Cultura Historiográfica: A Construção da Identidade Nacional



O RESUMO: O que é identidade social? O que caracteriza a identidade pessoal? O presente artigo reporta-se em seu texto intitulado “Cultura Historiográfica: A Construção da Identidade Nacional”, que propõe uma reflexão teórica brasileira na ótica de José Carlos Reis, tendo como objetivo, apresentar hipóteses de estudo sobre história através da análise contextual, intertextualidade e epistemológica que têm se dedicado a esta temática. Palavras - Chaves: Identidade - Historiografia - José Carlos Reis          

O autor argumenta que, Varnhagen defende a presença portuguesa no Brasil e faz o elogio da colonização portuguesa, e é compreensivo com os seus erros e despotismo. Isto quer dizer, que a Independência não foi prejudicial porque garantiu a continuidade do Brasil colonial no nacional, ou seja, um Brasil português. É interessante observar que a Independência não interrompeu o passado e sim melhorou-o. É evidente que o Brasil continuava português, imperial e independente. Com isto, a nação brasileira seria planejada e construída pelo Estado Imperial, autoridade indiscutível, absoluta. Dentro desta perspectiva, a Independência não foi problemática porque o Estado não foi comprometido, porque continuava nas mãos da dinastia de Bragança. Desta maneira, pode-se entender, que o Estado brasileiro seguirá o modelo do Estado português. Nesse sentido podemos perceber que a unidade deverá ser preservada a qualquer custo, enquanto que o Estado será o centro da nação gigantesca e ao mesmo tempo assegurará a ordem, a lei, a religião, a unidade. Percebe-se por essa leitura que o estado continuará a ação civilizadora da Europa branca. De toda forma a uniformidade cultural e a unidade nacional se fizeram com repressões sangrentas. Diante disto, Reis comenta o seguinte:

"A diferença entre Varnhagen e Freyre nesse aspecto talvez se explique pelas datas das suas obras: em 1850, Varnhagen formulava uma visão ainda portuguesa do Brasil, enfatizando a ação da família real; Freyre, em 1930, enfatizando a ação da família rural, formula uma visão luso-brasileira do Brasil, a visão das elites descendentes dos descobridores, que admiram e reverenciam a memória daqueles que criaram este mundo nos trópicos para ela. Há também uma diferença teórico-metodológica essencial: nos anos 1850, predominava uma história político-administrativa e biográfica, valorizando as ações e documentos oficiais; nos anos 1930, aparece uma "história nova", econômico-social-mental, que valoriza as iniciativas coletivas, anônimas, inconscientes, não-oficiais, reveladas por uma documentação maciça, múltipla, interdisciplinar. Freyre é um dos pioneiros dessa nova história(Burke, 1991)."(REIS, 1999, p. 71 – 72)

Diante deste fragmento acima, queria saber qual era a história que o Brasil recém-independente precisava? Ou era a que as elites brasileiras, os descendentes dos "descobridores", dos conquistadores, precisavam para levar adiante a "sua" nova nação, em meados do século XIX? Essa história realizava um "elogio do Brasil luso-brasileiro", dos seus heróis portugueses do passado, expressando uma confiança incondicional em seus descendentes. Assim, essa história não falava de tensões, separações, contradições, exclusões, conflitos, rebeliões, insatisfações, pois uma história assim levaria o Brasil à guerra civil e à fragmentação. Isto é, abortaria o Brasil que lutava para se constituir como poderosa nação, como um outro Portugal.

Ressalte-se, ainda, que essa história legitima a repressão a toda expressão espontaneamente "brasileira". De acordo com José Carlos Reis, Varnhagen será o formulador dessa história e se tornará o primeiro grande "inventor do Brasil", aquele que guiará os conservadores de todos os matizes, que querem um Brasil branco, cristão, unido, sem conflitos, ocidentalizado, controlado sem contestação pelas elites instaladas no Estado, que se tornaria uma potência mundial, um império colonial, um outro Portugal.Varnhagen foi um conservador em idéias mas arguto na concepção de um Estado nacional brasileiro, imbuído na construção ideal da nação. Idéia que no curso da história ganha foro com a imprescindibilidade da intervenção do Estado e o papel que ocupa o intelectual nesta relação.

