O Mundo Mudou... O Professor, Também!



Elaine dos Reis Soeira[1]

Seguindo uma tradição milenar, a educação vem cumprindo sua árdua missão de ensinar através da figura do professor que, com maestria, transmite tudo que aprendeu (ou incorporou ao seu repertório) aos alunos. A melodia harmônica que surge do dueto – professor transmissor e aluno reprodutor de conhecimentos e informações – está sendo terrivelmente ameaçada.

Com o fim da modernidade e o desenvolvimento das tecnologias da comunicação e informação (TICs), o mundo começou a mudar de forma cada vez mais veloz. Em decorrência disso, as pessoas estão mudando, as relações inter e intrapessoais mudaram, o perfil de empregabilidade mudou, o acesso e a divulgação das informações extrapolou limites, até algumas décadas, inimagináveis.

Hoje a escola não detém o privilégio de ser a única fonte de conhecimentos. Aprende-se, e muito, fora dos limites escolares. Diante disso, como fica a escola na sociedade contemporânea? O que se espera da educação para o novo milênio? Ainda há espaço para o professor transmissor de informações? Será que ainda é possível, nos períodos letivos, darmos conta de transmitir todos os conhecimentos aos alunos? Por que pensar nas funções da escola e do professor na cibercultura?. Certamente perguntas como essas povoam as mentes de muitas pessoas. Tentarei responder cada uma delas ao longo do texto.

Ciber, o quê?!

Antes de seguir analisando a problemática, é importante esclarecer alguns conceitos.

Como já foi dito, o desenvolvimento das TICs difundiu os conhecimentos produzidos nas mais diversas áreas e em todas as partes do planeta.

A conexão entre computadores do mundo, através da Internet, favorece o que podemos chamar rede de conhecimentos. Esse conjunto de computadores interconectados formando uma rede, Pierre Lévy chama de ciberespaço. E ele vai além quando diz que "o termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas os seres humanos que navegam e alimentam esse universo". (LÉVY, 1999, p.17).

Lévy também traz outro conceito: neologismo criado a partir da palavra ciberespaço. A cibercultura é definida por ele como "o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço". (LÉVY, 1999, p.17)

Mudando cada vez mais rápido

Se fizermos uma análise comparativa entre a linha de tempo da humanidade e a linha de tempo das tecnologias, perceberemos algo muito interessante. Ao longo da história, o tempo de vida humana aumentou, enquanto que o tempo de vida das tecnologias diminuiu. Isso explica porque é, quase impossível, acompanhar a evolução tecnológica e a conseqüente difusão de conhecimentos através das TICs.

A cibercultura, dentre outros aspectos, nos leva a refletir na busca alternativas para lidarmos com todas essas transformações. Certamente não é possível, a cada quatro meses, trocarmos nossos computadores e equipamentos/ ferramentas de trabalho ou passarmos horas a fio lendo jornais, revistas, livros, sites na tentativa de mantermo-nos conectados com a evolução. Desse modo, só nos resta uma opção: aprender a aprender, como condição sine qua non para viver na "sociedade digital".

Conforme Joseph Lebeer[2] :

"As sociedades contemporâneas exigem o desenvolvimento de novas competências. Tudo muda tão rapidamente:

As mudanças nas condições de trabalho e tecnologias nos forçam a adaptar-nos e aprender a estudar.

(...) Os perfis de trabalhos mudam: uma sociedade tecnológica moderna necessita muitas pessoas mais, para trabalhar em empregos que requerem altas capacidades de pensamento". (LEBEER, 2002, p.2).

As afirmações de Lebeer são facilmente identificáveis no discurso de diversas instituições como a ONU, UNESCO, assim como, nas demandas do mercado de trabalho, quando colocam em pauta a necessidade do aprender a aprender , visando adequar o perfil de empregabilidade ao novo contexto sócio-econômico e cultural.

