A Encruzilhada



O assassinato de Jorge Seraute causou alarma na pacata cidade. Ninguém compreendera que triste fim resguardara. O comissário e detetive Luiz Augusto de las Neves reconheceu que o assassino deveria ser um parente ou amigo próximo do escritor, porque o homicida sabia perfeitamente onde Jorge guardava a sua arma oculta, um canivete oxidado, herança de família, provocador de tão triste fim. Não se pode omitir, entretanto, que o escritor, crítico político, pactuava muitos inimigos, entre eles estava o poderoso Henrique Medeiros, chanceler.

O detetive visitaria a senhorita Helena Maia, noiva do defunto. A donzela então percebeu que se bateu em portas. Após abrir-se o acesso o comissário pôde perceber que a donzela estava hesitante. Ela adornava um belo vestido de festas, tinha a maquilagem feita e sua postura estava desleixada. Luiz Augusto notou um charuto que ainda emanava fumaça, estava sobre uma mesinha próxima a uma poltrona recém-afofada. Notou-se ainda um livro denominado Esfinge,de Robin Cook, e um pince-nez sobre a mesma secretária.

A senhorita pediu que se sentasse e disse jocosamente:

— Gosto de acender o fumo para me lembrar de meu noivo — sorriu forçadamente. — A fuligem é um atributo a ele.

A donzela ergueu a mão esquerda pausadamente, parecendo que algo a incomodava. O comissário pegou um bloco de notas e uma esferográfica áurea. Destarte começou a inquirição:

— Disseram-me que tu estavas ao aconchego da sua casa na rua doze quando ocorrera o assassinato?

— Sim — hesitara mais uma vez. — Não, na verdade estava a tecer na casa da tia Joana.

— Donde as informações verossímeis apontadas vieram? — muitos já haviam sido interrogados pelo comissário, todos ficavam irritados e medrosos, ao mesmo passo que todos vacilavam.

— Não me vem à memória. Estou confusa — alegara a mulher. — Nego qualquer aleivosia — baixara a cabeça num ato indiscreto. — Porém pude vê-lo à rua onze a dançar e pigarrear insolências à donzela.

— Não é de mim que viemos falar, em deferência a uma autoridade — retrucou o comissário Luiz tranquilamente. — Não quero que se insulte — findou como uma autoridade que era. E havia um fogo nas palavras do detetive, mestre conhecedor da arte da acareação. Não admitia que alguém além dele fosse superior na utilização das sinonímias, tal como nunca deixava os outros "se insultarem", como enunciava meticulosamente.

O detetive fitava a donzela com veemência. Trocavam olhares; contudo, a donzela notava o olhar do comissário e ficava terrificada, em suma, dissimulava (não sabia coincidentemente a arte da dissimulação).

Luiz Augusto, este nobre homem das leis, sabia que havia mais calúnias na história deste assassínio do que se poderia intuir. Todos os parentes do morto agiam como se nada tivesse acontecido, como se o ente ainda estivesse vivo ou como se não se importassem com tal cobardia. Sim, ele poderia intuir que mal havia nesta trama assassínia. Porém cogitou, ruminou com tanta eminência que os seus olhos crispavam. Talvez não mais estivesse tão hábil à ciência criminalística. Era velho, havia completo os seus quarenta anos de idade e muitos aspiravam a sua aposentadoria.

Recordou-se a custo do charuto, do pince-nez e do livro, que estavam arranjados de forma tão forjada, de forma tão suspeita. Conjeturou, conjeturou e chegou a uma conclusão crível. Recolheu-se à morgue. Chegando ao destino, fez-se de frente à múmia cerrada em mau cheiro e contaminação. Tapou as ventas com a mão esquerda, tocando o defunto com a mão direita, protegida somente por uma cobertura plástica. Um dos peritos o trouxe uma pasta contendo documentos policiais retidos e agora violados. O detetive analisou os papéis com minúcia e precaução. Descobriu antanho que o escritor possuía muitas amantes e que uma delas o havia arranjado um estigma na orelha esquerda. Nos documentos constava algo assim. Porém era uma cicatriz nata. A história sobre tal amante era falsa, já que o homem já havia nascido com tal baliza. Ao seu papel, recolheu-se à meticulosa análise. Não havia tal anomalia congênita, outrossim, uma cicatriz diversa que deveria de ter avisto a olho nu, resultado de um penetro projétil no peito, não-perecível. E uma coisa estava acertada, aquele não era o famoso Jorge Seraute, descoberto em meio a uma encruzilhada.