Não podemos esquecer que em Varnhagen, o ideal de homem branco brasileiro vai aparecer entrelaçado à Nação e ao Estado, de maneira que é nele e por meio dele que essas duas entidades se realizam e se completam. O homem só desabrocha em todas as suas qualidades quando submetido a uma comunidade, na qual encontra o amparo e a segurança de permanecer num "estado de civilização", sem decair para o "estado de barbárie", que seria seu destino, faltassem a assistência e a proteção da comunidade. Como entendemos Varnhagen traça um longo panorama etnográfico da vida indígena, visando descrever e compreender a organização social dos indígenas, seus costumes, tradições, línguas, ideais religiosos e, de maneira particularmente especial suas origens. Sua importância, na interpretação que fazemos, e sua preocupação, desde o início, é atribuir ao indígena e à sua sociedade um estatuto e uma importância que não conferem nem à sociedade negra, nem ao homem negro: "abundância que deles havia na costa da Guiné", "os escravos eram considerados, como na legislação romana, coisa venal", e assim sucessivamente.

José Carlos Reis ainda mostra, que Gilberto Freyre, não poderia ter sido efetivado sem a contribuição do braço trabalhador do negro, isto é, sem a instituição da escravidão durante a colonização do Brasil. Penso que, a presença do negro "não comprometeu em nada a criação portuguesa, pelo contrário, foi um esteio indispensável. Eles deram uma contribuição excepcional à colonização portuguesa e foram também civilizadores do Brasil." (REIS, 1999, p. 64)

Visto que, uma das principais teses de Freyre diz respeito ao tipo de relação decorrente do encontro de raças no Brasil. "Foi um encontro fraterno, solidário, generoso, democrático, viabilizado pela miscigenação. Vencedores militar e tecnicamente de indígenas e negros, os portugueses tiveram, no entanto, de transigir com eles quanto à vida familiar e social." (REIS, 1999, p. 66). Reis afirma que no caso da miscigenação, que permeio desde a chegada dos colonos na terra brasileira. Vindos sem mulheres brancas, os primeiros portugueses, possuidores de um forte ímpeto sexual, nas palavras de Gilberto Freyre, estabeleceram relações sexuais com as índias locais para satisfazer tal ímpeto. Com o desenvolvimento da atividade colonial, as índias foram substituídas pelas mulheres negras e mais tarde as mulatas incorporaram-se a tal harém lusitano. A essa constante miscigenação entre raças, ocorrida em virtude da falta de mulheres européias na colônia e à frenética sexualidade lusitana, deve-se, nas palavras de Freyre, a formação do povo brasileiro.

Assim, um clima de confraternização "sexual e social" reinava sobre o engenho. O branco, embora militarmente vencedor, teria tratado o escravo com ternura e condescendência. Freyre ilustra que essa tese com o exemplo das crianças de cores diferentes que brincavam juntas e da escrava que amamentava o bebê da mulher do senhor de engenho. As relações sexuais entre as raças formadoras do Brasil explicam, para ele, o caráter benigno das relações sociais em nosso país. Gilberto Freyre não escamoteia a dominação nem as barbaridades cometidas contra índios, negros e mestiços pobres, mas pensa que elas foram exceção num ambiente de patriarcalismo benevolente, Reis diz o seguinte:

"Casa grande & senzala é uma obra neovarnhagenia: é um reelogio da colonização portuguesa do Brasil. O Brasil é visto como uma sociedade original e multirracional nos trópicos, obra do gênio português(Skidmore, 1994). Na sua história patriarcal, cujo palco é a casa grande, "onde se exprimiu melhor o caráter brasileiro", ele enfatizará também a nossa continuidade da colônia à nação."(REIS, 1999, p. 55)

Segundo Reis, a troca da raça pela cultura não alterou a diluição, tradicional na visão conservadora, dos conflitos e contradições de classe. Ela fundamentou, na versão de Gilberto Freyre, a lenda do caráter benigno da colonização portuguesa; da democracia nas relações sexuais entre os senhores brancos e as índias e africanas que o serviam; do mito do senhor bondoso, que seria característico do escravismo brasileiro – traços dos quais ele foi o grande divulgador, gerando o mito da democracia racial brasileira. Ele mistificou nosso passado colonial e escravista, vendo nele uma cordialidade que não encontra apoio na documentação histórica. Portanto, não teria existido, em momento algum, um regime de apartheid social no Brasil. "Na casa grande, os escravos domésticos foram tratados com doçura – eram como familiares, pessoas da casa, com parentes pobres." (REIS, 1999, p.77). Sinteticamente, o que Reis quer dizer é que o palco de todos esses acontecimentos é, claro, o engenho:

"A Casa grande & Senzala foi (...) o centro da história colonial brasileira, foi um verdadeiro 'palácio rural' – ali morou o seu verdadeiro sujeito, o senhor patriarcal, cercado de sua família extensa legítima e ilegítima, seus escravos domésticos, seus agregados, sua capela, sua plantação e escravos, sobre os quais exercia um poder absoluto, sem apelo." (REIS, 1999, p.72)

Conforme o pensamento do autor, o papel civilizador ao negro e instituindo um lugar na família senhorial para o escravo, Freyre justifica a escravidão e bota "panos quentes" no que diz respeito aos males e à violência inerentes a ela. Críticos do autor alertam para o fato de que o tipo de relação que ele descreve acontecia entre os senhores e os escravos domésticos, que eram minoria se comparados aos escravos que trabalhavam no engenho como um todo.

