Os Princípios do Arranjo Musical: Ferramenta de Auxílio na Performance



*Silas Azevedo Ribeiro

Resumo: A presente dissertação aborda a questão da performance musical de um músico vir a ser auxiliada pelo estudo do arranjo musical. Não estamos querendo dizer que todo músico necessariamente precise estudar as técnicas do arranjo musical para realizar uma boa performance. Queremos apenas expor que algumas das técnicas básicas necessárias para o estudo do arranjo, são também fundamentais para uma boa performance, como veremos a seguir. O músico quando iniciado no estudo do arranjo logo perceberá que sua performance terá que ir além de uma simples execução. O músico tem que ser um interprete. Ele deve conhecer os sons dos instrumentos.

Palavras chave: Arranjo musical. Performance. Interpretação. Execução.

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* Pós graduando em Especialização em Teoria e Prática de Interpretação Musical

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1.INTRODUÇÃO

A seguir veremos a diferença entre um executante e um interprete. Falaremos sobre erros de performance, aqueles que chegam a matar uma obra de arte. A partir do ponto de vista de um mestre da música, um verdadeiro artista: Igor Stravinsky. No capítulo conseguinte abordaremos sobre a performance musical, através das observações de Cavalieri França,Johson, Sloboda e Davidson. Discutiremos a importância da técnica e da musicalidade no momento da performance. Em seguida, falaremos sobre arranjos e o arranjador. O que é de praxe ao arranjador, coisas básicas que se deve saber para ser um arranjador. E algumas regras que devem ser seguidas na hora de se fazer um arranjo. O último capítulo faz um paralelo entre o arranjo na música erudita e o arranjo na música popular. Fala da diferença que se deve encontrar e o pensamento que se deve ter na hora de fazer um arranjo para música erudita, e para a música popular.

Essa pesquisa visa identificar,através desses temas que o princípio do estudo do arranjo musical serve como ferramenta para a performance, em outras palavras, ao conhecer os requisitos básicos para se tornar um arranjador, o músico melhorará sua performance devido a características que devem possuir em comum.Esse empreendimento que produz a questão central do trabalho.

2.O EXECUTANTE E O INTERPRETE

De acordo com Stravinsky1 existem dois tipos de músicos: o criador e o executante. Cabe ao executante, ao ler uma partitura, fazer soar a realização concreta dessa partitura. E por essa razão, diz Stravinsky, há muito poucos leitores de partitura orquestrais. Ao lado disso, tem o fato da linguagem musical ser limitada pela notação. A idéia de execução implica em uma estrita realização de um desejo explicito, e não contém nada além do que ele ordena especificamente. De um executante só podemos exigir a tradução em sons de uma determinada partitura. Ao passo que do interprete pode-se exigir além de uma execução perfeita, um amoroso cuidado, o que não significa uma recomposição. A idéia de interpretação são limitações impostas ao músico, ou aquelas que se impõe a si mesmo em sua função própria, que é a de transmitir música ao ouvinte. Então podemos concluir que para sermos interpretes temos necessariamente, antes de tudo, ser dono de uma execução impecável. Essa submissão e essa cultura que são exigidas do criador, do arranjador, e também, do interprete para o sucesso da performance.

Stravinsky afirma que é o conflito desses dois princípios – execução e interpretação – que está na raiz de todos os erros, de todos os pecados, de todas as incompreensões que se interpõem entre a obra musical e o ouvinte, impedindo uma transmissão fiel da sua mensagem. Na verdade, todo interprete é um executante, porém, nem todo executante é um interprete. Para algumas pessoas pode até ser que a música

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1 Stravinsk (1996, p.112)

escrita passe uma impressão de que relate facilmente e fielmente a vontade do compositor. No entanto, por mais cuidado que se tome para salvaguardar a integridade da notação, ela sempre irá conter elementos ocultos, que escapam a uma definição precisa. Para Stravinsky a realização desses elementos se dá através de muita experiência e intuição, pois, caso ao contrário o compositor corre o risco de ter sua intenção traída, e pode acontecer que a obra se torne irreconhecível em determinadas ocasiões.

3.A PERFORMANCE

Maria Cecília Cavalieri França2 fala que podemos delinear tanto o fazer musical, quanto o desenvolvimento musical como ocorrendo em duas dimensões complementares: a compreensão musical e a técnica. Como sabemos, para uma performance impecável precisa-se de técnica para execução e interpretação. Quando mencionamos a palavra técnica estamos nos referindo não só a habilidades mecânicas, mas também a uma competência funcional necessária para a realização de atividades musicais específicas, como afirma Cecília. Entretanto, pensar que músicos são feitos apenas de técnica distorce a própria essência da musicalidade.

