Por Que o Etanol Não é a Salvação



O álcool combustível nos últimos dois anos passou a ser tratado no Brasil como a grande panacéia da questão ambiental da energia. Quem ainda não viu Lula anunciando feito místico ascenso, ao largo do planeta, algo parecido com "ajoelhai-vos, países desenvolvidos, eu tenho vossa salvaçãããooo!" quando falava maravilhas do etanol por aí? É notável que há uma orientação muito passional nas enormes expectativas de "um mundo melhor por ser movido a um combustível limpo e renovável", uma força de esperança pessoal bastante parecida com aquela que anima a vida de religiosos e crentes em curas pela fé, por também ser desprovida de ceticismo e encaração crítica. A verdade é que, embora a poluição vinda do cano de escape seja realmente bem menor, há uma contrapartida, um lado de porém, nociva o suficiente para levantar no mínimo questionamentos ríspidos ao caráter messiânico do álcool nos carros.

Falo de alguns problemas, dois ambientais e dois sociais, por sinal muito sérios e que devem ser encarados com muita sobriedade, pé no chão e atenção. Todos envolvem os lugares de onde saem a "promessa", os imensos latifúndios de cana-de-açúcar e sua expansão, e denunciam a extrema fragilidade, ou mesmo a quebra, do triângulo da sustentabilidade – Ambiental/Econômico/Social.

O primeiro fator ambiental é o nosso "amigo" desmatamento. Lembrem-se, o Nordeste só tem sua economia sustentada pela cana desde a época colonial porque a Mata Atlântica foi quase totalmente varrida da região pelos latifundiários, foi reduzida a frágeis pinguinhos onde árvores frondosas ainda se aglomeram. O mesmo serve para São Paulo, atual maior estado canavieiro do país, onde os canaviais tomaram muito do lugar dos cafezais da República Velha. Dali o cerrado foi banido e a floresta tropical foi dizimada a menos de 8% da área original. Analisando com seriedade, percebemos que só foram possíveis a criação do Proálcool nos anos 70, a proliferação dos carros flex na década atual e os discursos encantados de Lula porque nossos ecossistemas foram mutilados sem piedade e sobrepostos por "desertos verdes" que se perdem no horizonte.

E, com esse mais recente boom do etanol, a ameaça começou a se dirigir para a Amazônia. Lacaios do governo do PT juram de pé junto que ela não será violentada por essa nova frente de expansão agrícola como a soja de exportação e a pecuária fizeram (e continuam fazendo), mas, quando a grilagem de vastas terras se junta com uma oportunidade clara de se fazer chover dinheiro, como está acontecendo agora, fica claro que essa garantia não soa mais garantida do que promessa de bêbado.

Esse fator sozinho já é suficiente para pôr abaixo aquela esperança daqueles que anseiam por um combustível limpo e ambientalmente amigável. O pior é que o mesmo problema se estende para todos aqueles de origem vegetal.

O segundo problema é muito poluente. A presença de queimadas nos canaviais termina compensando grande parte do que se deixa de mandar para o ar pelo cano de escape. A plantação ainda precisa ser queimada, em prol da remoção da palha, para uma colheita e processamento otimizados das varas de cana. É fácil notar que uma intensa poluição atmosférica sai desses lugares e dá ao etanol a infeliz propriedade de "poluente duplo", porque joga fumaça no ar duas vezes. E mais uma vez frustram-se os que vêem nele o atributo de "combustível limpo".

No lado social, pesam também dois pontos contra. Primeiro, a piora da distribuição agrária. Quem ainda não pensou e percebeu que é impossível nossa demanda energética automobilística ser suprida por culturas de tamanho limitado? Não precisamos de muito esforço mental para notar que o canavial é um padroeiro fidagal do latifúndio, dos magnatas do agronegócio, da concentração de terras enormes nas mãos de muito poucos em detrimento dos habitantes mais humildes do universo rural. E mais, se acontecesse no Brasil uma Reforma Agrária verdadeira, com R e A maiúsculos, imagine qual seria um dos primeiros produtos agrícolas colhidos em grande escala a serem fortemente inibidos.

E algo que transmite um alerta vermelho para toda a humanidade é o segundo ponto crucial da insustentabilidade etílica. A sede do agronegócio canavieiro, com a alcoolmania, do mesmo jeito que tem potencial de avançar varrendo ecossistemas, não poupa nem mesmo cultivos de alimentos. Primeiro foi grande parte daqueles cafezais que garantiam o grosso de exportações brasileiras nas primeiras décadas do século 20, e agora é qualquer cultura alimentícia, incluindo feijão e arroz, que é sobrescrita pela bem mais lucrativa cana-de-açúcar. Novamente a questão do dinheiro fácil encanta os agricultores, que imprudentemente abandonam os antigos produtos e abraçam a fonte do etanol. Isso, como de se esperar, está diminuindo a oferta de comida e aumentando seus preços, tendo sido denunciado como um dos culpados pela crise dos alimentos que pipocou este ano e não tem prazo para ser totalmente debelada.

Percebemos com esses e outros pontos que o álcool combustível, ao menos como conhecemos hoje, está muito, muito longe da sustentabilidade e seu caráter de "limpo" é de certa forma mais uma ilusão desenhada pelas passionais esperanças da humanidade pela queda da poluição atmosférica do que uma salvação garantida. Por isso é que estamos condenados a ficar entre a cruz e a espada quando abastecemos nosso carro: ou a gasolina muito poluente e limitada pela natureza, ou o álcool de muitos inconvenientes ou... o gás natural, pouco poluente mas tão finito quanto o petróleo. O hidrogênio, considerado a verdadeira solução, ainda não chegou, e motiva tristeza o fato de o etanol não ser um recurso bom o bastante para preencher provisoriamente sua lacuna de combustível limpo e virtualmente inesgotável. Não vejo outro jeito de alcançar uma real segurança energética que não seja pressionar pela vinda o mais logo possível do H2.


Autor: Robson Fernando


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