É interessante notar que Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, é um marco na tentativa de compreender as transformações sociais aceleradas de então, atualizando o pensamento oligárquico ao investir contra os preconceitos racistas e dar novos contornos à compreensão das relações étnicas no país. Foi pioneiro na reavaliação positiva da herança portuguesa e da mestiçagem, e a tentativa de compreensão mais acurada do país, ressaltando a originalidade de nossa civilização e cultura, são aspectos positivos e permanentes dessa obra que provocou escândalo e suscitou a oposição de escritores, sacerdotes católicos e intelectuais ligados à elite conservadora, agitação que levou muitos a considerá-la revolucionária, por não fugir ao enfrentamento dos velhos e ameaçadores fantasmas do imaginário de nossas classes dominantes.

Mas não se pode esquecer o caráter mais profundo dos escritos de Gilberto Freyre, seu esforço de atualização do pensamento conservador, de acertar-lhe o passo com as mudanças sociais, apontando para um novo pacto político ameaçador para o exercício exclusivo do poder das velhas elites. Esta obra iniciada com Casa Grande & Senzala sinalizou à oligarquia uma forma nova de interpretar o país, indicando-lhe a necessidade de agir política e socialmente para adequar as velhas estruturas sociais à nova ordem, capitalista, que surgia, e sobreviver nela. É nesse sentido que aquela foi a obra de um conservador que mal disfarçava sua lealdade à própria classe. A revisão oligárquica, de Gilberto Freyre, perdeu consistência ao longo dos anos e hoje estiola-se em tentativas de reabilitação do escravismo cuja sobrevida é amparada pelo neoconservadorismo dominante. Freyre tentou captar a especificidade das relações sociais e humanas no Brasil não em termos de raça, mas de cultura.

Casa Grande & Senzala foi publicado durante a década de 30, período em que o Estado brasileiro passava por mudanças profundas econômicas e políticas. No plano econômico, com o estímulo do regime centralizador de Vargas à expansão das atividades urbanas, o eixo produtivo do país se desloca da agricultura de exportação para a incipiente indústria. No plano político, a Revolução de 30 possibilita a participação da classe média e da burguesia no cenário político nacional. Assim, o momento era difícil para a elite rural não só porque a agricultura perdia espaço durante a emergência de uma classe média, do tenentismo, de uma recém-surgida burguesia e do movimento operário, todos estes setores insatisfeitos com a República Velha, contribuíam para a derrocada do regime. A oligarquia via seu poder esvair-se na medida em que o fracasso da política do café-com-leite tornava-se evidente. A urbanização ocasionava o deslocamento do foco de poder das áreas rurais para as urbanas. Assim, as cidades deixavam de ser meros prolongamentos da grande propriedade, dando continuidade ao processo de decadência da oligarquia que se iniciava com a Independência política em 1822 e que atingia seu clímax com a Abolição da Escravatura, em 1888.

Na década de 1930 o modernismo, já na sua segunda geração, se consolida no em nosso país, estando em sintonia com as mudanças que ocorriam no campo político e social em conseqüência da derrocada da velha ordem. Ligou, no Brasil, a tomada de consciência da realidade brasileira, o que certamente influenciou o surgimento de obras de estudo do país, como os livros que vamos analisar. Quanto ao contexto ideológico da década de 30, podemos citar como características da época em questão o positivismo, o afastamento da tradição historiográfica política, jurídica e institucional, dominante na década de 20.

José Carlos Reis nos mostra que Sérgio Buarque de Holanda foi propor uma inovação na Historiografia brasileira, analisando a formação da nossa sociedade em suas características como um "todo", e não prendendo-se a preconceitos de classe e raça vistos em autores anteriores à década de 1930 no campo dessa análise social. E daí vem a importância marcante de "Raízes do Brasil". A metáfora de seu nome já propõe uma renovação nos estudos do Brasil colônia, que remete à mostragem de nossas origens históricas, sociais e culturais para concluir a respeito de como se configura a nossa sociedade hoje. Reis "abandona" as teorias positivistas e evolucionistas com as suas características do século XIX e utilizadas para definir nosso subdesenvolvimento e a falta de identidade nacional desde os tempos coloniais e mergulha em profunda análise das influências recebidas por meio da colonização portuguesa no país, determinantes para a compreensão nacional. Em Raízes do Brasil, o histórico é a chave que abre as portas para redescobrir e entender o Brasil. Dessa forma, é um marco dos estudos sociológicos brasileiros, ao sugerir novos métodos analíticos e formas de se enxergar a evolução social de nossa nação ao longo de sua História, e não com teorias pregadoras de diferenciação raciais. Ainda discorrendo sobre isto, José Carlos Reis coloca o seguinte:

