A Contribuição da Robótica para o Desenvolvimento das Competências Cognitivas Superiores, no Contexto dos Projetos de Trabalho



1INTRODUÇÃO

1.1Apresentação do Tema

O tema "A contribuição da Robótica para o desenvolvimento das competências cognitivas superiores, no contexto dos Projetos de Trabalho" surgiu no decorrer de meu trabalho com alunos de Ensino Fundamental, no Colégio Santo Inácio, iniciado no ano de 2004.

Esta monografia se constituiu em uma pesquisa bibliográfica desenvolvida com base em material já elaborado, composto principalmente de livros e artigos científicos, visando buscar fundamentações teóricas para compreender melhor o processo de ensino-aprendizagem no ambiente de robótica educacional.

O curso de robótica do Colégio Santo Inácio existe há seis anos, sendo repensado e avaliado a cada ano de experiência do curso. Atualmente o curso de robótica está dividido em duas modalidades: robótica com Lego para os alunos das séries iniciais e mecatrônica para os alunos de séries intermediárias.

Toda a concepção e estruturação do curso vêm sendo feita pela equipe de professores de robótica do Colégio. Assim, minha entrada no curso não foi somente para ministrar aulas, mas para contribuir no repensar e replanejar do curso de robótica, baseado na experiência que tenho a respeito de eletrônica e de informática, embora não tenha ainda me formado em pedagogia.

O ano de 2004 foi um ano de muitas experiências e descobertas, pois é um desafio pensar a prática de um curso e suas significações à luz de teorias.

Através desta experiência, surgiram muitas questões a respeito da gestão do conhecimento e do desenvolvimento cognitivo dos alunos, proporcionado pelo curso de robótica. Comecei a conceber a robótica como uma prática de ensino, assim como a Informática Educativa, e não como um laboratório onde alunos constróem robôs fantásticos e aprendem somente conhecimentos de eletrônica e física.

Na verdade, muitos outros conhecimentos estão implícitos tais como: medidas de comprimento padrões (cm, mm), fenômenos de força, peso, etc.. . Todos estes conhecimentos foram desenvolvidos pela humanidade e são apreendidos de forma sistematizada na escola.

À medida que fui estabelecendo contato com diversos autores através da leitura de seus textos, principalmente Piaget, Vigotski e Papert, comecei a perceber a importância de relacionar os conteúdos aprendidos com a realidade vivida fora da escola.

Entendo a robótica como um ambiente capaz de proporcionar a aprendizagem de conhecimentos através da prática, da experiência e de desafios. Estes se fazem mais presentes à medida que a sociedade evolui em termos tecnológicos, sofrendo também, transformações culturais que são responsáveis pelo desencadeamento de novas formas de aprendizagem e produção do conhecimento humano.


1.2Contexto do problema

O século XX foi marcado por diversos avanços científicos e tecnológicos que, conseqüentemente, promoveram várias mudanças na sociedade. Uma das áreas mais impactadas por essas evoluções foi o sistema de produção da sociedade que, por meio do crescimento tecnológico, vai deixando de adotar o modelo de produção artesanal para o modelo de produção em massa.

A esse momento histórico foi dado o nome de Revolução Industrial, onde as fábricas começam a utilizar máquinas no sistema de produção. Esta atitude acarretou mudanças profundas que vão desde o sistema de produção ao sistema de consumo, e diretamente envolvendo o sistema de mão-de-obra.

Nesta época, a mão-de-obra não mais atendia à demanda do novo sistema de produção e foi preciso a formação de uma nova mão-de-obra que atendesse às novas necessidades.

Neste momento, a escola assume um papel fundamental de formar pessoas para esta nova sociedade e é neste ponto que se nota a primeira relação entre escola e tecnologia.

As necessidades do século passado eram diferentes das atuais, mas ao refletir sobre estas, percebemos que há uma necessidade de formação de mão-de-obra especializada nas áreas tecnológicas, pois as tecnologias continuaram a evoluir e a gerar demanda constante.

Ao destacar os impactos na educação, notamos que a escola sofre mudanças nas tendências de ensino. Se no começo a escola era o meio mais rápido de formação de pessoas que se relacionassem com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), hoje se pensa tecnologia na escola basicamente em duas formas: a capacitação de pessoas para o trabalho tecnológico e o uso de tecnologia para favorecer o processo de ensino - aprendizagem dos conhecimentos escolares. É nesta segunda forma de se pensar o uso da tecnologia que pautaremos o desenvolvimento deste trabalho.

A robótica deixa de ser meramente um conjunto de máquinas automatizadas que aceleram o sistema de produção e passa a ser considerada, também, instrumento de ensino na escola. Como base dessa reflexão, foi detalhado o projeto com robótica do Colégio Santo Inácio do Rio de Janeiro.

O curso de robótica com Lego utiliza kits de peças direcionados para trabalhos educacionais, fabricados pela empresa multinacional Lego.

O Grupo LEGO, com sede na Dinamarca, criou uma divisão educacional em 1980, que recebeu o nome de LEGO Educational Division. Fazer montagens com blocos motorizá-los e computadorizá-los não era suficiente. Era importante que se tirasse maior proveito em benefício de uma educação contextualizada. Assim surgiram os kits voltados para o público escolar (EDACOM, 2005).

O curso em foco, desenvolvido no Colégio Santo Inácio, tem o objetivo de iniciar o contato das crianças com as tecnologias e, através delas, proporcionar aprendizagens de conhecimentos para a formação de um indivíduo contextualizado, capaz de viver e atuar na atual sociedade marcada pelos grandes avanços tecnológicos.

Os kits são pensados por equipes de profissionais da Educação e contém em si um conjunto de concepções e práticas.

O conceito da LEGO Educational Division é baseado na filosofia de que a criança pode construir seu próprio conhecimento utilizando-se de recursos tecnológicos e guiando-se pelo método do Construcionismo, ou seja, o "aprender fazendo". Durante o aprendizado tecnológico, as diferenças individuais dos alunos são respeitadas, permitindo um aprendizado que sobrepõe o tradicional espaço entre "ganhadores" e "perdedores" dentro da sala de aula. Dessa forma, as aulas passam a ser mais interessantes, até mesmo aquelas mais difíceis, e o professor passa a ser um mediador entre eles (EDACOM, 2005).

