqui, as coisas simplesmente são, Karel Kosik diz o seguinte:

"Que sentido tem, portanto, indagar-se qual é o sentido da vida de cada dia? O fato de se fazer tal indagação nos fará encontrar um caminho para revelar a essência da vida cotidiana? Quando é que a vida de todo dia se torna problemática e qual o sentido que se desvenda ao problematizar-se?"(KOSIK, 1986, p. 69)

Karel Kosik procurou abordar esse problema marcante, não em seus subúrbios, mas na própria cidade dela quando se pergunta por uma estrutura de sentido presente na vida cotidiana, tendo em vista retirar o invólucro do mundo da psudoconcreticidade que fetichiza o cotidiano, impossibilitando a explicitação da essência do fenômeno através de uma práxis humana. Pode-se vislumbrar, portanto, que a cotidianidade, consequentemente, é o nicho irredutível da história, como também o é da cultura, seja massiva, popular, ou antes tudo isso aum só tempo. Já que para Certeau estes lugares não estão prontos de antemão. Este conceito de sociedade de massas existe desde a primeira metade do século XVIII. Daí, a idéia de massificação não pode ser vinculada apenas à Indústria Cultural. Antes dela, igreja, educação, literatura popular, mas antes de tudo isso já prefigura uma massificação da sociedade. Mesmo assim, a cultura de massas significou uma escolaridade quase universal e o triunfo da mídia. Diante disto Karel KosiK afirma que:

"A morte, as doenças, o nascimento, os êxitos e as derrotas constituem os acontecimentos calculados da vida de cada dia. Nesta o indivíduo cria para si relações, baseado na própria experiência, nas próprias possibilidades, na própria atividade e daí considerar esta realidade como o seu próprio mundo. Além das fronteiras deste mundo da intimidade, da familiaridade, da experiência imediata, da repetição, do cálculo e do domínio individual, começa um outro mundo, que é o exato contrário da cotidianidade."(KOSIK, 1986, p. 70)

A partir das colocações de Karel Kosik acima, podemos pensar que é exatamente esse "sentido que nos interessa captar, daí pensarmos o cotidiano na sua dupla dimensão, enquanto fenômeno que contém uma essência: esse binômio fenômeno/ essência tem como substrato maior a realidade, a realidade social, daí poder-se dizer que o cotidiano tem de muito próprio uma substância social. Por extensão, podemos dizer que, em assimilando as dimensões do cotidiano, estamos assimilando as relações sociais que, de certa forma, dão conteúdo e embasam essas dimensões.

Uma dessas dimensões é a conhecimento na sociedade moderna. Podemos afirmar que existe um conhecimento orientando a conduta da vida cotidiana, ou seja, a realidade se faz acessível ao senso comum através desse "saber", que se configura como um conhecimento de caráter pré-teórico, não científico, conhecimento este que é partilhado com os membros ordinários da sociedade moderna. Graças a esse "saber" é que a realidade apresenta-se como dotada de sentido, dotada subjetividade de sentido.

Importa então estabelecer os fundamentos do conhecimento na vida cotidiana, o que exige um itinerário teórico um tanto severo. É isso que faz Berger & Luckman em "A Construção Social da Realidade". A respeito disso eles afirmam que:

"O mundo da vida cotidiana não somente é tomado como uma realidade certa pelos membros ordinários da sociedade na conduta subjetivamente dotada de sentido que imprimem a suas vidas, mas é um mundo que se origina no pensamento e na ação dos homens, sendo afirmado como real por eles. Antes, portanto, de empreendermos nossa principal tarefa devemos tentar esclarecer os fundamentos do conhecimento na vida cotidiana, a saber, as objetivações dos processos( e significações) subjetivas graças às quais é construído o mundo intersubjetivo do senso comum."(BERGER, 1987, p. 36)

O COTIDIANO E A HISTÓRIA

No entanto, apesar de percorrer este itinerário na busca dos fundamentos da vida cotidiana é considerar, a priori, as estruturas do "eu", dizendo melhor, a formação do "eu", devendo esta, a vida cotidiana, ser compreendida em relação com o contínuo desenvolvimento orgânico, mais fundamentalmente, com o processo social.

O entendimento do "eu", num primeiro momento, não vem jogar a vida privada em oposição à vida pública na cotidianidade. Justifica-se, então, a sua busca, pelo fato de ser o primeiro locus onde a consciência se manifesta. A consciência porta um caráter intencional(ela é sempre consciência de alguma coisa) e sua mobilidade se dá através de diferentes esferas da realidade, esferas que estão em constante contato com o indivíduo.

Igualmente, a vida cotidiana se impõe à consciência do sujeito de maneira urgente, como a realidade por excelência. É nesse sentido que podemos dizer que antes da entrada do sujeito em atividade normativa, natural, a vida cotidiana já aparece objetivada pela linguagem.