"Se, durante o século XIX, a realidade social excluía e o pensamento a legitimava, agora a realidade continuava excluindo, mas sem a legitimação cúmplice do pensamento brasileiro. Este passou a defender a inclusão de negros, índios, mulheres, pobres de todo tipo, enfim, de todos os marginalizados da sociedade oligárquica, do passado, os quais deverão ser integrados à sociedade brasileira no futuro."(REIS, 1999, p. 118)

Neste fragmento acima, Sérgio concorda em um ponto, que os portugueses adaptaram seus hábitos para morar em solo brasileiro. Hábitos esses relacionados à alimentação, instrumentos de caça e pesca e descanso, com a adoção da rede indígena. O que parece ser esquecido de Raízes do Brasil é que existia, ainda que limitada, uma estratificação de classes sociais em Portugal, que é transplantada para o Brasil. Afinal, como se verá, o topo da cadeia social é o senhor de engenho, dono de posses, terras e poder. Todos os outros elementos, como escravos, familiares e outros tipos de dependentes, se subordinarão a ele.

No entanto, Sérgio Buarque parece esquecer desse fato ao tratar da transposição da estrutura de classes sociais para a colônia brasileira, se recuperará ao falar mais adiante dos poderes dos senhores de engenho, mostrando que esse elemento, realmente, era a maior força da sociedade colonial. Feita esta observação decorrente da oposição entre autores, retrocedemos à idéia do mérito e virtude. Para comprovar tais princípios existentes no povo português, pode-se citar, como exemplo e ainda de acordo com Sérgio Buarque, a estirpe dos colonizadores que para cá vieram. Não se tratavam de portugueses com ocupações já determinadas e fixas em sua terra, mas sim de aventureiros. Ou seja, pessoas que queriam fazer-se ricas em pouco tempo e obter títulos de nobreza, e para isso arriscariam a vida em tal empreitada colonizadora, ou seja, usurpadores de riqueza.

O português, então, seria um ser caracterizado pelo grande afeto que sente pelos que lhe estão próximos, e nesse sentimento basearia as suas relações sociais. Estas constituem-se como paternalistas, visto que ele se torna e se considera como que o protetor de quem o cerca, dando e obtendo deles carinho, amizade, afeto em troca da fidelidade, do respeito e da companhia. Recusa-se a fazer alianças com desconhecidos, mesmo que isso lhe seja um bom negócio comercial, por exemplo. Para ele, importa mais o que o coração sente, e não o que diz a razão ou necessidade. O Paternalismo configura, então, relações emocionais no seio da sociedade portuguesa. E serão relações paternalistas que o colono português trará no processo colonizador do Brasil. Aventureiro, desejoso de fortuna fácil e rápida, em cujas veias corre sangue, latino, mestiço, o português colonizador torna-se senhor de engenho ao ganhar alguma terra; o açúcar é o produto que gera riquezas e o prende a essa terra; o negro africano é o elemento produtor; o local de produção são as terras quentes e litorâneas do Nordeste. Como veremos no próximo tópico, estes e outros elementos serão importantes para o nascimento, nestas terras, do citadoHomem Cordialde Sérgio Buarque de Holanda. Reis diz o seguinte:

"Entretanto, S. B. de Holanda poderia argumentar que o paternalismo seria a expressão da cordialidade entre diferentes. A diferença é então vivida afetivamente: senhores e escravos, brancos e negros, apesar da enorme distância social entre eles, se relacionam cordialmente- amam-se e odeiam-se. A cordialidade não se restringiria, portanto, às relações pessoais no interior das elites, mas seria uma característica da sociedade brasileira em geral. A cordialidade não se confundiria também com bondade, generosidade, afabilidade, como atendeu Cassiano Ricardo. Ser "cordial", segundo S. B. de Holanda, é agir e reagir em sociedade segundo os ritmos do coração, da efetividade, sem se deixar dominar por regras sociais, impolidamente."(REIS, 1999, p. 136 – 137)

É neste ponto que o Homem Cordial representa, para Sérgio Buarque de Holanda, uma possibilidade para definir a identidade brasileira que resulta da colonização portuguesa. Podemos explicá-lo como um ser que constrói suas relações sociais por meio da afetividade, dos motivos do coração em detrimento dos da razão, ou seja, o Homem Cordial reprime todo e qualquer tipo de relação movida por interesses, ele só se relaciona com alguém se "gostar ou não" dessa pessoa. Isso inclusive aplica-se a motivos econômicos e políticos. Neste mesmo ensaio a figura do Homem Cordial surge nos engenhos de açúcar brasileiros, que eram as unidades produtoras do Brasil Colônia e nos quais concentrava-se a maior parte da renda metropolitana. Esses engenhos eram centros produtivos isolados e independentes, sendo habitados pela família do senhor de engenho e seus agregados e algumas pessoas mais próximas.

