Um Professor Neutro?



UM PROFESSOR NEUTRO?

Há poucos dias, observando uma criança catando latinhas em frente a uma escola pública fechada, na zona sul de São Paulo, a advogada do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente – CEDECA / Jardim Ângela, Dra. Fabiana Vicente de Moraes, em tom de indignação, interpelou-me: é possível que um professor ou professora, mesmo outro educador social, no desempenho de suas atividades educativas seja neutro diante às dimensões que perpassam o contexto social? A partir da proximidade com duas realidades sociais marcadas pelo estigma de lugares violentos – Vila Irmã Dulce, em Teresina, e Jardim Ângela, em São Paulo, respondi-lhe: - não.
O professor ou professora é um agente de socialização e a educação tem um caráter político-ideológico. Diz Paulo Reglus Neves Freire (Recife, 19 de setembro de 1921 — São Paulo, 2 de maio de 1997): “me movo como educador porque, primeiro, me movo como gente”. Logo não me posso desgentificar para ser um professor ou professora na medida em que “o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdade, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia”. A palavra, “neutro”, vem do latim “neuter”, significando “nem um nem outro”, além de uma referência original ao gênero, isto é, nem macho nem fêmea. Daí que, um professor ou professora neutralizado é um eunuco, um castrado. Aquela criança é um sinal.
A idéia de neutralidade se baseia no pressuposto de que a objetividade freia a subjetividade. Ora, todas as escolhas que fazemos são influenciadas inevitavelmente por vários interesses: políticos, sociais, econômicos, religiosos, culturais etc. No Brasil, a educação tem sido de uma classe justamente por não ser neutra como apregoam ser.
Dizer que um professor ou professora é imparcial para com a realidade em que se insere - um simples observador de fatos - é mitificar a sua presença no fazer-educativo, e o pior, no mundo. É um mito porque enquanto um agente de socialização o professor ou professora não apenas observa os fatos, mas necessita interpretá-los - até para sobreviver em sociedade - e tal interpretação sempre será permeada pelas suas representações de mundo. Mesmo que não tenha qualquer consciência desse ato.
As realidades das periferias urbanas, p.ex., a Vila Irmã Dulce e o Jardim Ângela, exigem do professor ou professora um alto nível de criticidade e eticidade. Do contrário, a sua prática educativa equivocada pode tender a reprodução de mais malefícios no contexto. Para Freire, “um dos saberes primeiros, indispensáveis a quem, chegando a favelas ou a realidades marcadas pela traição a nosso direito de ser, pretende que sua presença se vá tornando convivência, que seu estar no contexto vá virando estar com ele, é o saber do futuro como problema e não como inexorabilidade”.
O autor esclarece: “é o saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar”. Assim, o professor ou professora neutro inexiste no processo educativo-crítico.
Autor: Arnaldo Eugênio


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