Num passado recente, havia um objetivo muito claro com a formação profissionalizante: inserir o indivíduo numa área específica, garantindo-lhe a capacitação necessária para atuar numa determinada parte dos processos de produção. Hoje, o objetivo mudou. A visão de uma parte do processo é substituída pela visão do todo, requerendo flexibilidade, adaptação, capacidade de detectar e resolver problemas, por parte do profissional. O indivíduo que possui mais empregabilidade é justamente aquele que adquiriu as competências e habilidades necessárias para continuar aprendendo e é capaz de atuar em várias, senão, em todas as etapas de um processo. Estamos na era do profissional multivalente.

Tendências na educação

Se a escola , num dado momento da história, teve como objetivo satisfazer às demandas do mercado de trabalho nos últimos quatro anos a tendência não é mais formar para o mercado, e sim para o trabalho. A mudança propõe a construção de competências e habilidades como condições básicas para que o aluno, ao concluir o Ensino Médio, esteja apto a inserir-se em qualquer campo profissional.

A reformulação curricular está estruturada em quatro premissas[3] delineadas pela UNESCO como eixos estruturadores da educação na sociedade contemporânea: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser. Para viabilizar a integração destes eixos, a interdisciplinaridade e a contextualização dos conteúdos trabalhados em sala de aula são altamente requeridas e evidenciam as principais idéias da pós-modernidade, no que se refere à não fragmentação, a complexidade, a multirreferencialidade e a concepção de que todo conhecimento está organizado em forma de rede – assim como, no ciberespaço.

Diante dos princípios teóricos propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's) – Ensino Médio, inevitavelmente, emerge a necessidade de uma adequação da prática pedagógica que responda às demandas internas e externas do ambiente escolar.

Se o papel do professor é ensinar, porque pensar suas funções na cibercultura?

Frente à sociedade contemporânea, os professores deparam-se com um dilema: o que e comoensinar.

Pierre Lévy compara a fase do "dilúvio informacional[4]" com o dilúvio bíblico e aquilo que ele conclui sobre o papel dos pais, pode ser relacionado aos professores.

"O dilúvio informacional jamais cessará. A arca não repousará sobre o monte Ararat. O segundo dilúvio não terá fim. Não há nenhum fundo sólido sobre o oceano das informações. Devemos aceitá-lo como nossa nova condição. Talvez tenhamos que ensinar nossos filhos a nadar, a flutuar, talvez a navegar". (LÉVY, 1999, p. 14 e 15).

Este é um momento crucial, porque já se sabe o que não atende aos anseios da sociedade contemporânea, tampouco dos alunos, mas ainda não se domina o como efetivar na prática o que a teoria sugere (ou impõe). Por ser um período de transição, traz incertezas, desconfianças e resistências para os professores habituados com uma prática pedagógica pautada em fundamentos tradicionais, enfatizando o produto e não o processo de aprendizagem. Além disso, a hierarquia na relação professor-aluno está ruindo – o professor não é o único que ensina.

A idéia de que numa sociedade tecnológica, o professor perde sua função é absolutamente incoerente. Isso só será possível se continuarmos concebendo a função do professor como repassador de informações. Ora, se o papel do professor é apenas transmitir conteúdos, procedimentos, conceitos (descontextualizados, isolados) podemos, sem qualquer prejuízo, substituí-lo por uma TV, um rádio, um computador.

Por outro lado, se penso num professor que atua como um mediador, que auxilia seus alunos a: encontrar conexões entre diversos saberes, resolver problemas, "nadar", "navegar" nessa avalanche de informações, atribuir significado aos conteúdos, aprender a como transferir aprendizagens entre diversas áreas, lidar com a tecnologia garantindo sua inclusão na sociedade, por mais digital que ela possa se tornar, fatalmente, sua presença em sala de aula é indispensável e insubstituível.

Da mesma forma que não é possível edificar uma construção segura sem bons profissionais, é quase impossível formar pessoa críticas, autônomas, sem a presença de um orientador eficaz. As salas de aula estão ávidas por professores que possam atuar como verdadeiros "arquitetos cognitivos e engenheiros do conhecimento", expressões, que segundo Andréa Cecília Ramal[5], são usadas por Pierre Lévy para definir um profissional que traça e sugere caminhos para a construção de competências e da inteligência coletiva, ou seja, o professor do novo milênio.