Esse autor salienta que a cordialidade caracteriza todas as relações existentes no Brasil Colonial nos primeiros séculos de ocupação. Relatos de comerciantes dessa época contam que para vender um produto a um oligarca era preciso primeiro tornar-se seu amigo. Essa cordialidade, é preciso esclarecer, não se refere necessariamente a prática de boas maneiras no trato com as pessoas ou demonstrações de bondade. Ela pode representar maldade ou compaixão por parte de uma pessoa a outra, dependendo do que esta última lhe causa. Representa também falta de polidez e de princípios civis, fundamentais para a organização de um Estado. Nos exemplos que analisaremos, isso se comprovará em fatos como a utilização de diminutivos no trato com entidades religiosas e a dificuldade de se constituir um Estado industrial com a decadência das oligarquias apoiadas no tráfico negreiro após a abolição deste na segunda metade do século XIX.

Em seguida tinha como objetivo fazer fortuna nas novas terras e depois voltar à pátria-mãe e desfrutar de sua riqueza e seu título honorário. Outro exemplo dessa sociedade que privilegiava a virtude e prendia-se a princípios tradicionais dá-nos a burguesia lusitana que se forma com as Grandes Navegações. Enriquecida e orgulhosa de seus méritos, passa a comprar títulos de nobreza e sentir-se nobre. Prefere, a introduzir uma nova organização social ligada ao comércio, o que acarretaria novos princípios de organização, seguir uma ordem já tradicional e bem firmada.

José Carlos Reis reporta-se que em 1933, Caio Prado Jr. lançava sua "Evolução Política do Brasil". Começava ali uma circulação que o levaria ao posto de maior historiador brasileiro após a década de 1930. O Intelectual do movimento operário, marxista, comunista, lutou pela liberdade em níveis além dos limites do liberalismo. De toda forma se perguntava que país era este que não tinha passado por uma revolução burguesa nem comunista. Pregava a aliança entre os trabalhadores e a burguesia contra o que chamava de Imperialismo. A dominação de Portugal, EUA e Inglaterra teria sido escolha da elite, que não poderia ser sujeito da história. Só as classes sociais em luta poderiam valorizar as forças produtivas e fortalecer a nação. Metódico e acadêmico, localizou e explicou desigualdades, diversidades e contradições sociais. Rediscutiu conceitos e foi o primeiro a avaliar as dificuldades em se falar do Brasil com conceitos produzidos em outros contextos.

Caio Prado era filho da aristocracia cafeicultora paulista e membro ativo do PCB. Fez uma história econômica, e isto foi motivo para muitas críticas. Mas foi o primeiro a se questionar quais conceitos deveriam ser criados para analisar o Brasil, fugindo da regra básica da adaptação de teorias européias ao nosso contexto. Foi o primeiro também a fazer uma síntese econômica, histórica e política, não podendo isolar nenhum dos três fatores para contar a nossa história. Lançou uma política de industrialização, urbanização e desenvolvimento tecnológico que foi importantíssima para a evolução do país. Bem, no próximo post eu vou falar da evolução do conceito de cultura brasileira em relação à evolução do conceito de história do Brasil.

Esse seria um momento particularmente importante, já que se iniciaria, então, a transição entre a colônia e a nação. Como essa transição, de acordo com Caio Prado Jr., começa com a vinda da família real portuguesa, ela seria um longo processo histórico que se prolongaaté os nossos dias e ainda não está terminado. Não é também mero acaso que o principal livro do historiador marxista tenha como objeto precisamente os primeiros anos do século XIX.

A colônia é, além do mais, escrito com a intenção de que sirva de introdução para uma interpretação do Brasil de hoje, que é o que realmente interessa. Tendo isso em mente, propõe fazer um equilíbrio geral da colônia durante os princípios do século passado, ou seja, antes, naquele período que cavalga os dois séculos que precederam imediatamente o atual. Ter-se-ia então um resumo do Brasil que saía, já formado e constituído, dos três séculos de evolução colonial e tal será o objeto deste primeiro volume. As transformações e vicissitudes seguintes, que nos trouxeram até o estado atual, virão depois. É Essa continuação, talvez mais ambiciosa, não chegou, porém, a ser escrita.