O curso de mecatrônica do Colégio Santo Inácio tem como objetivo, proporcionar ao aluno a aprendizagem de conhecimentos que fazem parte do cotidiano escolar e de seu dia-a-dia através de desafios, elaboração de projetos, reflexões sobre as experiências vivenciadas. Estabelecendo relações com conhecimentos tecnológicos, físicos, químicos, matemáticos e outros que fazem parte da atualidade, sempre voltados para a formação do olhar científico.

Possibilitar ao aluno a construção de conhecimentos básicos de Eletrônica, Mecânica e Programação vivenciados no dia-a-dia, através do contato com novas tecnologias. Desenvolvimento da criatividade e da capacidade dos alunos na resolução de problemas também são objetivos do curso de mecatrônica. Ao final do curso, ocorre apresentação dos projetos desenvolvidos (COLÉGIO SANTO INÁCIO, 2004). Este curso utiliza como material para desenvolvimento dos projetos, sucatas de equipamentos, componentes eletrônicos e placas controladoras.

Todas as abordagens e desenvolvimentos encontrados neste trabalho têm como principal objetivo responder a seguinte questão: Quais são as contribuições da Robótica para o desenvolvimento das competências cognitivas superiores, no contexto dos Projetos de Trabalho?

1.3Justificativa

Os estudos sobre as tecnologias educacionais estão bastante difundidos e aprofundados. Seu crescimento nas escolas é notável, mas questionável com relação à sua aplicação. Para Litwin (1997, p. 131), "hoje encontramos utilizações equivocadas do desenvolvimento da tecnologia: adornos e pseudomodernizações". Podemos perceber que a utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) ainda faz parte de um contexto educacional privilegiado, sendo em grande maioria nas escolas privadas.

Apesar da implementação de recursos tecnológicos nas escolas, nas salas de aula, ou mesmo nas práticas de ensino, em alguns casos o processo de aprendizagem continua sendo através da transmissão dos conhecimentos e a tecnologia não passa de uma mera roupagem para o método tradicional de ensino. De acordo com a afirmação de Bustamante (1996, p.66):

nossa escola, esvaziada de ocasiões para pensar e perdida num verbalismo vazio, pode até mesmo utilizar a Informática Educativa dentro de antigos modelos. Mas acrescentará apenas uma nova tecnologia num ambiente pedagógico marcado por uma didática sem expressão.

Ou seja, para que a prática de ensino e a escola sejam significativas, para o processo de aprendizagem, não basta somente utilizar as TIC, mas cabe refletir sobre seus impactos e efeitos a partir de perspectivas construtivas.

A escola deve ser o espaço para formação de pessoas com novas competências. Sendo a tecnologia um marco revolucionário em nossos tempos, destaca-se a importância da inserção da robótica na escola, não apenas como "robótica técnica e sim uma robótica a serviço da educação em que os alunos participam do processo de construção, montagem, automação e controle dos dispositivos" (D'ABREU, 2003, p.138). Projetos de robótica a favor da construção de ambientes de ensino que promovam a construção de conhecimentos através do desenvolvimento de projetos poderão contribuir para a formação das competências para atuar na sociedade em que vive e não exclusivamente na escola.

No âmbito educacional, a robótica é recente e são poucas as escolas que utilizam este recurso tecnológico. Por meio de algumas pesquisas, reportagens e estudos isolados percebem-se os efeitos positivos proporcionados ao processo de aprendizagem. Segundo Chella (2002, p.8):

o desenvolvimento do Ambiente de Robótica Educacional (ARE) foi fundamentado em princípios derivados da teoria de Piaget (1966) sobre o desenvolvimento cognitivo e revisados por Seymour Papert (1985). Estas teorias sugerem que o centro do processo relacionado ao aprendizado é a participação ativa do aprendiz que amplia seus conhecimentos por meio da construção e manipulação de objetos significativos para o próprio aprendiz e a comunidade que o cerca.

A robótica, assim como as tecnologias educacionais em geral, não tem em si própria o poder da construção dos conhecimentos, e sim o potencial para tal, porque fazem parte do contexto de vida das pessoas.

Assim sendo, é necessário aprofundar os estudos sobre este recurso para que sejam exploradas ao máximo as riquezas deste ambiente, que contribui para a formação de novas competências, aqui entendidas como a "capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles" (PERRENOUD, 1999, p.7).

Este estudo se justifica, tendo em vista que, embora as tecnologias educacionais e este tema sejam difundidos no meio acadêmico, a robótica educacional ainda é uma área de estudo recente, sendo poucos os autores que tratam diretamente deste assunto.

1.4Objetivos e questões

Este trabalho científico procurou alcançar, no decorrer de seu desenvolvimento, os seguintes objetivos: a) apresentar o contexto nacional e internacional que explica o surgimento da robótica; b) identificar as concepções sobre robótica presentes no campo da Educação; c) analisar as propostas dos PCN sobre a área de Ciência e Tecnologia; d) caracterizar desenvolvimento a partir das contribuições de Piaget, Vigotski e Papert; e) identificar as novas propostas metodológicas apresentadas na literatura como as mais adequadas para o ensino na atualidade: projetos de trabalho; f) relacionar pedagogia de projetos ao ensino de robótica; g) refletir sobre as contribuições da Robótica para o desenvolvimento das competências cognitivas superiores, no contexto dos projetos de trabalho.

As questões norteadoras propostas foram: a) o que explica o surgimento da robótica dentro dos contextos nacional e internacional? b) quais são as concepções sobre robótica presentes no campo da Educação? c) quais as propostas dos PCN sobre a área de Ciência e Tecnologia? d) qual é a concepção de desenvolvimento para Piaget, Vygotsky e Papert? e) quais são as novas propostas metodológicas apresentadas na literatura como as mais adequadas para o ensino na atualidade? f) qual a relação da pedagogia de projetos com o ensino de robótica? g) quais são as contribuições da Robótica para o desenvolvimento das competências cognitivas superiores, no contexto dos projetos de trabalho.