Portanto, não privilegiar o papel "eu", do indivíduo, do particular na cotidianidade, é cair em incongruências teóricas consideráveis. O indivíduo é ser particular que assimila a realidade social de maneira única e irrepetível. As necessidades humanas são, num primeiro momento, necessidades do "eu". No "eu" nascem os afetos, as paixões, as ideologias, as idéias, que são construídas historicamente, repousando sua base numa estrutura temporal. O ser particular, a particularidade do humano, não absorve a totalidade desses aspectos e é nesse sentido que Agnes Heller nos apresenta uma outra dimensão que envolve o homem na vida cotidiana, o homem-genérico:

"A Vida cotidiana é a vida do indivíduo. O indivíduo é sempre, simultaneamente, ser particular e ser genérico. Considerado em sentido naturalista, isso não o distingue do nenhum outro ser visto. Mas, no caso do homem, a particularidade expressa não apenas seu ser "isolado", mas também seu ser individual. Basta uma folha de árvore para lermos nela as propriedades essenciais de todas as folhas pertencentes ao mesmo gênero; mas um homem não pode jamais representar ou expressar a essência da humanidade."(HELLER, 1987,p. 20)

Dando ênfase a isto, a medida em que o humano-genérico contém e é contido no indivíduo, o homem passa a ser parte consciente de várias integrações. Aqui, o indivíduo rompe a intra-subjetividade e, partilhando do contato social com outros indivíduos, emerge no plano da intersubjetividade. Nesse aspecto, começa a haver a possibilidade de uma unidade vital entre a particularidade e o humano-genérico. Importa perceber a necessidade de elevação desses dois elementos à consciência. Segundo Agnes Heller, em seu livro, "O cotidiano e a história" afirma-se que:

"Na vida cotidiana, a esmagadora maioria da humanidade jamais deixa de ser, ainda que nem sempre na mesma proporção, nem tampouco com a mesma extensão, muda unidade vital de particularidade e genericidade. Os dois elementos funcionam em si o não elevados à consciência. O fato de se nascer já lançado na cotidianidade continua significado que os homens assumem como dadas as funções da vida cotidiana e as exercem paralelamente."(HELLER, 1987, p. 23)

Como foi dito anteriormente, podemos perceber que os interrelacionados na razão dual particularidade/ genericidade, intra-subjetividade/intersubjetividade estão contidos determinados elementos: o institucional, a linguagem como que objetivadora do conhecimento na vida cotidiana, o processo de interiorização desse conhecimento pelo aparelho cognoscitivo, a sedimentação e a tradição, a legitimação dos universos simbólicos, os mecanismos de manutenção desses universos, a organização social para a manutenção desse universo, a sociedade como realidade subjetiva, a interiorização da realidade, a socialização. Estes elementos possibilitam a construção da cotidianidade, a partir do período Moderno.

Em suma, compreendemos que o conceito de cultura "cotidiana" vem sofrendo inúmeras transformações e, por isso, passou a perder as suas características tradicionais. Com este estudo a cultura do cotidiano está longe de ser um conceito bem definido pelas ciências humanas e especialmente pela Antropologia Social, mas afinal a cultura cotidiana não é um dado, não é natural, e sim uma construção, uma invenção, que partiu de um tempo, de um lugar de emergência, e como diria Michel de Certeau, de uma operação historiográfica ou epistemológica.

Buscando, pois, entender o seu processo de construção, que vem a ser notadamente o processo de construção desses elementos, conseguiremos captar a historicidade do cotidiano.

Ao mostrarmos esses elementos e sua conseqüente inter-relação no processo social, tentamos precisar a capacidade que o próprio homem tem de superar a reificação, através de uma práxis transformadora do real, exercitando-se como ser adulto, vivendo por si mesmo a sua cotidianidade. Significa dizer, nesta perspectiva, que haveria a explicitação da possibilidade de liberdade no cotidiano.

Ainda discorrendo sobre isto, Michel de Certeau coloca no seu livro "A escrita da história", publicado em 1975 na França, argumenta ser em função do lugar social que se instauram os métodos. Nesse sentido, essa transversalidade dos saberes, experimentada já na década de 30, possibilitou ao historiador operar sobre o limite do seu método. Por isso, os campos abertos à história não podem ser apenas objetos novos fornecidos a uma instituição imutável, uma vez que a própria história entra nessa relação de discurso com as técnicas que a produzem, fazendo surgir diferenças no próprio modelo. Essa operação se mobiliza em relação a dois pólos: a construção dos modelos e a atribuição de uma significabilidade aos resultados obtidos:

"O importante não é a combinação de séries, obtidos graças a um isolamento prévio de traços significantes, de acordo com modelos pré-concebidos, mas, por um lado, a relação entre esses modelos e os limites que seu emprego sistemático faz aparecer, por um lado, a capacidade de transformar estes limites em problemas tecnicamente tratáveis."(CERTEAU, 1982, p. 86)