Esse "arquiteto cognitivo" precisa traçar muito bem por quais caminhos quer conduzir o raciocínio dos seus alunos, garantindo que estes estejam atentos, para que consigam, em outros momentos, trabalhar de forma independente.

Marco Silva[6] faz uma consideração interessante sobre a postura do professor dizendo que:

"De apresentador que separa palco e platéia, emissor e espectador, a arquiteto de percursos, mobilizador das inteligências múltiplas e coletivas na experiência da co-criação do conhecimento. E o aluno, por sua vez, deixa a condição de espectador, não está mais submetido ao constrangimento da recepção passiva, reduzido a olhar, ouvir, copiar e prestar contas. Assim, ele cria, modifica, constrói, aumenta e torna-se co-autor da aprendizagem.

Aliás, o aluno aprendeu com o controle remoto da TV, com o joystick do videogame e agora aprende com o mouse.(...) O professor precisa se dar conta de que isso significa emergência de uma atitude menos passiva diante da mensagem. E que essa atitude vem exigir uma nova sala de aula presencial ou on-line, onde transmissão e "decoreba" estejam fora de lugar.

(...) o professor precisa aprender com o webdesigner e não mais com o apresentador de TV. Enquanto esse velho conhecido é o narrador que atrai o espectador de maneira mais ou menos sedutora para sua récita, o informata constrói uma teia de territórios abertos a navegações e dispostos a interferências, a manipulações". (SILVA, 2002).

O grande desafio do professor na cibercultura é justamente saber mudar o foco do seu trabalho. Sair da memorização / reprodução, para uma idéia de aprendizes autônomos, capazes de construir conhecimentos coletivamente.

Nossos alunos agora são frutos de uma geração que podemos chamar de "geração digital" ou "geração net", portanto, tem necessidades diferentes das que tínhamos na idade deles. A escola e os professores precisam entender e pôr isso em prática, tornando exeqüível o que é proposto na teoria. Talvez disso dependa o futuro da educação.

Em suma, o professor na era da cibercultura precisa ensinar seus alunos a viverem na "selva tecnológica". Ele precisa garantir que os alunos saiam da escola levando as ferramentas básicas para enfrentar a vida, caso contrário, o tempo gasto na escola terá servido, apenas, para encher a mochila de objetos, informações e procedimentos absolutamente inúteis.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Bases Legais. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1999.

DEFFUNE, Deise e DEPRESBITERIS, Lea. Competências, habilidades e currículos de formação profissional: crônicas e reflexões. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2000.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999, 1ª edição.

LEBEER, Joseph. Mediar – Boletín Informativo, nº 14 – Julio 2002 – Ano VII. Universidad Diego Portales. Facultad de Ciencias Humanas y Educación. Centro de Desarollo Cognitivo.

RAMAL, Andréa C. O professor do próximo milênio. Disponível em <www. revistaconecta.com>, acesso em 23/03/2007.

SILVA, Marco. O professor online e a pedagogia da transmissão.Disponível em:<www.folhadirigida.com.br/professor/Cad08/ArtMarcoSilva.html>, acesso 28/03/2007.

___________. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2001.

TRIBUS, Myron. "PEI – Programa de Enriquecimento Instrumental: Estratégias do Pensar". In: Sinopse do I Fórum Internacional PEI. Salvador: Fundação Luís Eduardo Magalhães, 2000.



[1] Pedagoga, especialista em Educação e Tecnologias da Comunicação e Informação pelo NETI/UNEB, aluna do curso para Formação de tutores em EAD pelo NEAD/UFPR.

[2] Texto publicado no Boletín Informativo Mediar – Universidad Diego Portales – Facultad de Ciencias Humanas y Educación.

[3] Essas premissas estão detalhadas no volume 1 (Bases Legais) dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

[4] O dilúvio informacional, refere-se à difusão de conhecimentos, informações, etc proporcionado pelo ciberespaço.

[5] Artigo publicado na Revista Conect@ - Revista on-line de Educação à Distância, no qual a autora discute o papel do professor na cibercultura.

[6] Artigo publicado na Folha Dirigida.


Autor: Elaine dos Reis Soeira


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