1.5Fundamentação teórico-metodológicA

A presente monografia envolveu a realização de uma pesquisa teórica, que analisou dados obtidos através de uma documentação indireta. Utilizou-se fontes secundárias, como as publicações que abordam a contribuição da robótica para o desenvolvimento das competências cognitivas superiores, no contexto dos projetos de trabalho.

Para discutir o conceito de robótica educacional abordamos: Valente (2003), D'Abreu (1999) e Chella (2002); para conceituar projetos de trabalho utilizarei Hernández (1998); para estudar sobre as competências me basearei em Perrenoud (1999) e Alarcão (2003); para compreender o conceito de desenvolvimento cognitivo e construção do conhecimento, os autores estudados foram Piaget (1998), Vigotski (1993), Papert (1994), Coll (1994, 1999) e Frawley (2000); para analisar as considerações sobre a importância da utilização de novas tecnologias na escola, encontramos referências nos PCN de ciências BRASIL (1997).

As abordagens sobre robótica, como recurso tecnológico educacional, são muito recentes. Por isso recorremos a autores que não abordam diretamente o assunto, tais como: Litwin (1997) e Ferretti (1994).


1.6Contribuição e relevância da pesquisa

Esta monografia busca contribuir para uma reflexão sobre as contribuições da robótica para o desenvolvimento cognitivo superior, no contexto dos projetos de trabalho. Possibilitou a discussão sobre a real contribuição da utilização de um projeto tecnológico em um contexto educacional, relevando seus benefícios para os processos de aprendizagem e desenvolvimento no cotidiano dos alunos.

Além disso, espera contribuir para a disseminação da robótica, proposta muito recente e pouco difundida nas escolas, mas capaz de favorecer aprendizagens significativas e o desenvolvimento cognitivo.


2O surgimento de novos ambientes de aprendizagem baseados em tecnologias frente às novas exigências da sociedade

2.1 A sociedade e as competências exigidas por um novo paradigma

Atualmente, vivemos em uma sociedade onde todos são atingidos direto ou indiretamente pelas TIC, seja no banco, em casa, no trabalho ou mesmo nos modos mais simples de vivência. Esta característica da tecnologia influencia na forma de vida das pessoas ao passo que exige novas competências cognitivas. De acordo com Castro (1996, s/p):

assistimos nos tempos atuais uma profunda mudança na sociedade, onde o progresso tecnológico, a globalização, a urbanização, as polarizações e as novas dimensões do Estado, delineiam um novo espaço de ação. Saímos da era industrial para a era da informação proporcionando um novo redesenho dos comportamentos e valores sociais.

Assim, esta sociedade proclamada como da informação e do conhecimento exige novas competências dos indivíduos, que devem estar contextualizados não só do ponto de vista tecnológico, mas também com relação às formas de pensamento, ou melhor, competências cognitivas que os tornam ativos.

Para Alarcão (2003, p.20) "ter competência é saber mobilizar os saberes. A competência não existe, portanto, sem os conhecimentos", e considerando que informação não é conhecimento, mas todo conhecimento parte da relação de informações, nos remetemos a seguinte questão: será que a escola tem formado pessoas para atuar nesta sociedade do conhecimento, da informação e da aprendizagem?

As transformações na sociedade requerem uma rápida e flexível mobilização dos conhecimentos e sua utilização de forma competente que só é possível se tiver ocorrido uma formação neste sentido (ALARCÃO, 2003). Saber agir e atuar de forma correta e coerente frente a novas situações impostas pela sociedade se torna uma competência que não é inata ao indivíduo social, mas deve ser formada no decorrer de seu desenvolvimento.

Portanto, cabe a escola formar e desenvolver estas novas competências exigidas pela sociedade do conhecimento que tem como viés as tecnologias influenciando também as transformações nos mundos econômicos e sociais. Assim, afirmado por Castro (1996, s/p):

neste contexto o conhecimento, matéria prima da educação, torna-se um recurso estratégico para o desenvolvimento e o mundo da educação não pode se isolar dos processos de transformação econômica e social, como também, não pode deixar de incorporar, no sistema educacional, os novos recursos tecnológicos disponíveis.

Com as novas exigências da sociedade, não mais se querem no mercado de trabalho pessoas que somente operacionalizem sistemas tecnológicos, mas precisa-se de pessoas que reflitam sobre suas atitudes e, tenham capacidade de se desenvolverem em meio à evolução tecnológica. Assim, também são alterados os modelos de produção que exigem também um novo trabalhador, o qual, mais do que saber operacionalizar máquinas será preciso gerir múltiplas informações e conhecimentos.

Neste sentido, Ferretti (1994) afirma que, com a elevação das exigências colocadas pela implementação de novas tecnologias no mundo do trabalho, somente a educação tem condições de desenvolver as novas capacidades exigidas deste novo trabalho e com isso, a educação ganha uma nova dimensão e tende a conduzir o indivíduo para uma formação plena das faculdades espirituais – intelectuais. Cada vez se torna menos importante a necessidade de trabalhadores com habilidades específicas de uma determinada profissão. É claro que este fato não extingue a mão-de-obra técnica, mas a tendência é que a escola priorize a formação de pessoas flexíveis do ponto de vista operacional.

O surgimento de novas tecnologias gera mais que revoluções na indústria ou nas condições de vida das pessoas pelo fato de influenciarem também nas estruturas do pensamento e de produção do conhecimento. Estamos vivendo aquilo que alguns chamam de era da revolução da informática sendo uma de suas características a transferência das próprias operações intelectuais para as máquinas (FERRETTI, 1994). Basicamente, a possibilidade de contato com maior volume de informações e a realização de múltiplas tarefas são algumas das características da informática que, conseqüentemente, geram novas demandas para os seres humanos.

Em busca de formar pessoas para atender a estas demandas, a robótica educacional tem sido um dos ambientes pesquisados e implementados nas universidades e escolas, com objetivos cada vez mais amplos, a fim de possibilitar aos alunos o desenvolvimento destas competências. Este ambiente de aprendizagem tem sido cada vez mais reconhecido pelo campo da educação.


2.2A robótica educacional: ambiente de aprendizagem em busca do desenvolvimento de novas competências

A robótica educacional ou robótica pedagógica tem como principal objetivo proporcionar um ambiente de aprendizagem, no qual seus objetivos são totalmente diferenciados da robótica industrial, que possui objetivos mais específicos para os níveis técnico-industriais.

