Etnocentrismo na Educação



O espaço escolar se presta a diversas análises. Podemos analisá-lo a partir das relações grupais ou, mais especificamente, procurando entender as dificuldades e problemas que ocorrem nas relações entre os grupos. E uma categoria antropológica que nos ajuda a entender essa problemática é a do etnocentrismo.

O espaço escolar é um dos espaços em que se reúnem seres humanos com as mais diferentes procedências. E aqui começa a se manifestar o problema: Nós, os humanos, nos consideramos únicos e, por isso mesmo, achamos que somos donos da verdade. Tudo que não é nosso ou que não procede de nós, é considerado como uma espécie de afronta, oposição, falsidade, ameaça... Essa situação está na base da caracterização do etnocentrismo.

A postura etnocêntrica é um dos primeiros entraves ou uma das primeiras dificuldades para que as pessoas se associem, formando grupos. Além disso e em seguida, após o grupo formado, podemos observar a dificuldade dos diferentes grupos se relacionarem. Da mesma forma que o indivíduo sente dificuldade em aceitar a verdade do outro, na relação entre os grupos isso também ocorre: A verdade de um grupo, em confronto com a verdade do outro produz os choques e os atritos tão presentes nas manifestações dos grupos de jovens, nas gangs, nas patotas juvenis. Podemos, inclusive, dizer que as brigas e confrontos entre traficantes, tão noticiados pela grande imprensa, além de todas as caracterizações sociológicas, políticas e sociais que possam ser feitas, também podem ser vistas como manifestação etnocêntrica.

Tudo isso que se observa nas relações sociais ocorre no universo escolar. E até, por que não admitir, também na sala de aula, pois também nesse espaço ocorrem relações conflitivas e se manifestam divergências entre os grupos rivais. Se nos dermos ao trabalho de conversarmos com um professor veremos como são freqüentes as situações em que se manifestam posturas etnocêntricas na relação entre estudantes. Desde os problemas de aceitação e entrosamento de um aluno novato na sala, como na formação de grupos de trabalho, para executar alguma atividade escolar cotidiana.

As realidades que manifestam algum tipo de choque cultural podem ser vistas como uma manifestação etnocêntrica não só nas relações sociais como também no ambiente escolar e dentro da sala de aula. O etnocentrismo manifesta-se como uma espécie de monólogo: um "eu" conversando consigo mesmo, desconsidera a fala do "outro" e os possíveis valores desse outro. Ou, pior ainda, nega o outro ao mesmo tempo em que nega sua fala; ao lhe negar a fala, nega seu valor e esse "eu" faz isso se supervalorizando e se afirmando.

Quando esse monólogo ocorre amplia-se a rivalidade, pois, nesse caso se acentuam as diferenças. A manifestação das diferenças, quando observada no ambiente escolar, passa a ser vista não como elemento educativo, mas como elemento provocador de maior divisão, pois, a partir da postura etnocêntrica, não se acentua o diferente como elemento agregador de valores, mas como elemento negador de proximidade. Assim sendo, o "eu" relaciona-se com meus iguais negando os diferentes e as diferenças. Observa-se, portanto que os diferentes não se completam nem se atraem, como se diz na gíria popular, mas se repelem. A tendência é nos aproximarmos dos nossos iguais ou dos conhecidos afastando-nos dos diferentes ou estranhos. Essa situação pode ser comprovada, em sala de aula, na medida em que os professores propõem trabalhos em grupo, alterando as relações e grupos já cristalizados: ocorre uma forte resistência, por parte dos estudantes. E fazem isso apresentando os mais diferentes argumentos.

Outra questão a ser observada é com relação à postura do professor em relação aos grupos ou posturas comportamentais dos alunos. Quando isso se manifesta na sala de aula, muitas vezes a tendência do professor não é observar o que está ocorrendo e buscar uma alternativa dialogada para, a partir das diferenças, construir relações de busca de pontos convergentes, mas de tomar partido. Tomando partido o professor está julgando um contra o outro, pois o professor toma partido. Em geral o professor toma partido, porque ele também se identifica com este ou aquele grupo. Entre o grupo dos comportadinhos e os "peraltas do fundão" é quase comum o professor optar pelos comportados, desenvolvendo uma postura hostil em relação aos peraltas. Nisso já está manifestado um ato de escolha o qual decorre dos juízos produzidos; juízos esses que nascem a partir dos valores desenvolvidos e prezados pelo professor que valoriza aqueles que manifestam atitudes que se aproximam dos comportamentos previstos nas normas propostas (ou impostas) pelo professor.

