Tudo Que é Sólido Desmancha no Ar: A Relação Entre a Teoria e Crítica Literária , Marxismo e Teoria Política



RESENHA CRÍTICA: O que é modernidade? O presente livro pretende analisar o “modernismo” desde os seus princípios do século XVI ao XX. Através desta referente exposição do pensamento e da produção intelectual de filósofos, pensadores e manifestações artísticas, literárias, e estéticas. Marshall Berman por sua vez busca abraçar o chamado espírito da modernidade, o qual segundo o mesmo possui uma história e tradições, as quais pretende analisar e explorar nessa obra que ele mesmo define como estudo sobre a “dialética da modernização” e do “modernismo”. Este livro de Marshall Berman é uma aventura intelectual clara, sucinta, concisa e brilhante. Visão dos tempos modernos, investigação do espírito da sociedade e da cultura dos séculos XIX e XX. Berman não hesita diante do desafio de lidar com as mais diversas áreas do saber como a crítica literária, ciência econômica e política, arquitetura, urbanismo e estética. Tudo que é sólido desmancha no ar constitui uma instigante sucessão de leituras originais e reveladoras de autores e suas épocas, a começar pelo Fausto de Goethe, passando pelo Manifesto de Marx e Engels, pelos poemas em prosa de Baudelaire, pela ficção de Dostoievski, até as vanguardas artísticas contemporâneas. Livre de dogmatismo, seu trabalho é o de um humanista apaixonado, um verdadeiro Edmund Wilson dos anos 80. Palavras – Chaves: Teoria e Crítica Literária - Marxismo – Teoria Política.

A modernidade, segundo Marshall Berman, pode ser compreendida enquanto um modus vivendi, uma experiência vital de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida. Aventura e rotina. Nas palavras do autor, seu livro "é um estudo da dialética da modernização e do modernismo" (BERMAN, 1986, p.25). A modernidade é a tragédia do desenvolvimento, que permitiu deslumbrar incríveis horizontes ao mesmo tempo em que criou uma força que desmancha tudo que é sólido no ar. Esta discussão a propósito das ciências e de seus objetos de estudo inscreve-se no contexto da modernidade desde o século XVI até os dias de hoje. Aventura na modernidadeé marcada por uma certa circularidade narrativa e temática. Berman começa o livro contando sua própria aventura com o marxismo, que também é uma aventura com a modernidade. Em seguida ele narra as aventuras marxistas/modernas de outros autores, que por seu turno elaboraram outras narrativas sobre Marx e a condição moderna. Autores e objetos se confundem.

É certo que, os círculos podem ser "lidos" em paralelo Marx, Berman, os marxistas, e talvez o leitor enfrentando cada um suas aventuras modernas ou de forma concêntrica. O leitor lê a aventura de Berman que se inspira nos marxistas que, por seu turno, se inspiraram em Marx. Mas afinal de contas, até que ponto consiste essa tal modernidade? Quem leu "Tudo que é sólido desmancha no ar" já sabe a resposta, ela está lá em quase todas as páginas do livro. A modernidade é o estado de coisas criado pelo advento do capitalismo, ou seja, um produto da revolução burguesa. Berman usa Marx para celebrar os dotes revolucionários da burguesia, a classe que aniquilou velhas tradições e instituições sociais, criou uma capacidade produtiva sem igual e abriu possibilidades infinitas para o desenvolvimento humano.

Assim, paradoxalmente, a revolução contínua da modernidade capitalista produz miséria e opressão para muitos, o que acaba por reduzir suas possibilidades de desenvolvimento individual. Esta ambigüidade característica do capitalismo é, para Berman, o espírito da modernidade. Berman é um arauto da modernidade e, como tal, não quer destruir sua ambigüidade fundamental. Por essa razão uso o termo ambigüidade e não contradição, palavra que no vocabulário marxista corresponde a uma tensão dialética que aponta para uma resolução. Pelo contrário, para Berman parece não haver resolução. O autor dá mostras de ser crítico severo das teorias e experiências revolucionárias anticapitalistas. Sem o capitalismo a modernidade perderia o motor da "revolução perpétua", quer dizer, deixaria de ser modernidade. Chegamos aqui ao lado menos claro e mais problemático do pensamento de Berman.