A robótica educacional surge como reflexo de uma exigência desta nova era que faz com que se tenham na escola, novos espaços além da sala de aula, nos quais, possam ser vivenciadas experiências práticas contextualizadas, ou seja, contextos tecnológicos que promovam a formação de novas competências cognitivas.

Gerir e transformar informações em conhecimentos pertinentes são competências exigidas pela sociedade em que vivemos e também as atividades de planejar, projetar e criar estão presentes em todos os campos das atividades humanas (CHELLA, 2002). A criação de projetos na robótica pode contribuir para criação destas novas competências, pois a partir de seus princípios fundamentais, possibilita ao aluno, planejar, projetar, criar/desenvolver, avaliar, refazer e contemplar.

A robótica contribui para formação de novas competências por promover o contato direto com as ciências tecnológicas atuais, permitindo sua construção ou desconstrução, não somente no sentido concreto, mas também intelectual pelo fato de compreender conhecimentos criados pelo ser humano (CHELLA, 2002).

Dentro do contexto escolar, sendo concebida como uma tecnologia educacional, a robótica pode ser capaz de contribuir para esta formação porque traz para a ação prática do aluno conhecimentos que antes só eram aprendidos através de escritos em quadros negros ou em livros. As ciências matemáticas, geométricas, físicas, químicas ganham funções conjuntas e reais que se materializam em objetos construídos ao longo de um processo duradouro. Segundo Chella (2002, p.1):

analisando o ensino tradicional verifica-se que a preocupação maior está na apresentação de conceitos contidos em um currículo. Esse enfoque curricular provoca um distanciamento entre o que é ensinado e a realidade dos fenômenos físicos, biológicos e sociais em que o aprendiz está inserido.

Abordar o conceito de competência na robótica educacional, não significa se opor aos outros modos de ensino ou mesmo se contrapor o tradicional quadro negro e o giz. A concepção de competências dentro de um ambiente tecnológico educacional como a robótica, aproxima a teoria da prática, o abstrato do concreto. Seria impossível criar qualquer robô ou máquina sem que haja a busca pelos conhecimentos já construídos por outras gerações. É como criar uma roda sem aprender como a roda foi feita, e na verdade se este processo de busca para solucionar um desafio não existisse, seria como reinventar a roda, talvez levasse muito tempo para construir algo que já existe.

A robótica proporciona a busca por informações existentes, seja na internet ou em livros, para que através de um processo de seleção e aplicação destas informações sejam discernidas quais foram as adequadas/pertinentes com o tema a ser investigado. Este processo poderá contribuir para a construção de conhecimentos significativos. É um exercício que leva ao desenvolvimento de competências que antes seriam impossíveis de serem experimentadas, simuladas e testadas somente através do quadro. Para Valente (1996, p.12):

o processo de achar e corrigir o erro constitui uma oportunidade única para o aluno usar e testar ou aprender tanto os conceitos envolvidos na solução do problema quanto às estratégias de resolução de problemas.

O triângulo didático entre professor-aluno-saber se mantém dentro da proposta da robótica, sendo que os papéis são alterados de modo que o professor não é um mero detentor do saber e o aluno um receptor de conhecimentos e sim o professor é um mediador que coordena, junto ao aluno, o processo de busca de informações e a construção de conhecimentos. Para Alarcão (2003, p.30) "criar, estruturar e dinamizar situações de aprendizagem e a autoconfiança nas capacidades individuais para aprender são competências que o professor de hoje tem de desenvolver". Percebe-se que o papel do professor é fundamental neste processo ousado, visto pela ótica tradicional, pois o professor busca a todo o momento por novos conhecimentos. Neste processo, se torna claro que a escola está inserida em uma sociedade que evolui rapidamente e é influenciada por ela.

Muito mais do que conhecer as TIC ou saber interagir com elas, é necessário hoje que o indivíduo seja capaz de viver em grupo, obtendo competências de colaborar, decidir e etc. Um dos princípios da robótica que favorece a formação destas competências é que na robótica educacional todos os projetos são realizados em grupo, promovendo ao longo do processo discussões, desentendimentos, embate de idéias e através destes fatos, projetos e objetos são realizados e construídos. A construção de ambientes colaborativos de aprendizagem, proporcionam ao aluno a participação em uma comunidade na qual se exerce a prática e o discurso científico (D'ABREU;CHELLA, 2001). A robótica também propicia a aprendizagem compartilhada.

O fascínio que os alunos adquirem pela robótica e pela criação de projetos vai muito além do simples ato de brincar, a eles é atribuída à responsabilidade de traçar metas e objetivos sempre buscando alcançá-los.

A robótica nos trouxe uma ramificação de estudos e pesquisas em diversos níveis educacionais. Grande parte desta expansão se deve à popularização dos kits da Lego, que se especializou nesta área educacional. Recentemente, temos vivido novas experiências felizes com a chamada robótica de baixo custo, que consiste na utilização de motores, sensores, componentes eletrônicos, interfaces controladoras e também diversos tipos de materiais comuns como: madeiras, plásticos, sucatas, etc. para desenvolver projetos tão ricos quanto os possibilitados pelo kit Lego. Este fato representa um salto à medida que possibilita a democratização do acesso aos alunos de escolas públicas, e também as particulares, que não dispõem de recursos financeiros para comprar e manter kits da Lego.

Uma outra possibilidade de democratizar o acesso ao ambiente de robótica e driblar a limitação dos kits lego foi a criação de um ambiente de telerobótica desenvolvido pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação - UNICAMP, onde muitas outras pessoas podem controlar e construir projetos à distância via internet. Para que isso funcione, eles assumem que somente tendo uma proposta pedagógica por parte da instituição é que ocorrerão aprendizagens.

Os projetos desenvolvidos não podem estar centrados unicamente na criação de dispositivos robóticos, mas devem, a partir destes dispositivos alcançar objetivos ainda maiores que permitirão ao aprendiz adquirir novos conhecimentos e suas aplicações na realidade.