Embora a perspectiva antropológica seja a afirmação da relativização visto que as diferenças entre os grupos não ocorrem porque haja real divergência, mas porque as experiências de vida e os pontos de vista são distintos, podemos perceber que a ação escolar ainda tem dificuldade em relativizar. Em muitos casos ainda se manifestam as tomadas de posição em que o professor ou a escola escolhem um lado. Normalmente o lado dos comportados contra os "peraltas".

Existe, para isso, solução? A resposta vai depender da capacidade que os integrantes do ambiente escolar tenham para não se envolverem com este ou aquele lado, com esta ou aquela situação, mas, tomando uma distância sejam capazes de promover a interação das situações ou dos grupos antagônicos. A postura poderia ser aquela a partir da qual se possa valorizar o diferente não por ser diferente, mas porque possui elementos prenhes de novas informações possibilitando novas aprendizagens.

Mas a dificuldade permanece não porque os envolvidos no processo formativo não queiram um ambiente escolar mais pacífico e integrado, mas porque esse grupo também forma um grupo em atrito. Pode até tomar uma posição favorável a este ou àquele grupo, mas o faz não como membros de grupos na busca da interatividade, mas como grupo dominante que deseja a submissão do "grupo rival" às normas estabelecidas.Esse grupo dominante tem resposta pronta a ser aplicada ao ambiente escolar. Dessa forma o grupo formador passa a exercer seu poder sobre os demais grupos, aliando-se a uns e silenciando aos outros pela aplicação das normas pré-estabelecidas pelo grupo dominante e representante do sistema.

Tendo isso presente podemos dizer que é difícil perceber uma postura relativista no ambiente escolar. Mesmo o professor, que normalmente está na linha de frente tanto do contato com os diferentes, como em contato com os atritos manifestados pelos grupos sobre os quais exerce seu poder de lente, apresenta-se aos estudantes como autoridade e é uma autoridade. Quando permanecem relações de superioridade e subalternidade permanece a diferença entre os grupos. Essa situação de superior x inferior é uma das que mais cria dificuldade a qualquer perspectiva relativisadora. Como estabelecer um contato de relatividade se o professor – ou a instituição escolar – precisa fazer valer alguns princípios desse grupo (escola ou professores) ou princípios já estabelecido para produzir um ambiente em que os diferentes sejam tratados a partir dos mesmos critérios?

Em tudo isso, se admitimos que o ambiente escolar também enfrenta os problemas do etnocentrismo, como entender, aí, a posição e a postura do professor?

Da mesma forma que no ambiente escolar deve haver uma constante vigilância no sentido de minimizar imposições etnocêntricas, criando um ambiente em que seja possível relações relativizadoras o professor deve se manter vigilante. Não se trata de negar os valores pelos quais a escola preza, mas de criar ambientes capazes de estabelecer diálogos em que os diferentes possam se manifestar em sua plenitude para, ao serem conhecidos, serem valorizados e a partir disso seja possível ocorrer os processos de aprendizado. Cabe ressaltar que é possível mais aprender com o diferente do que com o semelhante. Aquele a quem já conhecemos raramente nos trará novidades, pois faz parte do nosso cotidiano. Por sua vez o desconhecido ou o membro do outro grupo sempre tem algo que pode nos proporcionar algum aprendizado, pois não convive conosco no cotidiano, e, além disso, possui outras relações, outras informações, outras perspectivas a respeito da realidade e do mundo

A relação com o grupo de semelhantes nos ajuda a manter aquilo que já nos é próprio ou as categorias pertencentes ao nosso grupo. A relação com os semelhantes é uma relação de manutenção e preservação de valores e não a abertura de novos espaços e oportunidades. Exatamente o contrário é o que acontece na relação com o diferente ou o estranho: essa relação ocorre colocando em cheque os valores e saberes do grupo de semelhantes ao qual nós pertencemos. Além disso o outro coloca em cheque os nossos valores para que possamos nos pré-dispor ao novo. O processo de aprendizagem, assim como o processo de interação só tem perspectivas crescentes quando se consegue ultrapassar as próprias fronteiras, as posturas etnocêntricas, para nos lançar em direção de outros universos...

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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Autor: NERI P. CARNEIRO


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