Parte desses problemas o autor herdou do próprio Marx, que também exagera na descrição do caráter revolucionário da classe burguesa e minimiza o uso que essa mesma classe faz de formas de discriminação e opressão tradicionais. A miopia de Marx, porém, deve ser em parte descontada pelo fato de ele ter vivido na aurora do capitalismo industrial. O mesmo não pode ser dito da de Berman, que trata os capitalismos do início do século XIX e do final do século XX de maneira quase indistinta, como se o que foi dito para um valesse para o outro. Ora, um século e meio passados da redação dos Manuscritos econômicos e filosóficos, não podemos nos permitir ser tão ingênuos. A imutabilidade com a qual o capitalismo é tratado pelo pensamento bermaniano recende à escatologia, não à marxista mas à noção de "fim da história" criada pelo liberal Francis Fukuyama. Berman, no entanto, substitui a celebração por um tom mais trágico.

É nesse sentido que à deficiência histórica da análise de Berman está associada um problema geográfico, racial, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia. Apesar de imortal, o capitalismo, para ele, ainda não completou o seu trabalho aqui na Terra. Somente os EUA e a Europa ocidental são de fato capitalistas e, portanto, plenamente modernos. O resto do mundo, ou seja, o Terceiro Mundo, está ainda à espera da redenção. O autor parece ignorar que muitos lugares do tal Terceiro Mundo já estão em contato com o "capitalismo modernizante" há séculos, e que esse contato muitas vezes é responsável pela reprodução da pobreza e da miséria naqueles lugares. Uma passagem no capítulo sobre Marx e o marxismo revela o quão problemática é essa concepção. Após festejar o realismo fantástico latino-americano como gênero literário eminentemente moderno, o autor diz que esse mesmo modernismo é a razão pela qual esses autores são perseguidos pelos governos de seus países e obrigados a se exilar na Europa e nos EUA.

Segundo Berman, os governos autoritários tentam banir o modernismo a qualquer custo. Porém, diz o autor, o progresso do capitalismo em escala mundial vai forçar esses governantes a aceitar a modernidade. Ora, o fato de os governos autoritários da América Latina terem sido pró-capitalismo e terem contado com o apoio do governo e dos capitalistas americanos para reprimir as manifestações culturais "modernas" parece escapar ao autor. Tristemente, se olharmos de perto, a concepção de Berman não dista muito daquela dos teóricos americanos da modernização dos anos 50 e 60. Para eles, o problema do"Terceiro mundo" é falta de capitalismo.

O momento histórico de hoje, porém, é bem diferente daquele do início dos anos 80. Se naquela época a leitura original que Berman faz de Marx servia de inspiração para a esquerda descontente com o conservadorismo e o autoritarismo dos stalinistas, hoje os mesmos argumentos, repetidos em aventuras ao capitalismo imperialista do consenso de Washington. Em suma, Berman festeja a globalização, dizendo que ela produziu meios para as pessoas se comunicarem em escala mundial, criando uma cultura global através do cinema, do vídeo e da música. Esqueceu-se de dizer que o indivíduo precisa saber inglês para desfrutar de toda essa "riqueza" cultural, composta na sua maioria de filmes roliudianos, videoclipes da MTV e Sitcoms americanos. O contraste entre o enriquecimento sem limites dos EUA e o empobrecimento dos países do Terceiro Mundo, outro produto da globalização, é sequer citado por Berman. Talvez porque esse fenômeno seja apenas mais uma operação necessária da máquina da modernidade, que a tudo desmancha no ar.

BIBLIOGRAFIA

·BERMAN, Marshall. Modernidade - ontem, hoje e amanhã. In:. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade; [tradução Carlos Felipe Moíses, Ana Maria L. Ioriatti]. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.


Autor: Luciano Agra


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