3AS CONTRIBUIÇÕES DOS ENFOQUES TEÓRICOS DO CONHECIMENTO E DO DESENVOLVIMENTO PARA A FUNDAMENTAÇÃO DA ROBÓTICA EDUCACIONAL

A escola de hoje tem buscado promover o desenvolvimento a partir das interações e relações dos alunos, mudando o modelo de ensino centrado unicamente no professor. Tradicionalmente, a escola privilegiava/valorizava a interação de professor-aluno como fator único de desenvolvimento cognitivo. As interações entre dos alunos não eram valorizadas e até mesmo, consideradas perturbadoras em vista do rendimento escolar. De acordo com Coll (1994, p.78):

dispomos na atualidade de provas suficientes que permitem afirmar sem vacilações que a interação entre os alunos não pode nem deve ser considerada um fator desprezível; ao contrário, tudo parece indicar que tem um papel de primeira ordem na consecução das metas educacionais.

Algumas destas mudanças surgem em decorrência dos estudos de Piaget (1998), Vigotski (1993) e Papert (1994).

Piaget é um epistemólogo e seu interesse estava ligado especialmente ao estudo de como a criança adquire o conhecimento. Ele contribuiu muito para a valorização dos estudos e aprofundamentos nas pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo. Sua concepção sobre a aprendizagem vem orientando várias metodologias de ensino e aprendizagem. Segundo Vigotski (1993, p.9) "a psicologia deve muito a Jean Piaget. Não é exagero afirmar que ele revolucionou o estudo da linguagem e do pensamento das crianças". Também influenciou a valorização da ação do sujeito como agente de sua aprendizagem a partir do momento em que desenvolve o conceito de assimilação e acomodação, no qual o aprendiz formula hipóteses através da interação com objetos e reacomoda informações que para ele tem significado. Assim, "toda conduta é uma assimilação do dado a esquemas anteriores e toda conduta é, ao mesmo tempo, acomodação destes esquemas à situação atual" (PIAGET, 1998, p.89).

Na robótica, este processo de desequilibração ocorre com grande freqüência, pois ao projetar idéias e interagir com objetos materiais, os alunos ressignificam conhecimentos que antes lhe pareciam verdadeiros. Ao interagir com os objetos, novas ações surgem e desequilibram o conceito que antes era dado como verídico. Assim o processo de aprendizagem concebido por Piaget ocorre dentro da robótica educacional, porém a base piagetiana de desenvolvimento não considera a interferência do outro (COLL, 1994), que na robótica pode acontecer através das interações entre professores-alunos e, principalmente, entre alunos-alunos. A robótica educacional tem como requisito a interação entre os alunos, concebendo o desenvolvimento entre os iguais.

Para compreendermos esse processo de desenvolvimento, de forma ampla no ambiente de robótica educacional, se faz importante compreender a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) concebida por Vigotski (1973, p.34 apud Coll, 1994, p.93):

a zona de desenvolvimento proximal é a diferença entre o nível das tarefas realizáveis com a ajuda dos adultos e o nível das tarefas que podem ser realizadas com uma atividade independente. A aprendizagem situa-se precisamente nesta zona.

.

A aprendizagem se dá na ZDP e é estabelecida sempre pela mediação do outro, se diferenciando completamente das teorias de Piaget, pois o processo de desenvolvimento cognitivo segue o da aprendizagem.

A grande contribuição da teoria de Vigotski para compreender a possibilidade de propiciar desenvolvimento cognitivo na robótica, parte da consideração do outro, da interação entre os alunos e das interações sociais. Na interação social, a criança aprende a regular seus processos cognitivos, desse modo, produz um processo de interiorização (COLL, 1994).

Ambientes colaborativos como o da robótica, podem contribuir para o desenvolvimento cognitivo à medida que os trabalhos são desenvolvidos em grupos. Na construção de um projeto ou robô, acontece com grande freqüência o desequilíbrio conceitual. Os alunos se defrontam com conceitos diferentes de outros alunos, e ao experimentá-los, concluem que seus conceitos não eram tão corretos para solucionar o determinado desafio. O desequilíbrio acontece no momento em que o aluno vê na prática que seu conceito não era a melhor opção para a solução do problema, e se coloca a experimentar o conceito ou a solução colocada pelo companheiro do grupo. Este confronto promove discussões profundas e resignificações de informações.

Vigotski (1993) faz críticas à teoria desenvolvida por Piaget, mas em nenhum momento menospreza sua influência para o estudo do desenvolvimento cognitivo e do processo de aprendizagem. Considera as influências e destaca algumas falhas da teoria construtivista. Segundo ele, a maior falha de Piaget foi não considerar o fator da interação social e separá-los dos processos de aquisição do conhecimento. Segundo Vigotski (1993, p.100):

discordamos de Piaget num único ponto, mas um ponto importante. Ele presume que o desenvolvimento e o aprendizado são processos totalmente separados e incomensuráveis, e que a função da instrução é apenas introduzir formas adultas de pensamento que entram em conflito com as formas de pensamento da própria criança, superando-as finalmente.

Mesmo com suas convergências e divergências, não podemos opor as teorias de Piaget e Vigotski, pois para a ciência, ambas se completam em busca de respostas sobre o pensamento. Podemos considerar que ambos os teóricos são construtivistas, pois consideram a atividade do sujeito no processo de construção do conhecimento.

Em muitos momentos Piaget e Vigotski falam sobre a importância da escola para o desenvolvimento da criança e, ambos concordam que o desenvolvimento de conceitos é um sistema complexo que não pode ser instruído mas construído. É verdade que cada um concebe de um modo, mas os dois nos trazem claramente as necessidades de se desenvolver espaços dentro da escola que posicionem os alunos de novas formas frente ao processo de aprendizado de conteúdos e conceitos, e que cada vez mais, tanto pela individualidade de Piaget quanto pela interação social de Vigotski, os alunos sejam levados a construir seus próprios conhecimentos. Para Vigotski (1993, p.79) "o aprendizado escolar induz o tipo de percepção generalizante, desempenhando assim um papel decisivo na conscientização da criança dos seus próprios processos mentais".