Fez-se uma nova visita à donzela fatigada. Desta vez não pediu que se sentasse. Helena disse que tamanho o incomodo e o comissário não articulou nada, pousou os olhos na moça e a inquiriu se o tal defunto tinha um irmão gêmeo, tal como havia pedido que se investigasse o fato. Não se confirmou o assunto de nenhum dos lados. Helena defendeu que não conhecia nenhum similar e a justiça legitimou a palavra da donzela. Estava certo que Jorge Seraute não tinha nenhum irmão gêmeo e Luiz Augusto percebeu que tamanha a encruzilhada.

Quem era o finado? Onde deveria estar o verdadeiro escritor? Por que havia forjado a sua morte? Estas e outras indagações prevaleciam quando o senhor comissário buscava entre um cochilo e outro desvendar o caso. Aí está a encruzilhada! disse Ubiratan, o carro-chefe de uma guarnição qualquer.

O comissário resolveu convidar o amigo, Carlo Kafanke, a maior mente em casos criminalísticos de todos os tempos, para ajudá-lo no caso. Tudo o amigo soubera aos mínimos detalhes. Após ficar ciente de tudo o que estava acerca do caso, o detetive Carlo estava certo de quem era o assassino do morto incógnito e o que ocorrera.

A mucama do escritor fora interrogada de súbito, bem no momento em que sairia da cidade. Dissera que um dos livros do sinhozinho havia sumido, pois completavam os livros de cabeceira cinqüenta e dois e haviam apenas cinqüenta e um após o assassinato. Contara ainda a serviçal que havia visto um fantasma do amo e que por isso estava de saída da cidade, pois estava sendo atormentada por alma penada, pensava. — E que tal descrever o que ocorrera tempos anteriores?, disse Carlo Kafanke. A decrépita disse com a voz muito gasta:

— O sinhozinho Serão era um deus, me adorava e eu o enchia de palavrões. Ah, ele gostava! Mas quando a demônia da sinhorazinha chegou naquele dia, o homi ficou duro de pedra. Um tal de Joaquim Kristopher, um desses nomes lindões dos bestas de rico estava agarrado com ela.

— Prossiga, minha senhora — pronunciara o comissário.

— Mas o que querem os senhores? — averiguou instruidamente a mucama.

— Apenas encontrar o assassino do senhor Jorge Seraute? — obtemperou indecisamente o comissário.

— Sim, exatamente solucionar o caso — confiou o detetive Carlo Kafanke.

— Só sei que o sinhozinho Serão está feito alma penada — concluiu a serviçal.

— Quando que viste o senhor? — questionou mais uma vez o comissário.

— Eu não me lembro bem, acho que noite passada — redargüiu educadamente a velha.

Os dois criminalistas, a grosso modo — não no sentido integral do termo — saíram satisfeitos, tinham provas que confirmavam seus ideários acerca do delito, inafiançável.

— Sanciono a sabatina! — disse jocosamente o senhor Kafanke.

Estava descoberto a farsa. A senhorita Helena fora a assassina de Joaquim Kristopher, político fluente, como pesquisaram.

— Cara de um, focinho do outro — atroou o comissário escarnecendo.

Confessara Jorge Seraute sobre o ocorrido: acontecera que na noite do episódio um dos inimigos do escritor aparecera em seu quarto querendo retaliação, a sua noiva Helena, sabendo que havia um instrumento cortante próximo à secretária, atacou o político após este extrair uma das orelhas do outro. Ninguém revidou. O outro estava falecido. Trataram então ambos, aproveitando-se da boa aparência do homem, de forjar o assassinato do famoso escritor, assim [ele] se livrava dos inimigos e sairia impune. E deu certo uma vez que peritos despreparados fizeram a perícia.

Tudo, no entanto, confessava: as coisas sobre a secretária, a atitude da noiva, o sumiço do alfarrábio, as marcas esquecidas, a atitude dos familiares do defunto.

— E, pois, que encruzilhada foi essa? — indagou Ubiratan.

— A encruzilhada dos cretenses — retrucou o comissário com um sorriso peçonhento.

Ronyvaldo Barros dos Santos


Autor: Ronyvaldo Barros dos Santos


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