Ária - A Cancão do Adeus



Ronyvaldo Barros dos Santos

Ela estava estendida sobre o chão tal como um anjo divino. Não era um anjo qualquer, era a minha musa. Donzela de olhos tão serenos e castos; musa angelical, Mademoiselle de pele tão alvadia e pomposa, dos lábios adocicados e carnudos. Expirara um dia depois da nossa despedida tão melancólica. Eu havia tocado pela última vez os seus lábios tão apetitosos, as suas mãos tão delgadas e castiças. Eu não teria coragem de dizer a ninguém que eu sabia deste trucidamento. Confio, pois, apenas nesse papel em que retrato em algumas poucas linhas a minha consternação.

Não choro, me dispo; não rumino, reclamo. Sei, não obstante, que a minha casta donzela cujo nome não citarei — porque não posso proferi-lo sem metê-lo ao peito — era a mais pura de todas, não porque eu a amava, porém por um simples motivo, ela era um anjo! Apenas uma vez avistei aquelas asas, ser alado; apenas uma única vez pude vê-la segredar a Deus piedade e aquiescência.

Uma, apenas uma lágrima declina-se dos meus olhos, não porque choro, eu cogito coisas estapafúrdias que agravam o meu cerne. Bem como a minha pueril donzela não se despedira. Eu a beijei, osculando-a veementemente. Deu de ombros aquela donzelinha. Porque eu a confiava, eu a desposava. Portanto, eu a amo. Meu amor é infindável, incessante, inquebrantável.

Não, não um papel qualquer, uma folha de carmim. Eu a descreverei, minha casta donzelinha:

Que olhos tão flamejantes e belos, cor anil! Que doces palavras disseste! Que eu possa sempre sentir o teu gosto, quando respiro e analiso todos os bálsamos. Eu sempre estarei contigo, quão prometera rezar por mim, a premio.

Devo dizer o que te fez ir-se? — Momento-chave. Não sei se posso dizê-lo, nesse papel. Poderei confiá-lo, caro folhetim? Porque não sei quem está por detrás desta dissimulação. Poderá um homem astuto, bem sabedor das ciências ocultas ou jurídicas? — Estou refletindo. E neste papel de refletir te digo, caro folhetim: sou eu bem conhecedor das coisas ocultas; por isso não me indago, por isso não me dispo mais.

Sim, eu a amo, cara donzelinha, minha paixão, minha musa. Não cogito como se fosse eu o agente desta tragédia instantânea. Quando correras após o apaixonante beijo em que se libertara por pouco... Saiba que eu previra.

Devo ir-me também. Eu imploro! E eu sei que quando enunciar teu nome expirarei como tu, minha casta donzelinha. Doce graça tens!

Em nosso encontro anterior choravas e eu secava as suas lágrimas docemente, pois eu não poderia vê-la sofrer, minha doce donzelinha; porque a amo e sem ti não há vitalidade, sem ti o mundo se torna um globo grotesco, obscuro, infecundo. Então eu a tomei em meus braços, a acariciei delicadamente, sussurrei em seus ouvidos coisas de amor, e nisso ficaras intacta. Ah, vacilara, minha musa! E quando toquei os seus lábios rudemente procurando abrigo em sua aflição levantara e dissera aos murmúrios: "Não, não te amo mais, Monsieur". Eu sentia que se tratava de uma mentira, de uma aleivosia veemente, porque em mim encontrara consolo, e em mim se fora. Não que a morte represente o fim, porém representa a vitória deles. Eles a massacraram, e eu os findei.

Não há lágrimas. Beije-me! Por favor, me beije! Sabia que estavas viva, a amo, pois!!! Não chore, amor, não chore. Não soluce mais, estou bem, porque não partiste. Estou feliz agora, tocando esses seus belos cabelos ondulados e brilhantes. Estou feliz porque a tenho em meus braços, pobres membros. Ama-me e sempre estaremos juntos, disse. Mas não paraste de chorar, cara donzelinha, por quê? Disse que a quero muito e que a adoro, não por um simples flerte; porventura, para sempre. Tal como enunciara Forever (Toujours).

Menina cruel à minha amargura! Ama-me! Não me chore! Porque acaricio os seus lábios fartos e declives, deslizo pelo o seu corpo de anjo, como se fosses uma ninfa encantada. E que belos seios formosos! Sussurraste: "É verdade, amo-te muito". Não segredara sem devoção, sua voz doce enunciou-o com veemência e carinho, fazendo se acoplar os nossos lábios num rito grave de amor. Uma música apaixonante fez-se ao fundo, é uma orquestra ária. E eu choro. Tu desapareces como que num passe de mágica, e eu sinto uma força prestidigitadora a nos dominar (eu e tu, meu folhetim).

Fala-me, folha de carmim, fala-me! Como ela se fora? A minha Lucie, a minha flor de todas as horas, a minha ermida majestosa, o meu anjo. Onde está a minha donzela aliciosa? Aquela que morrera em prol a Deus, se entregara, aquela casta donzelinha de olhos anis e coruscantes, de pele alvadia e suave, de mente tão brilhante, porém tão doidivanas!

As lágrimas, vós estais aqui, presentes! Vão-me, por favor, vão-me! O projétil está morto, e eu também, porque escrevi o nome dela: Lucie.

Oh, sinto, ela se foi e eu morro!


Autor: Ronyvaldo Barros dos Santos


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