A robótica proporciona este espaço por promover em diversos aspectos, o desenvolvimento pela interação e em outros momentos pela tomada de consciência individual. Sendo que, por mais que os pensamentos sejam internos e muitas vezes individuais, com toda certeza já sofreram uma influência social anterior que dará condições para que o indivíduo resolva o problema ou, se não conseguir resolver, pelo menos dará condições de buscar outras estratégias que o leve a novas informações para solucionar o problema sobre o qual se defronta. Na teoria vygotskiana, o indivíduo não é "engolido" por uma sociedade, ao contrário, a sociedade precede o indivíduo, e fornece condições que permitem o surgimento do pensamento individual. O pensamento superior é duplo, sendo transmitido do grupo para o indivíduo e novamente para o grupo (FRAWLEY, 2000).

Sem dúvida, a escola é um local que promove desenvolvimento, sendo que este não é só cognitivo, mas também ocorre em outros níveis. A aprendizagem parte de uma construção pessoal, sendo que não promovida unicamente pelo indivíduo, os agentes culturais e outros sociais são extremamente importantes para o desenvolvimento.

Neste sentido, cabe ressaltar, que o indivíduo que se desenvolve, mesmo tendo um esquema interno de aprendizagem, adota cursos e formas de interação com seu contexto de vida, tornando-os assim, inseparáveis para o desenvolvimento. A construção individual não se contrapõe à interação social do mesmo modo que não se contrapõe aprendizagem ao desenvolvimento (COLL, 1999).

Entendendo a aprendizagem basicamente como a integração e modificação de conhecimentos prévios, podemos notar que na robótica o aluno atua na construção de projetos que façam parte de seu contexto. Ao se deparar com problemas e desafios que decorrem no processo de construção do objeto, se vê diante de situações que permitem analisar o problema a partir de seus conhecimentos prévios. Quando esses conhecimentos não dão conta da solução se deparam com o desafio e a interrogação sobre como solucionar o problema. Assim, ao confrontar seus conhecimentos com os desafios, se vê diante a uma situação em que terá que buscar respostas para obter soluções plausíveis. É neste processo que ocorre o fenômeno da integração e modificação dos conhecimentos (COLL, 1999), ocorrendo desta forma a aprendizagem significativa. Esta busca por novas informações e conhecimentos é dada pela relação com o seu contexto, ou seja, na interação com seu meio social.

Assim como Piaget, seu discípulo Papert (1994) considera que as crianças devem assumir o controle de sua aprendizagem. Quando a escola subestima o aluno impondo o que deve aprender e determinando os conhecimentos, na verdade ofende o aluno, pois o desencoraja.

Papert é um educador-pesquisador que trouxe grandes contribuições para a educação e importantes considerações a respeito da construção do conhecimento. Para Papert (1994), Piaget valorizou muito o pensamento abstrato e não considerou as possibilidades de aprendizagem por meio do pensamento concreto.

Papert é um precursor na valorização do uso de tecnologias na educação, e uma de suas hipóteses é a de que crianças que ainda não se encontravam no estágio de desenvolvimento operatório formal, de acordo com o construtivismo, poderiam abstrair conhecimentos por meio de simulações concretas possibilitadas pelo computador. No final da década de 60, Papert desenvolveu o Logo com o objetivo de ser uma linguagem de programação para as crianças. Em sua primeira experiência foram levadas crianças para o laboratório na Universidade que experimentaram a linguagem de programação para movimentar um robô mecatrônico ligado ao computador. As crianças interagiam com o robô – rapidamente associado a uma tartaruga devido à velocidade que se movia – controlando-o pela programação. Eles programavam as ações por meio de coordenadas e visualizavam a ação imediata da tartaruga, possibilitando assim, a formulação de hipóteses sobre suas ações (PAPERT, 1994).

A linguagem Logo foi projetada e pensada numa perspectiva em que o aluno é sujeito na construção de seu conhecimento. Isto reflete em mudanças no paradigma tradicional de ensino que conhecemos, principalmente, pela nova postura dos sujeitos: o aluno e o professor. Esta mudança interacional provoca o surgimento de questionamentos em relação ao papel do professor. Se antes o professor era o detentor do conhecimento e a centralidade estava nele, com a utilização da linguagem Logo, perde sua função (VALENTE, 1996). De acordo com a filosofia original do Logo, o professor desempenha o papel de facilitador ou mediador que auxiliará o aluno a construção do conhecimento. Podemos considerar que o professor desempenha o papel do "outro" concebido por Vigotski (1993).

Papert (1994) concebe a teoria do construcionismo que enfatiza a possibilidade de aprendizagem por intermédio da experiência concreta, que é um dos recursos proporcionados pelas tecnologias atuais. Desta forma, ele contribui muito para o desenvolvimento dos ambientes de robótica educacional, pois as crianças aprendem conceitos através da construção prática de objetos, controláveis ou não pelo computador, que permitem simulações instantâneas das ações aplicadas pelos alunos e a compreensão de conhecimentos que se tornam necessários para as soluções dos desafios impostos pelos projetos. Para Papert (1994, p.161):

a oportunidade para a fantasia abre a porta para um sentimento de intimidade com o trabalho e proporciona um vislumbre de como o lado emocional do relacionamento das crianças com a ciência e a tecnologia poderia ser muito diferente do que o que é na tradicional Escola.

A construção de um protótipo num ambiente de robótica educacional, exige ao aluno uma série de ações e atitudes as quais o fazem passar por processos de planejamento, desenvolvimento e depuração. É muito pouco provável que um aluno construa um projeto em pouco tempo, sem que erros e desafios aconteçam, pois mesmo para um engenheiro ou técnico profissional, a necessidade de um planejamento e estudo sobre desenvolvimento de projetos é necessário e mesmo assim surgem imprevistos. Estas etapas de construção e elaboração de um projeto em um ambiente de robótica educacional surgem a partir do contato direto do aluno com seu projeto e para solucionar os problemas que surgem é necessário a busca por conhecimentos de diversas ordens, às vezes científicos ou técnicos.

Não importa a ordem do conhecimento, mas sim a busca pela possibilidade de solução que necessariamente passa pela mediação do outro (MASETTO, 2000). Ou seja, a solução pode partir da discussão com o colega do grupo, com o professor ou mesmo com de pesquisas na Internet ou em livros. Em ambas as fontes, a busca pelas informações serão avaliadas com relação a sua aplicabilidade e incontestavelmente passam pela dimensão do conhecimento humano produzido ao longo das gerações.