Mas Caio Prado Júnior sentiu a necessidade de "ir tão longe",até o início do século XIX, no primeiro volume de Formação do Brasil contemporâneo, por saber que é precisamente nesse período que se inicia a história contemporânea do Brasil. No entanto, na formação social brasileira o tempo custaria particularmente a passar, já que nunca houve ruptura significativa com o passado. Isso contribuiria até para que "uma viagem pelo Brasil" seja "muitas vezes, como nesta e tantas instâncias, uma incursão pela história de um século e meio para trás". A colonização do Brasil seria produto direto da expansão ultramarina européia. Como diz Caio Prado Jr., ela é apenas "um episódio, um pequeno detalhe daquele quadro imenso".Seria, portanto, só a partir da compreensão desse fenômeno maior que se poderia realmente entender a experiência particular da colônia brasileira. Ele aponta que: Sua obra do Brasil contemporâneo revelaria este economicismo já em sua estrutura: ela divide em três seções básicas, cuja disposição revela a prioridade da infra-estrutura como instância determinante na análise – povoamento, vida material, vida social."( REIS, 1999, p. 177)

Caio Prado Júnior, em Formação do Brasil Contemporâneo, considera que, da organização social que o colono importa de Portugal, não foi possível reproduzir na colônia a unidade familiar. Segundo ele, o português vinha para o Brasil em sua maioria sozinho, deixando sua família na terra natal ou trazendo-a aos poucos. Portanto, afrouxam-se em sua pessoa os valores e regras familiares, e com essa conseqüente falta de mulheres brancas na colônia ele satisfaz seus impulsos sexuais com as escravas. Mesmo nos casos em que o colono vive com sua família em terras brasileiras, os atos sexuais fora do casamento não diminuem. Para Caio Prado, este é o sentido da colonização brasileira, definindo nestas terras a chamada colônia de exploração. Nesta, o colono português seria senhor e portador de nobreza; outros trabalhariam para ele. E estes serão os negros africanos, trazidos para cá principalmente em função do lucro que seu tráfico gerava a Portugal. O escravo negro, portanto, é o motor da produção do açúcar. Daí a rigidez em suas relações com o senhorio. Se ele não trabalha o suficiente, a produção decresce e em conseqüência o lucro de seu senhor. O castigo que sofre vem em decorrência de sua pouca dedicação ao trabalho e ao desrespeito ao senhor. Reis enfoca outro ponto importante, afirmando que:

"Tomaremos A revolução brasileira para análise por essas razões internar e também porque ela revela a posteriori o pensamento marxista original de Caio Prado. Na verdade, sua visão marxista do Brasil está toda ela expressa nessa obra, uma retomada do que ele já tinha escrito e uma tomada de consciência do que foi pensamento brasileiro marxista dominante e o que ele poderia se tornar. Os analistas de Caio Prado, em geral, dão mais valor e atenção aos livros de 1933, 1942 e 1945. Poucos der am maior atenção A revolução brasileira. Também isso vale a pena examinar o livro de 1966. A revolução brasileira é uma análise crítica e autocrítica das relações de produção brasileiras, feita sob a pressão da história, pioneira, corajosae coerente com suas posições anteriores."(REIS, 1999, p. 181-182)

Neste fragmento acima, podemos perceber que a evolução política do Brasil, Caio Prado Júnior parece mais "aplicar" o pensamento marxista a partir das obras existentes sobre o processo histórico-político brasileiro do que estudá-lo concretamente. Porém, esse limite deve ser visto em sua época, haja vista a relativa recepção tardia que o materialismo histórico, em particular, e o marxismo, em geral, tiveram no Brasil. Mesmo assim, essa obra marcaria em originalidade. Por outro lado, categorias fundamentais para o referencial do materialismo histórico para o estudo de uma formação social específica como relações de produção ou modo de produção não eram ali manejadas pelo autor. Coerente com sua formulação inicial, Caio Prado Júnior escreveria nove anos depois, em 1942, que o Brasil colonial e o início do século XIX eram a "chave preciosa e insubstituível para se acompanhar e interpretar o processo histórico posterior". Era a chave para se entender a Formação do Brasil Contemporâneo, erigida sobre a base e o passado colonial, como já havia anunciado na obra anterior.

Caio Prado mostra que diferentemente do que se poderia supor pelo exemplo europeu, não se viveu no Brasil a transição entre feudalismo e o capitalismo, mas sim uma situação colonial ligada ao capitalismo, e uma situação nacional, também capitalista. Estando a história brasileira desde o seu início vinculada ao capitalismo, o que ele julga ter permanecido. Nesta concepção a montagem do sistema colonial nos séculos XVI e XVII insere-se no contexto da acumulação de capital decorrente da expansão do comércio, iniciada pela Europa nos séculos anteriores. Nessa etapa da história européia, o feudalismo começou a ser definitivamente superado e a centralização política, patrocinada pela burguesia, adquiriu um caráter irreversível. Nesse processo, mesmo com variações de país para país, predominou o absolutismo como norma econômica e a sociedade estamental como forma social predominante. E nesta orientação se afirmará a colonização na América e mais precisamente no Brasil, permeando as relações internas tanto sociais e políticas.

