Pierre Bourdieu: O Capitalismo entre Práticas e Representações



O historiador francês Roger Chartier ressalta na introdução do seu livro "A História Cultural entre práticas e Representações", a importância da concepção de Bourdieu para o desenvolvimento das Ciências Sociais, por desenvolver uma construção teórica tão diversificada, se formando pela utilização de elementos da Sociologia, História, Antropologia e Filosofia. Segundo Chartier, Bourdieu desenvolve uma nova mentalidade para explicar o mundo social, por meio de símbolos e representações sobre a realidade. O pensamento sociológico em questão articula por meio de símbolos, práticas cotidianas, representações artísticas, fundem-se e nos revelam todos os interesses e relações de poderes sobre o mundo atual. O trabalho de Bourdieu serve para explicitar a existência de novas práticas de poder e meios de dominação, muito além das ações políticas e econômicas, porém atreladas e compartilhadas a essas.[1]

A proposta de aprofundamento nos estudos teóricos do sociólogo francês Pierre Bourdieu objetiva entender os passos da dominação econômica, sobre os aspectos sócio-culturais. Os estudos dedicados a Bourdieu, inicialmente abordarão a sua trajetória pessoal e acadêmica; posteriormente se ressaltará a variedade das suas abordagens e perspectivas temáticas, direcionando-se ao temário dedicado à relação educação e poder. A finalização das discussões das obras e do pensamento de Bourdieu previlegiará o campo econômico, ressaltando a figuração e as ideologias do mundo atual, intentando-se as temáticas dedicadas ao neoliberalismo.

A trajetória acadêmica de Pierre Bourdieu (1930-2002) proporcionou novos caminhos para o entendimento do mundo social e as suas formas de dominação, principalmente, os olhares dedicados as exímias observações voltadas para os efeitos econômicos e políticos, sobre as mais diversas sociedades. As diversas sociedades presenciadas em Bourdieu têm preponderantes influências na sua maturidade científica, refletindo as diferentes experiências do seu trilhar acadêmico, desde de 1958 na Universidade de Argel, com estudos dirigidos a sociedade tradicional, retratando a sociedade Cabila, aos seus mais recentes trabalhos na direção da Escola de Estudos Superiores na França, espelhando a maturidade intelectual da sua concepção sociológica e filosófica, com a publicação de obras de grande fôlego, tendo como referencias expressiva: "O Poder Simbólico", "Contrafogos" e "A Miséria do Mundo".[2]

As temáticas e os novos assuntos a serem abordados por Bourdieu representam uma aparente renovação nos estudos sociológicos, por retratar novos objetos de investigação, vistos por sociólogos anteriores como secundários principalmente os sociólogos atuantes nos anos cinqüenta e sessenta. Pierre Bourdieu reata os laços existentes entre capital e educação, passando a desenvolver importantes estudos voltados para a excelência escolar, desenvolvendo métodos e análises mais elaboradas, utilizando-se de estatísticas e dados obtidos em importantes instituições mundiais, a exemplo do PENUD. A segunda inovação do pensar de Bourdieu está na sua dedicação ao estudo das práticas sociais e ao consumo de bens culturais, estudos estes desenvolvidos, a partir dos anos 70. Os caminhos investigativos traçados por Bourdieu tinham a proposta de promover críticas e contestações das hierarquias sociais, nos seus mais diversos fazeres, desenvolvendo desta forma um olhar atento para o cotidiano social.

A construção sociológica em questão privilegia a acepção teórica provinda do trabalho de campo, passando a influenciar pesquisas posteriores, onde o olhar atento sobre as atividades sociais vividas no dia-a-dia, demonstram o nascimento de uma teoria construída pela observação de práticas sociais. A proposta de Bourdieu está direcionada para o nascimento de uma certa sensibilidade na profissão de sociólogo, para observarem e promoverem soluções aos problemas do mundo social, com o florescimento de uma concepção que busque decodificar uma regularidade e as estratégias utilizadas na imposição de valores, pelas hierarquias sociais, provocando a padronização sobre a execução das regras. O conformismo consensual é um dos pontos de partida para se entender a estruturação dos habitus, concepção a ser explicada em linhas seguintes.

A estruturação teórica do pensamento Bourdeliano racionaliza o funcionamento da sociedade, principalmente visionada pela expansão de novas formas da dominação social, criadas pelo desenvolvimento do Capitalismo histórico. A construção do seu olhar científico volta-se para questões que investigam as mediações entre agentes sociais e sociedade, revelando uma constante luta para a imposição de valores, em uma cronologia específica, para estabelecer o domínio de um determinado grupo sobre as demais subdivisões da esfera social, com o objetivo de consolidar a hegemonia do capital.