Este exercício de solução de problemas e a busca pela superação de desafios formam competências cognitivas ao aluno que serão utilizados por ele, em diversas situações da vida. Segundo Papert (1994, p.161), "transformar ciência em conhecimento usado apresenta implicações epistemológicas porque permite meios mais ricos de pensar sobre o conhecimento do que a epistemologia verdadeiro/falso fundamentada em autoridade".

Assim, quando o aluno se questiona e avalia as soluções implementadas no projeto, ele começa a entender seu próprio pensamento e refletir sobre suas idéias e, conseqüentemente, toma consciência de sua aprendizagem.


4BREVE ANÁLISE DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE CIÊNCIAS E DOS PROJETOS DE TRABALHO

4.1AS CONSIDERAÇÕES DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS SOBRE AS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS

O sistema educacional do Brasil sofreu diversas mudanças nas últimas décadas que influenciaram diretamente na formação dos indivíduos de cada época. Muitas dessas mudanças foram expostas por meio de documentos oficiais elaborados pelo governo e órgãos competentes do país.

Em um país com as enormes proporções territoriais, como o Brasil, torna-se complexa a administração de um sistema educacional que garanta a formação de diferentes indivíduos e contextos com qualidade. Os Parâmetros Curriculares Educacionais (PCN) são documentos elaborados pelo Ministério da Educação com intuito de constituir um referencial de qualidade para a educação.

No entanto, os PCN não são documentos padrões que devem ser adotados obrigatoriamente pelos órgãos regionais de ensino. Os PCN são propostas educacionais que podem auxiliar em mudanças curriculares e planejamentos escolares, respeitando as diferenças locais e culturais de cada contexto, visando buscar melhorais da qualidade da educação brasileira.

Segundo os PCN (1997, p.13):

sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual.

Os PCN propõem interferências diretas nas propostas educacionais atuais dos diferentes contextos culturais existentes em nosso país e são um referencial na construção da identidade da educação brasileira. Assim, se torna importante, neste trabalho, uma análise dos PCN no sentido de compreender suas orientações e atribuições a respeito das tecnologias.

Devido à grandeza dos conteúdos e conhecimentos que constituem o currículo e educação escolar, estes documentos foram divididos em áreas por conhecimento e aqui serão analisadas as contribuições dos PCN de introdução e os da área de Ciências Naturais de 1ª à 4ª séries, por abordarem a importância da temática "tecnologia".

Os PCN de Ciências Naturais não delimitam os conhecimentos a serem trabalhados em cada faixa etária, mas chamam a atenção para uma nova perspectiva do fazer científico humano. Esta consideração demonstra uma nova valorização das ciências e do fazer científico, que promove uma conscientização de que são conhecimentos produzidos pelo homem para melhoria das condições de vida.

Nos dias atuais, as tecnologias fazem parte de nosso contexto de vida e representam a evolução de sistemas de conhecimentos desenvolvidos pelo homem através dos tempos. Segundo descrito no PCN (1997, p.24):

este século presencia um intenso processo de criação científica, inigualável a tempos anteriores. A associação entre Ciência e Tecnologia se estreita, assegurando a parceria em resultados: os semicondutores que propiciaram a informática e a chamada "terceira revolução industrial", a engenharia genética, capaz de produzir novas espécies vegetais e animais com características previamente estipuladas, são exemplos de tecnologias científicas que alcançam a todos, ainda que nem sempre o leigo consiga entender sua amplitude.

Na medida em que as tecnologias foram produzidas pelo homem, elas são partes do fazer científico que foi acumulado durante anos. Entendendo que o ser humano é o único ser vivo que transmite os conhecimentos produzidos por gerações e que a escola cumpre um grande papel para este fenômeno, é natural que o conhecimento tecnológico também seja.

Os PCN buscam proporcionar uma visão das ciências e mostrar a importância de compreendê-las como uma importante área do conhecimento que deve ser aprendido, mas por meio da experiência e não somente pela transmissão. Estes aspectos nos PCN trazem uma significativa contribuição para a busca pela formação do olhar científico, importante nos tempos atuais.

Outra proposta dos PCN é a formação de competências que permitam aos indivíduos compreender o mundo que os cerca. Assim, podemos considerar que parte de mundo atual a ser compreendido está relacionado às tecnologias. Portanto, esta formação do olhar científico pode ser favorecida no ambiente de robótica educacional, pois na robótica a construção dos conhecimentos é sempre intermediada pelo contato com as tecnologias, tanto básicas como avançadas, variando desde a construção de uma roda à elaboração de um sistema eletrônico.

Através da análise dos PCN de Ciências Naturais percebemos a necessidade de se ter espaços que promovam o contato com o saber científico através da experiência e da descoberta. Assim sendo, simples motivações, como a curiosidade ou o prazer de conhecer são importantes na busca de conhecimento para o indivíduo que investiga a natureza (PCN, 1997).

4.2 AS CONTRIBUIÇÕES DOS PROJETOS DE TRABALHO PARA A APRENDIZAGEM

Atualmente, muito se tem discutido no âmbito educacional sobre várias propostas educacionais que solucionem os problemas atuais na educação e busquem possibilidades de melhora do sistema de ensino ou mesmo do próprio ensino. Busca-se a transformação da escola tradicional porque esta não atende mais às exigências da sociedade em que vivemos. Agora é preciso formar pessoas para viverem em um mundo globalizado.

Vimos no capítulo anterior que o construtivismo, o sócio-interacionismo e construcionismo, trouxeram muitas contribuições para a educação, principalmente por contribuir para a reflexão sobre a forma com a qual se compreende o papel do aluno e do professor em um sistema de aprendizagem.

Para a compreensão do ambiente de robótica educacional e a importância de se ter ambientes, além da sala de aula, a proposta dos Projetos de Trabalho colabora para dinamizar as atividades integrando-as e atribuindo significados aos conteúdos de ensino. Segundo Hernández (1998), os Projetos de Trabalho não são "a" mudança na educação, nem "a" solução dos problemas educacionais. Para Hernández (1998) os Projetos de Trabalho constituem um lugar que se aproxima da identidade do aluno, favorece a construção da subjetividade, organiza o currículo de maneira que aproxime os conhecimentos dos problemas vivenciados pelos alunos e leva em conta o ambiente de vida dos alunos fora da escola considerando também os acontecimentos sociais e pragmáticos que constituem o mundo atual.

