Poemas da Obra Tríptico



Tríptico

 

Numa capa se destacam,

três dobras desenhadas.

Uma simboliza o sorriso,

outra os degraus de uma escada,

e a do centro, 

a recoberta,

a capa deste livro.

 

Não importa o motivo

que define estas páginas,

seja o pai, a mãe e o filho;

ontem, hoje e amanhã;

uva, pêra e maçã

em um cesto colorido.

 

Verso, estrofe e poema

é o tríptico do poeta.

Um desenho em linha reta

onde a mão serve de guia,

a caneta solta a letra

resultando em poesia.

 

 

Esta casa

 

Seja bem-vindo

ao meu recinto.

Sem cerimônias,

pode adentrar.

Lá fora, o mar

jorrando espumas,

também as dunas,

vento a soprar.

 

Se o meu piso

retém areia,

não se acanhe,

pode limpar.

E se quebrar

um objeto,

seja correto,

reponha-o já.

 

Se acaso usar

alguma coisa,

faça uma lista

para comprar.

Não vá pensar:

é uma egoísta.

Bem mais que peço,

posso lhe dar.

 

Dar-lhe-ei abrigo,

coisa de amigo.

Minha cozinha

para cear.

No meu alpendre,

deita comigo.

No meu banheiro...

Deixa pra lá.

 

 

Biografia

 

Sou imortal

nas páginas mal relidas.

Mantive a vida

em letras acabadas.

Capas de luxo

no lixo jogadas.

Versos enxutos

em folhas já molhadas.

Chuva que cai,

palavras borradas.

Uma mão na luva

que cata a esperança

nas poucas letras

ainda não apagadas,

na tentativa

de mantê-la viva,

biografia

de um poeta que se cala.

 

 

Desafeto

 

No espaldar da cadeira,

encontro reminiscências

em versos quase eternos

quanto o terno

surrado que me veste.

Nas gotículas do soro,

sou a peste

ainda imune à ciência.

Se permaneço vivo

é por decência.

Quando partir

será por desafeto.

 

Existências fotografadas

 

Em preto e branco,

vejo o retrato de minha avó;

um colorido, de minha mãe

na mesma idade,

em épocas tão diferentes.

As mesmas rugas

congeladas pelo tempo,

se opõem à tempo

de percebê-las.

No traço da boca

quase sem lábios,

cópias do mesmo espaço

deixado entre eles.

Existências fotografadas

em negativos transparentes;

duas mentes,

sementes,

avó e mãe.

 

 

Contraceptivo

 

Eu não sei se é o desespero

que me leva à loucura

quando o sexo estupra

a minha alma,

ou a calma

que advém do meu tormento

pelo tempo

que passou em minha palma.

Movimento anormal

de penetração moral

em sua saia,

e no cheiro da indecência,

feromônio da ciência

em uma jaula.

Uma fera excitante

que no último instante, ofegante,

cospe a vida

no seu couro de borracha.

Não há luta, nem corrida;

há uma triste despedida

de um suposto vencedor

que foi fruto de um amor

e se enforcou

com a própria cauda.

Milenar

 

A flor que cheira

ao desabrochar um dia

na noite fria

de uma estação secular,

sente chorar

no orvalho que inicia

a poesia do jardim onde ela está.

 

O vento dá,

arrancando suas pétalas;

cores dispersas

na imensidão que há.

Resta uma pá

esquecida entre espinhos,

ovos e ninhos,

uma pegada a traçar.

 

Triste cantar de uma grande ventania.

Folhas sem guia,

arrancadas do lugar.

Vasos quebrados,

que estranhas sepulturas,

onde a cura

vem da raiz milenar.

Entre o céu e a gaiola

 

É impossível a uma ave,

acreditar

na mão que agora abre a porta

na intenção de a soltar,

a mesma mão que um dia outrora,

a pôs numa fria gaiola

depois de tirá-la do ar.

 

Bater as asas e voar,

já não consegue;

está completamente entregue.

Sua prisão tornou-se um lar.

 

Como é difícil acreditar

no amor fiel,

se sob o imenso azul do céu,

a traição teima em reinar.

 

A quem eu posso enganar,

sendo infiel,

se como a ave a voar no livre céu,

limito o meu horizonte

e a todo instante

quero voltar?

Caravelas

 

O dia nublado,

auréola dista.

Um sol retocado,

vermelho em pranto.

No cruel tratado

de Tordesilhas,

das Terras alheias,

tornei-me dono.

Após ter singrado

mares bravios,

em naus, caravelas,

um nome santo.

Denominado enfim,

Brasil.

Povo gentil

de cores e cantos.


Autor: João Felinto Neto


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