Essa compreensão implica numa maneira histórica de reempregar os modelos tirados de outras ciências e de situar uma função da história: o exercício da crítica. Nesse sentido, os fatos históricos deixaram de ser os reveladores de uma realidade para serem um lugar que, em relação a um modelo construído, toma a forma de uma diferença. Trabalhar nos limites dos modelos historiográficos, abrindo brechas para seus desvios configura, aquilo que para Michel de Certeau, compreende o exercício da crítica e da renovação do saber histórico, deslocando a problemática de quem utiliza quem. Citando o Pierre Vilar, Certeau afirma que:

"a história tinha como tarefa analisar as "condições" nas quais estes modelos são válidos e, por exemplo, tornar preciso os "limites exatos das possibilidades" de uma "econometria retrospespectiva". Manifesta um heterogêneo relativo aos conjuntos homogêneos constituídos por cada disciplina. Ela também poderá relacionar uns com os outros os limites próprios de cada sistema em níveis de análise(econômica, social, etc.). (CERTEAU, 1982, p. 89)

Dentro dessa perspectiva, a operação histórica produziria dois efeitos: historiciza o atual e representa aquilo que falta, marcando a dinâmica relação entre os tempos históricos. Dentro desta perspectiva, as estratégias de captação de territórios vizinhos(como a antropologia e a sociologia) também interferem na produção subjetiva dos tempos históricos, pois a história seria feita a partir de ritmos diferentes e caberia ao historiador reconhecer esses ritmos.

Aprofundando-se ainda mais em seu simbolismo, Michel de Certeau coloca as formas como cada historiador se apropria de campos alheios, temos a "Invenção do cotidiano" de Michel de Certeau, com a ênfase no tempo sincrônico de suas artes de fazer. Alguns historiadores mais refratários a uma história do presente, condenam o uso "abusivo" de Certeau em relação aos procedimentos de sua antropologia histórica, afirmando que o seu afastamento se deu de forma tão radical que o excluiu do ofício do historiador. Essa crítica não se reforça na concepção de Roger Chartier, quando este o aponta como um dos grandes historiadores que introduziram a discussão do simbólico na história. Esse interesse antropológico de Certeau é instrumentalizado, principalmente, no campo cultural da linguagem, enfatizando a dimensão de sua historicidade a partir de seus vários usos, deslocando o lugar sacralizado do autor, como o único espaço de criação de sentidos na linguagem. É, como diz Michel de Certeau, quebrar com o enquadramento disciplinar, que postula um público passivo, "informado", tratado e marcado, a partir de um não lugar na história, como não produtores culturais:

"A eficácia da produção implica do consumo. Produz a ideologia de classe e de uma cegueira técnica, esta lenda é necessária ao sistema que distingue e privilegia autores, pedagogos, revolucionários, numa palavra, "produtores" em face daqueles que não a são. Recusando o "consumo", tal como foi concebido e (naturalmente) confirmado por essas empresas de "autores", tem-se a chance de descobrir uma atividade criadora ali onde foi negada, e relativizar o exorbitante pretensão de uma produção( real mas particular) de fazer a história "informando" o conjunto do país"(CERTEAU, 1994, p. 262)

Para Michel de Certeau, é preciso pôr em causa a idéia de que os modos de ler se dão a partir de uma passividade. No entanto, essa mesma abertura epistemológica de Certeau não se dá para além do seu próprio tempo, uma vez que ele mesmo é um assíduo leitor de Wittgenstein, que instaura uma ciência do ordinário, que se definiria por uma dupla estranheza: estranheza do especialista( e do grande burguês) em relação à vida comum e estranheza do cientista em face da filosofia.

Historicizar as funções da linguagem a partir de seus movimentos de metaforizações, de deslocamentos discursivos, é resistir às palavras no seu emprego usual, sua incompatibilidade no nível de uma interpretação literal das palavras. É deixar em aberto os modos de usar as coisas e as palavras, seguindo as ocasiões. É atribuir à linguagem os seus vários lugares de mobilidade, de inventabilidade, dar a flexibilidade que por muito tempo foi negada pelos "funcionários do saber".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

·BERGER, Peter & LUCKMAN, John. A construção social da realidade. 7 edição. Petrópolis, Vozes,(Antropologia), 1987.

·CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

·CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano, 1. Artes de fazer, tradução de Epharain Ferreira Alves Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

·CERTEAU, Michel de. "A operação histórica" In:. LE GOFF, Jaques, NORA, Pierre. História: novos problemas, 3 ed., Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, Editora, 1988.

·HELLER, Agnes. O cotidiano e a história, 2 ed., São Paulo, Paz e Terra(Filosofia), 1985.

·HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento, 8 ed. Coimbra, Armênio Amado Editora, (Studium), 1987.

·KOSIK, Karel. Dialética do concreto, 4 ed. São Paulo, (Filosofia), Paz e Terra, 1985.

·LE GOFF, Jacques, NORA, Pierre. História: novas abordagens, 3 ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988.

·LE GOFF, Jacques, NORA, Pierre. História: novos problemas, 3 ed., Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, Editora, 1988.

·MEDONÇA, Nadir Domingues. O uso dos conceitos, uma questão do interdisciplinaridade, 3 ed. Petrópolis, vozes, 1988.


Autor: Luciano Agra


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