Neste sentido, podemos considerar que a robótica educacional vem se constituindo em um projeto de trabalho por ter os mesmos princípios fundamentais agora enunciados e assim, se torna um local de grande potencial educacional. Hernández (1998, p.64) destaca que:

os projetos de trabalho supõem, do meu ponto de vista, um enfoque de ensino que trata de ressituar a concepção e as práticas educacionais na Escola, para dar resposta (não "A resposta") às mudanças sociais, que se produzem nos meninos, meninas e adolescentes e na função da educação, e não simplesmente readaptar uma proposta do passado e atualizá-la.

Com isso, percebemos que os Projetos de trabalho incitam novas formas de gerir o conhecimento escolar, pois não os inserem nos alunos conteúdos fragmentados e descontextualizados, mas geram novas formas de construção dos conhecimentos, os mesmos destacados nas teorias construtivistas, sócio-interacionistas e construcionistas.

Os Projetos de Trabalho interferem na organização curricular, pois concebe que os conhecimentos não podem ser organizados e ordenados rigidamente. Segundo Hernandez (1998, p.61):

a função do projeto é favorecer a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares em relação a: 1) o tratamento da informação, e 2) a relação entre os diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção de seus conhecimentos, a transformação da informação precedente dos diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio

Para Hernández (1998), a proposta de Projetos de Trabalho é muito mais que uma metodologia de ensino, é uma concepção que prioriza a compreensão dos conhecimentos que fazem parte do contexto, e proporciona a formação da identidade do aluno para atuar criticamente no meio em que vive. Portanto, atuam de forma global, de modo que não estão voltados para o conteúdo, mas sim, para as necessidades dos alunos.

Na robótica educacional a organização dos conhecimento pode se dar no mesmo sentido dos Projetos de Trabalho. Os conteúdos podem ser apresentados à medida em que os alunos necessitam destes conhecimentos para a realização do trabalho, não sendo priorizada a série e idade, mas o tema problema.


5CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escola atual vem buscando cada vez mais proporcionar a formação de pessoas capazes de refletir sobre o meio social em que vivem e atuarem em busca de melhorias. A globalização é um fenômeno que atinge o mundo, não só na área econômica, mas principalmente na construção da história humana. Assim, o conhecimento é um patrimônio da humanidade na medida em que é produzido por todos e atinge a todos.

A globalização das informações e do conhecimento se tornou praticamente instantânea com a evolução das tecnologias da comunicação e da informática, criando uma mão dupla no sentido de que são produzidos conhecimentos na mesma velocidade que fluem as informações.

É verdade que esta realidade globalizada não atinge diretamente todas as camadas sociais ou mesmo algumas culturas e países, mas é inegável que interliga e atua sobre o mundo em que vivemos. As pessoas são atingidas, mesmo de forma indireta, pela evolução tecnológica.

A escola atual deve estar preparada para lidar com está realidade, pois sua função original é a de reproduzir o conhecimento humano construído durante as gerações e permitir que novos conhecimentos sejam criados. Para isso, a escola deve adaptar-se a nova realidade e repensar seus espaços, pois não é mais possível considerar que levar pessoas para um espaço físico e introduzir conhecimentos de diversas áreas específicas seja a melhor maneira de formar pessoas, como se fazia a poucas gerações passadas.

O surgimento de novas linguagens, novos suportes textuais e novas formas de produção de informações requerem das pessoas novas competências cognitivas e cabe a escola formar estas novas competências exigidas pela atualidade.

Nesse sentido, este estudo buscou refletir sobre a inserção da robótica educacional como um espaço dentro da escola que desenvolve competências cognitivas por permitir o entendimento de conhecimentos científicos atuais, os quais fazem parte do contexto dos alunos. As questões definidas para a elaboração deste projeto foram: a) o que explica o surgimento da robótica dentro dos contextos nacional e internacional? b) quais são as concepções sobre robótica presentes no campo da Educação? c) quais as propostas dos PCN sobre a área de Ciência e Tecnologia? d) qual é a concepção de desenvolvimento para Piaget, Vygotsky e Papert? e) quais são as novas propostas metodológicas apresentadas na literatura como as mais adequadas para o ensino na atualidade? f) qual a relação da pedagogia de projetos com o ensino de robótica?

No estudo aqui apresentado, podemos perceber que a robótica educacional contribui para o desenvolvimento cognitivo por possibilitar uma aprendizagem ativa e participativa, no qual, o aluno se torna sujeito do seu processo de construção do conhecimento. Podemos chegar a essas conclusões através dos estudos das teorias construtivista e construcionista sobre o processo de aprendizagem e desenvolvimento.

Neste sentido, a proposta de ensino mais adequada ao ambiente de robótica educacional foi a dos projetos de trabalho, pois possibilita, aos alunos, a aprendizagem de conhecimentos através da necessidade e assim, proporciona a criação de identidade dos alunos com os conhecimentos científicos. Se antes, os alunos aprendiam fórmulas e modelos de cálculos e não identificavam seu funcionamento na prática, no ambiente de robótica educacional, este processo pode ser invertido. Podem ser criadas situações problemas decorridas naturalmente ou propositalmente, gerando demanda de conhecimentos que serão desenvolvidos a partir de uma ótica interdisciplinar e que não necessariamente pertencem a uma área específica, como é organizado no currículo escolar.

Assim sendo, concluímos que a proposta de Projetos de trabalho tem muito a contribuir para a melhoria da educação que buscamos e no desenvolvimento da robótica educacional, a sua concepção se torna indispensável.

Percebemos que a robótica educacional não é o único, mas um dos ambientes a enriquecer o processo educacional. Este reconhecimento demonstra que é preciso desenvolver outros espaços que proporcionem a formação de outras competências, a fim de proporcionar ao ser humano, uma formação plena.


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Autor: Alan Silva Ferreira


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