Os estudos do cientista social Renato Ortiz privilegiam o habituscomo elemento essencial de entendimento da heurística de Bourdieu, definindo habitus como o processo de dominação de uma elite social, se sobrepondo sobre os demais segmentos sociais.[3]

O processo de dominação, estabelecido nas relações existentes entre agente social e sociedade, observa a imposição de valores quase invisíveis, porém reconhecidos como oficiais, desta forma se consagram práticas sociais que passam a fazer parte do cotidiano dos indivíduos. De fase a fase do processo dominante, marcado pela chegada de um grupo ao poder, passam a se identificar valores específicos, atuantes no processo de dominação de uma elite social, passando a serem reproduzidos pelos demais segmentos sociais. Seria desta maneira que o cientista social reconheceria as forças de atuação dominante e as estratégias utilizadas por esse grupo para se tornarem práticas naturais a serem estabelecidas no cotidiano da sociedade.

O pensamento sociológico em debate racionaliza a constante luta de grupos que objetivam a imposição de uma única e específica visão de mundo, desta maneira se desmistifica as idéias de dominação, se tornando, o pensamento oficial, por passar a ser praticado oficialmente sem qualquer contestação.Os valores e estratégias decodificados por Bourdieu, revelam os esquemas de um determinado segmento na sua ascensão ao poder, desde da sua fase embrionária ao seu reconhecimento dominador, consolidando a sua supremacia, no processo de regulamentação e condução do capital social.

A obra de Bordieu passa a exercer notoriedade no meio científico internacional, com a publicação de obras dedicadas a educação, ressaltando características importantes entre sistema de ensino e as classes sociais. A obra "A Reprodução", de Bourdieu em parceria com o sociólogo americano Passeron, aborda de forma detalhada as suas novas proposições. Bordieu reata antigos laços com a sociologia clássica reativando a importância de pensadores como Marx, Weber e o seu contato com Passeron, influencia Bourdieu a inserir Durkheim em suas pesquisas. A concepção de Bordieu relativa à educação ressalta que:

"Na realidade, devido ao fato de que elas correspondem a interesses materiais e simbólicos de grupos ou classes diferentemente situadas nas relações de força, esses agentes pedagógicos tendem sempre a reproduzir a estrutura de distribuição do capital cultural entre esses grupos ou classes, contribuído do mesmo modo para a reprodução da estrutura social: com efeito, as leis do mercado em que se forma o valor econômico ou simbólico, isto é, o valor enquanto capital cultural, dos arbítrios culturais reproduzidos pelas diferentes ações pedagógicas (indivíduos educados) constituem um dos mecanismos mais o menos determinantes segundo os tipos de formação social, pelos quais se acha assegurada a reprodução social, definida como reprodução das relações de força entre classes sociais." [4]

O sistema escolar reproduz, assim, a nível social, os diferentes capitais culturais das classes sociais e, por fim, as próprias classes sociais. Os mecanismos de reprodução encontram sua explicação ultima nas relações de poder, relações essas de domínio e subordinação que não podem ser explicadas por um simples reconhecimento de consumos diferenciais. Assim, quando analisam a função ideológica do sistema escolar, uma de suas preocupações é justamente a da possível autonomia que pode ser atribuída a ele, em relação à estrutura de classes. A educação não reproduz unicamente as relações de classe, entre dominante e dominado, porém reforça as várias etapas do processo de dominação social, demonstrando os campos sociais de articulação do poder, a escola além de refletir as desigualdades sociais, refletem o sistema de dominação, revelando a maneira de atuação do poder.

O poder, expresso nas fundamentações de Pierre Bourdieu (1930-2002), se articula e se desenvolve de maneira sutil, sem o uso da força e violência, manifesta-se simbolicamente. Os anos 80 e 90 representaram o amadurecimento da teoria de Bourdieu, com estudos dedicados a relação poder e simbolismo, citando novos nomes da sociologia contemporânea como Red Cliff Brow e filósofos da atualidade como Foucault e Cassirer. O amadurecimento do seu olhar científico sobre a sociedade, expressou a exposição do termo "O poder Simbólico", expondo na introdução da sua obra que esse poder sobrevive pela mediação entre agentes e dominados, com o objetivo de formar o consenso social, para formar a opinião única, valores oficiais, conceituando este poder como:

"O poder simbólico como o poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer crer e fazer ver, de confirmar ou de transformar a visão de mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo: poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer ignorado como arbitrário".[5]

O poder simbólico segundo Bordieu é o poder de construção da realidade, poder de dar sentido ao mundo, formando opiniões e pensamentos, tendo como ato intencional consolidar-se sobre as questões sociais e culturais, as prevalências da dominação econômica. O poder simbólico constrói a crença da realidade, criando uma nova visão de mundo, porém se articula por meio de estratégias de dominação organizadas e esquematizadas, tornando desnecessário o uso da força, o uso da violência ao corpo. O aprofundamento de Bourdieu em relação à dominação social se aprimora em obra posterior, ressaltando:

"O poder simbólico é um poder de fazer coisas com palavras. E somente na medida em que é verdadeira, isto é, adequada as coisas, que a descrição faz as coisas. Nesse sentido, o poder simbólico é um poder de consagração ou de revelação, um poder de consagrar ou de revelar coisas que já existem. Isso significa que ele não faz nada? De fato, como uma constelação que começa a existir somente quando é selecionada e designada como tal, um grupo - classe, sexo, religião, nação - só começa a existir enquanto tal, para os que fazem parte dele e para os outros, quando é distinguido segundo um princípio qualquer dos outros grupos, isto é, através do conhecimento e do reconhecimento"[6].

