Amor e Saudade



O amor é como a saudade. Os dois se misturam. É difícil determinar a linha tênue que separa um do outro. Quando o sentimento de amor é pleno, compartilhado, não há vazio, mas quando o menor vazio desse sentimento começa a se instalar ou se instalou de vez para explicar este sentimento alguém inventou a palavra “saudade”.

Saudade poderia ser explicada como a "falta de alguma coisa boa", de uma coisa ou alguém que nos faz bem, pois é certo que não sentimos saudades de coisas ruins. Arriscaria até a dizer que saudade é a aglutinação de duas palavras: "Saúde + Idade", onde saúde seria uma condição de bem-aventurança e idade seria um tempo qualquer no espaço de nossas vidas, em que essa bem-aventurança esteve presente.

A saudade, como já disse, é proveniente de coisas boas da vida e sendo assim, se apresenta em nossa mente como um período de nossas vidas que foi bom. Saudade sempre está relacionada ao amor ou a uma coisa que nos fez bem. Amor a uma pessoa, amor a alguma atividade, a um animal, enfim, a uma situação de amor na acepção da palavra. Mesmo que nunca tenhamos sentido o amor a nada, quando este sentimento de nostalgia, de lembranças boas nos chegam, já sabemos que é saudade.

Saudade é como um vazio que precisa ser preenchido, mas, muitas vezes, por várias circunstâncias, não conseguimos. Saudade é o vazio de alguma coisa que deveria estar ali e não está. Quando encontramos alguém que gostamos, que nos encanta já no primeiro olhar, no primeiro sentir, dois segundos após o afastamento, após a despedida, a saudade se instala e esse espaço, que ficou cheio com a presença dessa pessoa, como num passe de mágica se torna vazio como antes do primeiro olhar, situação essa nem sabida antes. Muitas vezes, nem tínhamos consciência de que era um vazio, pois o amor somente se instala nas lacunas do nosso coração, lacunas essas que nem imaginávamos existir.

Quando isso acontece ou percebemos que aconteceu, o processo do amor passa por várias fases. A primeira delas é a sensação inquietante que de nós se apodera. Desde o momento da percepção de que um sentimento de amor, paixão, ternura por alguém se apoderou de nosso corpo, da nossa alma em nossa mente, ficamos ansiosos, perdemos o ritmo, perdemos a concentração nas coisas do dia-a-dia. Entramos facilmente em devaneios e ensaiamos, dia após dia, um jeito de nos declarar. Os dias demoram a passar e até passamos noites sem dormir e, se dormimos, acordamos várias vezes no meio da noite, às vezes até sobressaltados, suando frio. Temos pesadelos até.

Aí, viramos uma espécie de detetives em causa própria para descobrir os hábitos da pessoa que agora é o motivo desta nossa erupção interna e assim ficamos até chegar um momento favorável de externar esse sentimento. Muitas vezes parece que esse momento nunca chega, principalmente para as pessoas mais tímidas. Mas ele chega, sempre chega, pois mesmo os mais tímidos treinam muito e assim, sem o saber, estão conspirando para que isso aconteça. E vem a declaração. A declaração de amor! Tímida, sofrida, engasgada, espontânea, natural, cada um ao seu jeito, mas ela acontece.

Declarado esse amor, vem outra fase inquietante: A fase da expectativa de ser correspondido. Aliás, sempre queremos, almejamos essa correspondência. Queremos ser aceitos. Para muitos, um "não" nesta hora pode ser fatal. Mas pior que a convicção do "não" é a incerteza do "talvez" ou a desilusão do "quase". É o "quase" que incomoda, que entristece, que quase mata, trazendo à nossa mente tudo que já sonhamos, planejamos, imaginamos. Será que vai dar certo? Será que não? O “quase” é tudo o quê poderia ter sido e não foi. Um dia, certamente lembraremos e sentiremos saudade desse "quase foi" ou “quase deu certo”, mas se houve a aceitação nos alegramos. Ah! Nosso coração entra em festa!

Depois da aceitação, vem a fase não tão inquietante do compartilhar, do "ver se dá certo", do namoro, da convivência, dos compromissos assumidos, enfim, não importa a ordem nas fases desse processo. O que cabe salientar é que todas elas estão repletas de inquietações e, principalmente, de saudade. Poderia até dizer de "saudades", mas dizem alguns literatos que a nossa língua não admite plural para o verbete. Permitido ou não, faço uso de licença poética para usar saudade no plural, pois são muitos os momentos de nossas vidas que sentimos saudades. Aceitos, namoramos, noivamos, até casamos, mas um dia, separamos.

Sendo assim, seria correto dizer que não amamos mais? - Será que não amamos o suficiente para que tudo fosse eterno como se pretendeu desde o início? - É muito difícil explicar tudo isso, mas a verdade é que quem quase amou não amou o suficiente para tudo ter sido apenas um "quase".

Durante o período de aceitação vivemos a inquietação e a saudade do beijo da manhã já nas horas seguintes. A saudade do toque da noite, já ao amanhecer e que vai se perdurar até o novo encontro, à noite, talvez.

A saudade vem do que foi e já não vem ou não é mais; do que poderia ter sido melhor e é desta forma que a saudade vai se construindo. Ela vem da "falta" daquilo de bom que tivemos... Dos nossos espaços internos que, por qualquer motivo, já não são mais preenchidos e ficaram vazios. A saudade é um vazio que foi preenchido por momentos bons, breves ou não, que ora está vazio.

