Aborto de Anencéfalo: Conduta Exigível?



Culpabilidade é reprovabilidade da configuração da vontade. Portanto, toda culpabilidade é culpabilidade de vontade, ou seja, somente se pode reprovar ao agente, como culpabilidade, aquilo a respeito do qual pode voluntariamente.

Agora que já esta conceituada a culpabilidade, é necessário também que se analisem seus elementos.

A culpabilidade é composta por três elementos, imputabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Este último elemento é o que nós interessa, e que está diretamente ligado a não incidência da lei penal, nos casos de realização de aborto em gestante que porta em seu útero feto anencefalico.

O tema em analise, diz respeito a casos em que mesmo que se contrarie norma jurídica vigente, tal ato não seria socialmente reprovável, em virtude do alto sacrifício, que teria de ser realizado, para que se faça cumprir os ditames da lei.

Quando se fala em exigibilidade de conduta diversa, espera-se, que o individuo haja de uma forma condizente, com os padrões éticos, e morais que a sociedade onde ele reside tenha como certo, ou seja, é totalmente reprovável na sociedade contemporânea, por exemplo, que uma pessoa cometa o crime de latrocínio, por uma quantia insignificante de dinheiro, ou como se vê, em alguns casos, até por um par de tênis, tal atitude é, completamente inaceitável, nos dias atuais.

Quanto à questão da inexigibilidade, que é o assunto em foco, ocorre justamente o contrário.

Imagine-se em uma situação fictícia, em que o Código Penal não tivesse previsto nenhuma das excludentes de ilicitude, que estão tipificadas no artigo 23 do referido diploma. Dentre elas está a legitima defesa, que é a auto tutela por parte do individuo, que se encontre em perigo, impossibilitado de recorrer à ajuda estatal. Seria exigível, que o Estado proibisse as pessoas de se defenderem quando o mesmo não o pudesse fazer.

Quando somos questionados sobre tais perguntas, as respostas são óbivias, é inexigível que o Estado impeça as pessoas de se defenderem, e que as mesmas, defendam entes queridos quando os mesmos se encontrem em perigo, longe da tutela estatal.

O mesmo vale, para as mães, que carregam em seu ventre fetos acometidos de anencefalia. Seria justo, obriga-las a levar a termo, uma gestação que não trará vida a outro ser humano.

Com que autoridade moral o Estado poderá exigir dessa gestante que aguarde o ciclo biológico, mantendo em seu ventre um ser inanimado, que quando a natureza resolver expeli-lo, não terá alternativa senão pranteá-lo, enterrá-lo ou crema-lo?! A inexigibilidade de conduta diversa, nessa hipótese, deve ser aceita como causa excludente da culpabilidade. Assim, as circunstâncias especiais e complexas que envolvem o fato não podem ser esquecidas. Enfim – na hipótese –, de anencefalia não se pode reprovar o abortamento que a gestante possa pretender, pois, á evidência, outra conduta não se pode exigir de uma aflita e desesperada gestante.

É também oportuno, que se lembre que o Brasil é um dos países que ratificou a convenção Interamericana, convenção está que tem como objetivo, o fim da violência contra as mulheres.

Com toda certeza, é uma forma de violência contra as mulheres, obriga-las a levar tal encargo até o fim!

É impensável que, no Brasil, em horizonte visível se possa chegar á descriminalização do aborto. O tema está impregnado, ainda, de intolerância religiosa moral. E, todavia dever-se-ia pensar no assunto muito séria e racionalmente. O Brasil rural, sem espaços públicos para discussão da autonomia e liberdade públicas, ambiente em que foi editado o código penal que vigorou em 1940, não existe mais. Deu lugar a um pais urbano e favelizado, com imensas diferenças sociais. O direito como legislação e como interpretação tem que recuperar o tempo perdido, eis que evoluiu menos do que a sociedade.


Autor: Ciro Augusto Cordeiro de Souza


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