De acordo com Johson3, o que faz uma performance excitante ou

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2 França (2000)

3 Johnson(1997, p. 272, 275)

comovente é o transcender da técnica, o transcender das notas da partitura. Sloboda e Davidson4 dizem que a técnica garante exatidão, fluência, velocidade, controle da afinação, equilíbrio do som e do timbre. Mas por si só não garantem a expressividade da performance. Muitos autores como Cavalieri, Sloboda e Davidson, garantem que o diferencial em uma performance é a capacidade de destacar cadências, e pontos culminantes nas frases. Estes que são aparentes em sutis microvariações de agógicas, dinâmica, articulação, afinação e timbre. Quanto à expressividade sua própria estrutura interna a sugere, como disse Sloboda5.

4.ARRANJO E O ARRANJADOR

O arranjador deve ser um músico especializado e experiente. Pois o estudo do arranjo musical exigirá dele uma extensa bagagem musical. Para-se fazer um bom arranjo é necessário um grande conhecimento musical, pois esta atividade engloba muitos elementos diferentes. Para alcançar os objetivos de um bom arranjo, o músico deve dominar aspectos como: criação da base rítmica, contracantos e linhas de baixo (acompanhamento harmônico de base); a criação da base rítmica deve utilizar a métrica

e variações de ritmo, tais como a síncope, que caracterizam cada estilo. Deve-se ter cuidado com a instrumentação, pois um arranjo para flauta é diferente de um arranjo

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4Sloboda e Davidson (1996, p.173)

5 Sloboda (1994, p.154)

para piano, ou violão, que por sua vez é completamente diferente de um arranjo para orquestra.

O resultado obtido por cada formação é muito diferente e o arranjador deve conhecer e valorizar as virtudes de cada instrumento. Portanto, o arranjador deve estar preparado a fim de escrever para o maior número de instrumentos possíveis. Para isso deve-se conhecer suas respectivas extensões, seus timbres, tessituras, suas claves e a utilização dessas qualidades na linguagem de cada estilo.

Enfim, conhecer suas capacidades e limitações. Existem muitos outros aspectos que devem ser conhecidos pelo arranjador como:estilo, dinâmica, variações de andamento, expressão e outras instruções para os executantes; estruturação da peça, criação de seções de introdução, interlúdio e coda e repetições das seções principais e refrões, quando existentes.

Arranjo: Transporte de uma obra musical para outro destino. Redução de uma partitura de coro ou orquestra para o piano ou qualquer outro instrumento. Transformação de uma composição a fim de torná-la acessível a outras categorias de executantes, ou torná-la de acordo com as normas modernas da música." (Aragão, 2001, p.14)

Aragão (2001, p.15), na mesma revista, assinala interessante definição: "Podem ser consideradas como sinônimos de arranjo as expressões adaptação e transcrição". O arranjo pode incluir, também, o planejamento de momentos específicos na música para a improvisação instrumental ou vocal. Através dele usa-se as técnicas de rítmica, harmonia e contraponto para reorganizar a estrutura da peça de acordo com as habilidades dos músicos e os recursos disponíveis. Mas a finalidade de se fazer um arranjo pode ser inúmeras, e objetivos estéticos e os conceitos de belo ou agradável não podem ser objetivamente definidos. Pode servir para criar um contraste, não necessariamente mais belo, por exemplo, cenas de terror e suspense precisam de trilhas sonoras que causem um certo desconforto, dentre muitos outros exemplos.

Se o arranjador for dotado de uma impecável performance obterá êxito em seu arranjo. Relembrando o que dissemos anteriormente, para adquirirmos uma boa performance é necessário, em primeiro lugar, uma execução impecável – o domínio da técnica traz muita liberdade ao músico, pois ele se liberta das notas da partitura. Desta maneira fica mais fácil transcender a técnica. Em seguida muita prática, experiência e intuição.

Assim como um arranjo, ou uma adaptação começa com a melodia principal o arranjador deve automaticamente perceber a harmonia para poder acompanhá-la, pois ela caminha de acordo com a melodia.

Fazer um arranjo implica em preparar uma composição musical para a execução por um grupo específico. Este grupo pode ser tanto de vozes quanto de instrumentos musicais. O ideal é que façamos o arranjo de modo próprio, ele deve estar adaptado de acordo com o nível musical do grupo. Para isso o arranjador tem que conhecer o grupo, seus pontos fracos e fortes. Resumindo, temos que ter claramente na cabeça "para quem" está direcionado o arranjo. Josué Avelino em sua feliz afirmação disse que conhecer a capacidade técnica de quem irá tocar o arranjo, trará ao arranjador uma melhor percepção do que se pode escrever em relação à tonalidade, ao fraseado, aos ornamentos, ao grau de dificuldade de interpretação e todos os fundamentos que poderão enriquecer e embelezar o arranjo.

Outra coisa importante, citada por Josué Avelino, é que o músico saiba sobre encadeamento de acordes, pois assim é possível que se façam as inversões nos momentos certos.