O grande problema é que o amor quando acontece é sem aviso... Não esperamos... Somos pegos desprevenidos... De calças curtas. É uma festa surpresa, mas não estamos em trajes apropriados. Geralmente estamos completamente desarmados, abertos, por isso ele chega e se instala e não adianta dizer que não. Não temos domínio sobre o nosso coração.

Às vezes, parece golpe baixo, pois nos apaixonamos por alguém muito diferente da gente, ou alguém que não pode ou que não está disponível. Pode acontecer de que esse alguém até se apaixone por nós, com a mesma ou até maior intensidade, mas ele já tem outro alguém, ou tem impedimentos, ou simplesmente não quer por medo. Possui vínculos difíceis de serem quebrados. São várias situações que podem ser extremamente favoráveis ou desfavoráveis e, geralmente, pesam mais as desfavoráveis.

Alguns já me perguntaram: - Porque que todo amor de verdade tem que ter um impedimento pra se tornar impossível ou quando possível tem que criar impedimentos? Porque que todo amor pra se tornar possível, tem que provar que é um amor de verdade? Mas como provar que esse amor de verdade? Como saber que esse amor não é um amor de verdade?

Muitas destas perguntas nem sabemos como responder, mas é certo que:

Quem ama sente ciúmes (muito ou pouco, não importa), mas sente sim. Quem deixou de amar já não se importa e deixa o outro totalmente à vontade, livre. Age assim para que ele próprio possa estar assim também, livre para fazer o que quiser sem ter que dar satisfações.

Quem ama, vez por outra dá uma patrulhada no território e delimita as suas fronteiras. Quem deixou de amar já não fiscaliza, é frio, controlado. Tem atitudes tipo "não tô nem aí".

Quem ama sempre acha tempo e encontra um jeitinho para estar, ficar o maior tempo possível com seu amor. Quem deixou de amar vai postergando sem pressa. Fica esperando que o vento sopre a seu favor. A grande questão é que nenhum vento sopra a favor de quem não sabe o que quer.

Quem ama faz perguntas pessoais, usa o pronome "nós". Quem deixou de amar conversa banalidades e esquece o significado do advérbio "a sós". Deixa tudo ao acaso.

Quem ama quer saber da vida do outro com detalhes e transparência. Quem deixou de amar se esquiva de ser transparente e também não cobra mais nada do outro, nem ao menos coerência e se enfurece se for cobrado. Senão se enfurece, usa de ironias, de sarcasmo ou responde com outras perguntas, quando perguntado.

Quem ama é pródigo em e-mails, telefonemas, recadinhos, bilhetinhos e, com muito carinho, sempre dá um jeitinho de marcar presença na vida do outro. Quem deixou de amar é pródigo em desculpas, pretextos com os quais passa um verniz para disfarçar a sua indiferença.

Quem ama é naturalmente fiel e está sempre voltado às necessidades do outro ser. Age assim por que sabe que é importante na vida do outro. Quem deixou de amar só é fiel a si próprio, ao seu bem estar e já não percebe os danos que causa, querendo ou sem querer.

Quem ama, mas não pode corresponder por imperativos das circunstâncias, abre o jogo e usa de sinceridade. Quem deixou de amar justifica suas impossibilidades com impossibilidades que não convencem, mas não descarta o outro do baralho, deixa-o na dúvida, para o caso de uma eventualidade.

Será que neste momento você ama ou deixou de amar? - Será que devo te querer ou te deixar? Se ainda me amas, sabes que providências deverá tomar? - E se já não ama, com certeza irás se calar ou dirás: - Face ao exposto, nada tenho a declarar! Cale a boca! Vá se catar! Não quero discutir! Chega! Fui!

Quando nos permitimos a tudo isto ou quando fazemos de tudo para tentar justificar a falta de atenção, de carinho, de presença é um bom sinal de que o nosso amor à outra pessoa já não é tão suficientemente forte ou até nem existe mais. Assim, tudo não passará de uma máscara para ocultar a verdade, para mascarar uma arma que, convenientemente, preferimos não a usar para não ferirmos o outro, sem nos darmos conta de que já o ferimos. Geralmente pedimos tempo, para dizer adeus em doses homeopáticas. Aí, mais uma vez a saudade se instala no coração dos que esperam uma coisa que é certa que não mais virá.

Mas lembremos sempre que tudo isso faz parte dos amores bem sucedidos e mal sucedidos e que um romance, cujo fim foi instantâneo ou indolor pra uma das partes ou pra ambos, não foi romance, foi apenas uma ilusão. Alguém se iludiu ou foi iludido ou ambos se iludiram. Não passou de uma aventura, uma farra de corpos ou de corações ou no coração de alguém, mas não importa o que foi, por que, em alguém, a saudade vai se instalar de forma profunda. Se tudo isso não deixou nem saudade pelo menos numa das partes, não valeu à pena. Não deviam nem ter começado nada.

Por isso, não devemos permitir que a saudade sufoque-nos, que a rotina acomode-nos, principalmente que o medo nos impeça de tentar. Desconfiemos sempre do destino, de modelos concebidos por outros e acreditemos mais em nós mesmos. Gastemos mais horas realizando que sonhando. Usemos mais horas amando que esperando condições favoráveis para amar. Passemos mais horas vivendo que esperando, senão, morreremos ainda em vida. Quem quase morre, ainda está vivo e pode renascer pra uma vida melhor, mas, quem quase vive, já morreu.

“Faça sua ausência ser suficientemente forte para que alguém sinta saudade, mas cuide para que esta ausência não seja tão longa a ponto desse alguém descobrir que pode viver sem você”. [Alexandre Dumas].

Luiz Antonio Schimanski
06/10/2003
Autor: Luiz Antonio Schimanski


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