Isto é, era necessário entender por onde se davam os mecanismos de ligação que marcavam as estruturas econômicas de ambas, colônia e a metrópole, possibilitando assim a compreensão da sua "evolução" futura. Ora, se a metrópole, ao proceder a "colonização" do Brasil estava ligada a um processo de transição do feudalismo para o capitalismo, então a colônia integrada àquela apresentava identidade semelhante, sendo essa relação essencialmente estabelecida pelo comércio. Numa fase de predomínio do "capitalismo mercantil", a colônia é vista como uma extensão metropolitana, pois o centro da sua análise será feito a partir do processo de circulação de mercadorias. Como resultado prático, a partir da visão do autor, serão produzidas estratégias diferenciadas sobre o caráter da revolução brasileira, algumas delas influenciando os movimentos anti-ditadura no pós-1964.

Caio Prado então vai buscar a essência da formação do Brasil, que teve o objetivo voltado para fora, na qual se constituiu toda a sociedade brasileira bem como todas as suas atividades, estabelecendo um sentido para a evolução brasileira, cujo caráter inicial da colonização se viu predominante, de tal maneira que a colônia representa para o autor o passado no qual se constituíram os fundamentos da nacionalidade brasileira, enquanto que o futuro a ser construído seria a nação. Em seu livro de Caio Prado, "Formação do Brasil Contemporâneo", enfatiza que foi um corte num momento significativo da história brasileira, durante o fim do século XVIII e início do século XIX, pois ele marca uma etapa decisiva na evolução do Brasil e inicia em todos os outros terrenos, social, político e econômico, uma tese nova. Com a transferência da corte portuguesa para a colônia brasileira e também todos as atos preparatórios da emancipação política do país, fornecendo um balanço final da obra realizada por três séculos de colonização.

Sérgio Buarque não foi um criador de polêmicas graves, foi o mais criativo em utilizar as teorias alemãs que ressaltavam o particular, o único, a singularidade. Para Sérgio Buarque de Holanda, o brasileiro era um neoportuguês, mesmo tendo índios e negros, pois continuava agindo como um descobridor. Para Sérgio Buarque, a família não poderia ser modelo moral de poder, porque família forte é um obstáculo à constituição do Estado Moderno. Sérgio Buarque ampliou o debate sobre o passado e o futuro do Brasil. Fez uma obra conceitual, documentada, sensível, democrática e otimista, mas era considerado um historiador muito erudito. Não identificou quem seria o sujeito da revolução brasileira, e não estimulou nenhum setor da sociedade a sê-lo. Reis afirma que:

"Segundo ele, o Brasil vive uma lenta revolução: transita de uma sociedade rural, regida por privilégios, familiar, natural, para uma sociedade urbana, mais abstrata e regrada, artificial. Aparece gradualmente a possibilidade de rompimento com o estatuto colonial e seu modelo agroexportador e a realização do desenvolvimento independente apoiado na cidade e na indústria, que incorporava novos contingentes da população à cidadania. Essa transição leva o homem cordial a uma crise – ele a teme e evade-se . A nossa revolução liquida o passado, adota o ritmo urbano e propicia a emergência de camadas oprimidas da população, únicas capazes de revitalizar a sociedade e dar-lhe um novo sentido político.[...] Esse processo revolucionário é lento e longo; começou há muito e está longe de terminar. "(REIS, 1999, p. 137-138)

A salvação para o Brasil, segundo Buarque de Holanda, seria uma revolução que daria fim aos restos da história colonial e iniciar a traçar uma história brasileira, diferente, particular e moderna. Trata-se de adotar o ritmo urbano e elevar as camadas oprimidas da população, pois apenas estas poderão revitalizar a sociedade e propiciar o novo sentido à vida política, já que são fisicamente melhores que a classe alta e também o seriam mentalmente se as oportunidades fossem favoráveis, como seriam no caso da "revolução". Porém, com a cordialidade, o brasileiro dificilmente chegará nessa "revolução, que seria a salvação para a sociedade brasileira atual.