 

O sociólogo francês aprofunda e esclarece as suas reflexões sobre o poder, expressando que "O poder simbólico" consagra e faz os fatos se tornarem concreto. A nova face do poder torna visível o discurso dominante, interagindo, com a proposta de tornar oficial o pensamento e as necessidades de um grupo, seja por questões relativas ao sexo, classe, religião, nação. Segundo Bordieu seria esta a forma na qual, grupos de países e nações implantam modelos sociais e culturais tendo em vista o estabelecimento e a manutenção da sua hegemonia econômica. Bourdieu aponta por meio dos habitus de grupos dominantes e sua adoção em diferentes culturas, se efetiva a imposição de valores dominantes e a consagração das doutrinas políticas e econômicas que vigoram no poder central de diversas sociedades.

A concepção de Bourdieu se aprofunda na lógica de dominação econômica, percepções que expressam a unificação do mercado de bens econômicos e bens simbólicos, tendo por objetivo fazer desaparecer valores resistentes na formação de cada classe social. Os estudos referentes à transformação da vida camponesa e suas conseqüências, editada na revista dos análes em 1972 expressou detalhadamente como o poder modifica a maneira de se viver, para adequar grupos, as novas regras do jogo econômico. O sociólogo verifica que a subordinação econômica e as novas regras do mercado, ocasionam o declínio de determinados grupos sociais, relacionando a economia ao campo cultural e simbólico, praticando a desmemorização, construindo e pondo em prática uma violência invisível.[7]

Os estudos de Pierre Bourdieu na década de noventa dedicam-se à compreensão dos estatutos que regem o processo de dominação do tempo presente. As análises em questão promovem intensos debates em seminários e congressos da comunidade européia, com o objetivo de retratar a sangria e a política predatória neoliberal. O sociólogo francês passa a observar a nova indumentária vestida pelo ideal capitalista, sinalizando que o sistema do capital de dominação pode se revestir com novos argumentos, porém não perde a sua essência, imutável desde da sua formação na Baixa Idade Média, promovendo a dominação de populações por um pequeno grupo social, tendo o privilégio de ditar as normas da vida social e a transformação da cultura em um mero jogo de interesses.

Os valores sociais e culturais estão atrelados as regras do mercado, formando assim um projeto de capital cultural, desfigurando comportamentos, criando um processo de perda da identidade e o fim do nacionalismo, sobrevivendo apenas o nacionalismo de fachada, um nacionalismo que prega a idéia da nação unida e pacificada em pleno progresso de desenvolvimento, porém essas nações, encontradas principalmente na África e América Latina, retratam verossimilmente a apoderação e a imposição de novos valores de dominação, no momento aludido retratado a partir dos anos noventa.

Os governantes da África e América Latina deixaram cair no esquecimento à luta pela igualdade e justiça social, a desmemorização, em outras palavras significa a extinção de uma consciência política que engendrou a aceleração e acentuação dos índices de desigualdade social nesses continentes. O pensamento sócio-filisófico de Bourdieu remete-se a uma nova forma de dominação, projeto no qual inúmeras nações são influenciadas pelos organismos e instituições que hegemonizam o capital internacional, tendo como articuladores deste jogo político o FMI e os bancos internacionais.

A exata natureza do neoliberalismo e as conseqüências que dele podem emanar demonstram os nítidos efeitos sociais das suas ações. A sua consolidação desde do seu nascimento, sempre adquiriu o ar de novidade e modernidade. O ultraliberalismo, enquanto doutrina revolucionária esteve sempre presente na História do liberalismo e do capitalismo, pelo menos desde do final dos anos 50, como movimento social e organizado que o liberalismo vem assumindo diferentes nomes na história. Pierre Bordieu estabeleceu o neoliberalismo como uma nova revolução conservadora, remodelando as mais antigas idéias do patronato.[8]

O presente estudo embasado na concepção sociológica de Pierre Bourdieu inicialmente tem a proposta de resgatar a história e o conceito de capitalismo, reconstituindo as suas principais características hegemônicas de fase a fase até a chegada ao seu projeto contemporâneo que retrata a atual fase do capitalismo, pelo neoliberalismo, ressaltando o seu trajeto iniciado nos anos 40 do século XX se estendendo aos dias atuais, intentando-se para as suas estratégias de dominação.

BIBLIOGRAFIA

BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 1999.

BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: Táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1998.

BOURDIEU, Pierre. O Campo Econômico: A dimensão Simbólica da Dominação. São Paulo: Papirus, 2000.

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

BOURDIEU, Pierre & PASSERON, Talcott. A Reprodução. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1978.

CHARTIER, Roger. A História Cultural entre Práticas e Representações. São Paulo: Difel, 1989.

ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.

PINTO, Louis. Pierre Bourdieu e a Trajetória do Mundo Social. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.




Autor: Leandro Rodrigues


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