Livros e Leituras & Leitores



Cismo que não passei grande parte de minha vida, como crera pouco tempo atrás, a ler e ler livros, eles é que me estiveram a ler a vida, talvez até me tenham percorrido a vida como se eu fora a estrada e os livros, os pneus... No entanto, a estrada curva-se, flexiona-se ondulantemente nas alterosas, num sobe-e-desce vertiginoso, deságua seu asfalto, piçarra ou lama em uma longa ladeira, vez por outra, que finda em um fundo depressivo que, de quando em quando, demora uma vida a emergir em um platô extenso, crivado de feridas na superfície irregular, como se crateras fossem, mini ou macrocrateras lunares em pleno terreno terráqueo (perdão pela tautologia), perpassando em tenebrosos túneis – alguns até muito iluminados, mostrando absurdamente o mundo (lá fora, longe-longe), como uma inversão da alegoria platoniana da caverna, como o mundo sensível –, findando em um deserto escaldante a mostrar, para além da vista, monumentos áridos, irrespondíveis, e também pontos de fuga numa estrada que ilude ao vislumbrar-se um fim seu – pura miragem! – em um lago fresco e azulado, chegada de uma maratona de onde sequer houve largada, ou escolha de término...

No filme Lawrence da Arábia, quando Lawrence quer voltar para socorrer um homem que ficara para trás, no deserto, é aconselhado a não fazê-lo, pois a morte do homem já estava escrita por Alá, numa espécie de livro do destino. Todavia, ele o salva. É quando argumentam: "Ah! Então, estava escrito que ele se salvaria!" Logo depois, ele desobedece à lei, e o próprio Lawrence o liquida. Todos dizem: "Então, já estava escrito mesmo!" Mas, o que importa? Se as primeiras páginas ou foram, de todo ou apenas em parte, apagadas (ou nem escritas, sabe-se lá...), com linhas inteiras para sempre perdidas, ou riscadas, quem estaria por trás de tão cruel trapaça, que miragens planeja para atormentar ainda mais as linhas tão sem sentido da vida de um ser humano, seja quem for? E para que intento?

Sei de uma coisa: se de fato tivesse como ler os capítulos, páginas, linhas dessa estrada, que imagino por força de uma teimosa irresignação arraigada em mim, seria menos ou mais feliz o percorrer, o perambular pelo livro escrito? Ou, (quem sabe?) não o estaria eu a escrevinhá-lo sem projeto que haja, mas assim mesmo, alguém pode/pôde folheá-lo sem se condoer de quem está sendo folheado, como um livro que por ventura seu autor abandonara pela metade? Os fantasmas, portanto, tentam, de algum modo, criar um epílogo verdadeiramente para uma narrativa que alguém deixara inacabada, ás vezes por pura decepção com o herói inventado, ou por pura indolência de seu 'autor'? Ou – que droga de tragédia! – o autor teve seu epílogo abreviado pelas conjunturas fatais do tráfego perigoso de uma rodovia sem gran finalle?


Autor: Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues


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