Portanto, concluimos que o princípio do estudo do arranjo musical é muito além do que mero auxiliador da performance. Uma vez que para ser um arranjador é necessário ter muito mais do que uma boa performance.

O ARRANJO NA MÚSICA ERUDITA E NA MÚSICA POPULAR

Na música erudita tradicional o arranjo é menos flexível do que na música popular. Na música popular, geralmente, o compositor escreve canções com uma melodia básica e o acompanhamento rítmico/harmônico de um único instrumento (em geral piano ou guitarra). Conseguinte seu trabalho será de expandir a música para um conjunto mais abranjente, prover as partes complementares, como as linhas de baixo e ritmos, acrescentar solos e contracantos e preparar a música para a instrumentação desejada. É comum, por exemplo, que um grupo musical possua arranjos diferentes da mesma canção para gravação, execução ao vivo em teatros ou execução em grandes espaços, como estádios. O arranjo, na música popular, fez com que a música ficasse mais atraente para o público pelo swing e as diversas interpretações.

Parecia imprescindível a transformação da música popular em um produto palatável ao gosto de um público mais amplo, formador do mercado consumidor. É justamente nessa transformação que o arranjo desponta como atividade essencial para a indústria, enquanto possibilidade de "disciplinar" e revestir os sons populares. (Aragão, 2001, p.28)

Tornou-se comum também as execuções de música popular com instrumentação acústica ou com acompanhamento orquestral. Em gêneros como o jazz ou o choro, onde a improvisação é mais comum o arranjo fornece a estrutura temática e harmônica básica, deixando espaço para seções de improvisação. No jazz o arranjador também pode acrescentar material original ou citações de outras músicas, fazendo com que cada execução da mesma canção se torne um trabalho de múltiplos autores. Hoje em dia o arranjador pode acumular o papel de produtor musical e engenheiro de som e trabalhar na gravação das canções de um álbum ou na definição da forma que uma música terá em uma execução ao vivo.

Na música erudita o arranjo envolve a mudanças de instrumentação: transposição das notas e a adaptação da tessitura de cada instrumento tocado, assim também como a instrução na partitura quanto a técnica para se tocar a obra em questão. O arranjador erudito deve ter muito cuidado para preservar as características da composição original em uma nova instrumentação, isso exige um grande conhecimento da técnica e da extensão de cada instrumento. Uma das formas mais comuns de arranjo erudito é a redução da instrumentação. Peças compostas para orquestra podem ser reduzidas para a execução por grupos de câmara, por exemplo. Bach também usou concertos escritos por ele próprio para arranjá-lo para outros instrumentos. Isto foi, por muitos anos, algo muito praticado visto a falta de tempo dos compositores. Freqüentemente não usavam temas originais, mas sim temas pré-existentes para transformá-los numa nova obra, o que não passava de um arranjo musical. Assim como uma peça para orquestra pode ser reduzida, usa-se também o contrário: peças compostas para piano ou para instrumento solo, por exemplo, podem ser expandidos para serem executados por grandes orquestras ou corais.

Há muitas outras formas de arranjo como, por exemplo, é bastante comum que os compositores eruditos utilizem temas populares ou folclóricos e os apresentem com "roupagem" erudita. Esta prática teve grande expressão no "nacionalismo", movimento típico do final do período romântico e do modernismo.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GARCIA, Russ. The Professional Arranger Composer: Book1. TX USA. Ed. Criterion Music Corporation, 1954. ISBN 0910468052

GUEST, Ian. Arranjo - Método prático. (3 volumes), 1996. Rio de Janeiro, Ed. Lumiar. ISBN 85-85426-31-4.

FRANÇA, Cecília Cavalieri. A natureza da performance instrumental e sua avaliação no vestibular de música. Belo Horizonte: Escola de música da UFMG, 2000.

FRANÇA, Cecília Cavalieri. Performance instrumental e educação musical... Per Musi. Belo Horizonte, v.1, 2000. p. 52-62

STRAVINSKY, Igor. Poética musical (em 6 lições).Rio de Janeiro, Ed. Jorge Zahar, 1996.

JOHNSON, Peter. Performance as Experience: the problem of assessment criteria. British Journal of Music Education, v.14, n.3, p. 271 - 282, 1997.

MICHAELS, Mark. The Billboard Book of Rock Arranging. Publisher: Billboard Books (May 1990) ISBN 0823075370. 190 pages

SLOBODA, John. Music Performance: Expression and the Development of Excellence. In: AIELLO, Rita e SLOBODA, John (eds). Musical Perceptions. New York: Oxford University Press, 1994.

SLOBODA, John e DAVIDSON, Jane.The young performing musician. In Deliege, Ireneand Sloboda, John (eds). Musical Beginnings: Origins and Development of Musical Competence. New York: Oxford University Press, 1996.


Autor: Silas Ribeiro


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