A grande revolução brasileira não é um fato que se registrasse em um instante preciso; é antes um processo demorado e que vem pelo menos há três quartos de século. O momento talvez mais decisivo de todo o nosso desenvolvimento nacional é que a partir dessa data tinham cessado de funcionar alguns dos freios tradicionais contra o advento de um novo estado de coisas, que só então se faz mais visível entre duas épocas. Houve uma mudança importante da sociedade, dos centros rurais para os centros urbanos, apesar de importante mudança, as coisas ainda não estava perto do final. No dia em que o mundo rural começou a ceder espaço para a invasão do mundo das cidades, começou a decadência das influências ultramarinas. Diante disto ele afirma que:

"O sentido dessa revolução: do aniquilamento das raízes ibéricas de nossa cultura, da recusa da herança portuguesa, para a inauguração de um estilo novo de vida social, talvez, "americano" – S. B. de Holanda estaria propondo os Estados Unidos como modelo da sociedade urbana a ser construída? Ou se refere a um estilo de vida especificamente brasileiro, americano, sem contaminações ibéricas? O sentido preciso dessa passagem da obra nos escapa. O que fica claro é que americano quer dizer sociedade urbana, antiibérica e não rural. Ou sociedade capitalista, urbana, do tipo norte-americana. Iberismo e agrarismo se confundem. Quando o mundo rural começou a desagregar-se, decaiu a influência portuguesa. Americanismo e urbanismo se confundem. Quando o mundo das cidades começou a ascender, ascendeu a influência americana."( REIS, 1999, p. 133)

Essa influência só permaneceu devido a cultura americana. Se fatores especiais favorecem o primeiro desses movimentos, não há dúvidas que ele só se acentuou devido à perda de resistência do agrarismo. Com o definhamento das condições que estimularam a formação entre nós e a aristocracia rural poderosa e de organizações não urbanas dotadas de economias autônomas. Tais mudanças comportamentais vieram da ascensão do café e do declínio do açúcar. Como o cultivo do café não ocupava muitos terrenos, ela foi considerada uma planta democrática. Contudo, a cultura cafeeira mantinha o mesmo sistema das açucareiras, que exigia grandes capitais, dessa forma não sendo tão acessível. Com o tempo a produção foi estabelecendo suas próprias características.

Tal fator fez com que o escravo trabalhasse mais. Dessa forma não tinha mais tempo para ele plantar para sua própria subsistência. Foi a partir daí que surgiram os quitandeiros. Que eram lavradores que vendiam mantimentos básicos de subsistência. Com o desenvolvimento das ferrovias, as cidades aumentaram a distribuição de alimentos. Vindo a necessidade de distribuidores de alimentos, onde o domínio agrário deixa de ser uma baroni, aproximando-se de um centro industrial. Com isso a abolição não teve tanto impacto, pelo menos para algumas regiões cafeeiras. Já para produtores de açúcar, que não queriam abandonar o sistema patriarcario foi muito mal visto. Essa destruição de trabalho escravagista favoreceu a indústria, uma vez que ela precisa de consumidores para justificar a sua produção.

O desenvolvimento do Estado tem suas necessidades de acordo com o povo. Até os dias atuais nós brasileiros ainda não nos desligamos do Brasil Imperial. No Brasil a separação da política e da vida social atingiu em nossa pátria o máximo de distância. A primeira república não deu certo, pois, não modificou quase nada. É inegável que em nossa vida política o personalismo pode ser em muitos casos uma força positiva e que ao seu lado os lemas da democracia liberal parecem conceitos puramente ornamentais ou sem raízes fundas na nossa realidade.

Concluímos, que essa "revolução" não é, no dizer de Sérgio, e sim é um fato que se registrasse num instante preciso. Esse processo foi que marcou a Abolição, e isso liga "Raízes do Brasil" ao livro sobre o "Brasil-Império". Seu campo de desdobramento, a cidade. Os personagens em fuga, o agrarismo e o iberismo. O fermento emergente, o "americanismo". A transição não se estaria dando de forma linear, mas dialética. Por mais que os princípios do patriarcado estivessem corroídos e o estamento aristocrático exaurido, o "aparelhamento político" não havia renovado seu perfil. Parecia oscilar entre o beletrismo liberal e fórmulas mitigadas de fascismo, que pareciam alimentar-se mutuamente. Intuía, assim, a ameaça integralista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

  • REIS, José Carlos. "Anos 1930: Gilberto Freyre - O Reelogio da Colonização Portuguesa". In.: As identidade do Brasil 1. Rio de janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 51 – 82.
  • REIS, José Carlos. "Anos 1930: Sérgio Buarque de Holanda – A superação das raízes ibéricas". In.: As Identidades do Brasil 1. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 115 - 147.
  • REIS, José Carlos. "Anos 1960: Caio Prado Jr. – A reconstrução crítica do sonho de emancipação e autonomia nacional. In.: As Identidades do Brasil 1. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 173 – 201.

Autor: Luciano Agra


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