HISTÓRIA EM QUADRINHOS: UMA ESTRATÉGIA DE LEITURA



O QUE É LEITURA?

"Oh, Bendito o que semeia / Livros... livros à mão cheia... / E manda o povo pensar! / O livro caindo n'alma / É gérmen – que faz a palma, / É chuva – que faz o mar" Castro Alves

 

Ler não é somente decodificar palavras, mas saber identificar: odores, cores, sons, luzes etc. "Desde os nossos primeiros contatos com o mundo, percebemos o calor e o aconchego de um berço, diferentemente das mesmas sensações provocadas pelos braços carinhosos que nos alcançam".(MARTINS. 2006, p.11).

Na visão de Lajolo (1993, p.59) "ler é ser capaz de atribuir aos textos significados, relacionando-o a todos os outros textos. É perceber as inferências que o texto traz consigo, permitindo melhor esclarecimento para o leitor".

A leitura não pode ser confundida com decodificador de sinais. O ato de ler inicia-se quando o leitor, por meio de sua percepção, toma consciência dos documentos escritos existentes no mundo. De acordo com Silva (2000. p.95) "Ao buscar a intencionalidade, o sujeito abre-se para a possibilidade de significação, para proposições de mundo que os signos do documento evocam e sugerem".

Para compreender um texto, a partir das referências sugeridas pelos signos, o leitor busca situar diversas possibilidades de significação, interpretando, assim o texto. A leitura se manifesta como a experiência resultante do trajeto seguido pela consciência do sujeito em seu projeto de desvelamento.

Na acepção de Bordini (1988, p.16) "A tarefa da leitura consiste em escolher o significado mais apropriado para as palavras num conjunto limitado". Pois, embora as palavras sejam explicadas no dicionário, nunca exprimem um único significado

A leitura não pode ser algo forçado. Para que esse ato se torne um hábito, não deve ser imposto pelo professor de Língua Portuguesa, mas sim trabalhado com professores das diversas disciplinas escolares, discutindo sobre diversas áreas, podendo despertar o interesse do educando e posteriormente levá-lo ao gosto pela leitura. Essa deve ser exposta de modo agradável e no nível de conhecimento do aluno, pois ler o que não se compreende leva o discípulo a afastar-se da leitura. Dessa forma, na tentativa de buscar incentivo no ato de ler, o professor deve investir em novos métodos, não somente buscar os "clássicos da literatura", mas também apresentar aos alunos que uma história em quadrinhos é uma forma de leitura, e com ela, o docente pode tornar esse material um forte aliado no desafio aluno versus leitura.

As Histórias em Quadrinhos são as mais eficientes alianças da literatura com as artes visuais. É impossível achar alguma forma de mídia que transmita com tanta elegância, versatilidade e fidelidade tanto as nuances das artes visuais, que sempre marcaram os observadores pela capacidade de transmitir inúmeros detalhes e idéias através da visualização, quanto à sutileza e a força da literatura, que de uma forma lenta e gradual gera infinitos pensamentos e reflexões ao leitor. Enfim, as histórias em quadrinhos, ou HQs, são uma forma de arte com toda certeza. É claro que existem as aberrações, usadas única e exclusivamente para gerar lucros, mas isso também existe na pintura, na música, no cinemae nenhuma dessas formas foi descaracterizada como arte.

A História em Quadrinho é algo remoto, pois desde a Pré História, os homens retratavam suas experiências de caçadas nas paredes das cavernas, o que não deixa de ser uma história em quadrinhos, uma seqüência lógica de desenhos. A HQ teve seu desenvolvimento baseado nas necessidades humanas. Desta forma, se o público muda, a literatura também deve mudar para agradá-lo. Os quadrinhos, enquanto artes, são uma evolução natural da arte seqüencial como, tendo tomado para si características e funções, exatamente como o cinema fez com a pintura.

Nely Novaes Coelho, em sua obra "A literatura Infantil", afirma que as histórias em quadrinhos são tão válidas quanto os livros de figuras como processo de leitura acessível às crianças pequenas. Desta forma, ela destaca que, psicólogos, como por exemplo, Claparède acreditam que as crianças ao lerem as histórias em quadrinhos não somente se divertem com também satisfazem uma necessidade interior e instintiva, à necessidade do crescimento mental, inerente ao ser em desenvolvimento.

Por ter uma linguagem simples e imagens coloridas, os quadrinhos atraem as crianças e jovens com mais facilidade e com seu processo de comunicação, atende com mais destreza à sua própria predisposição psicológica.

É importante ressaltar que a preocupação com o estudo da criança é bastante recente. Foi a partir do século XVII que a Igreja afasta a criança de assuntos ligados ao sexo, apontando as inadequações que estas vivências traziam à formação do caráter e da moral do indivíduo. Dessa forma, passaram a construir escolas onde se preocupavam com a leitura, escrita aritmética etc, pois séculos anteriores as crianças eram tratadas como pequenos adultos. Com esse retrocesso pela história do desenvolvimento, pode-se pensar que esse fator foi um grande passo para o surgimento e expansão das histórias em quadrinhos.

Essa linguagem mais simples que os quadrinhos oferecem, estimula o hábito da leitura, pois ninguém gosta de ler o que não entende. E é desta forma que o gibi, nome popular das HQs, pode incentivar no processo de amadurecimento intelectual. Na escola mais tradicional, o que os professores de Língua Portuguesa faziam era obrigar o aluno a ler sem ter ao menos um conhecimento prévio de sua leitura, contraditoriamente, o que era para se tornar um hábito virou o desprezo de muitos alunos.

Muitos críticos censuram a utilização de HQs em salas de aula, argumentam que os gibis desestimulam a leitura de livros e contribuem para a formação de adultos que não gostam de ler. VERGUEIRO (2004,p.20) discorda desta afirmação: "muitas pesquisas apontam que crianças que começam a ler com os quadrinhos têm mais facilidade para ler outros livros e procuram outras fontes de informação".

As vantagens na utilização desde tipo de recurso didático são o baixo custo de aquisição dos gibis, a fácil localização deste material e a familiarização dos estudantes com este meio de comunicação. A combinação de imagens, onomatopéias e texto atraem a atenção dos estudantes e estimulam o estudo e o conhecimento.

Ao contrário do que muitos pensam, não existem histórias em quadrinhos apenas infantis, há também histórias voltadas para o público adulto, mais intelectualizado e se destaca pela qualidade dos textos e dos desenhos. Histórias relacionadas ao sexo, política e os fatores sociais, como por exemplo, as revistas do Mad.

Compreender os tipos de HQs e seus gêneros é essencial para a boa utilização desse recurso na sala de aula. É preciso selecioná-las de acordo com a faixa etária dos alunos.

A utilização dos quadrinhos deve ocorrer em consonância com os livros didáticos, sendo que um não implica na extinção do outro. O ideal, segundo VERGUEIRO, é que gibis sejam apresentados a alunos de todas as faixas etárias durante o período escolar. Num primeiro momento, para o público infantil,as historias , como por exemplo A turma da Mônica, Zé Carioca, que as crianças procuram mesmo sem saber ler, serviriam para estimular o hábito de leitura e o interesse pela escola, trabalhando com os recursos utilizados pelas HQs, tais como, balões, onomatopéias e expressões faciais das personagens, com isso o aluno consegue identificar a reação das mesmas tornando-se mais perceptivo na leitura.

Já com alunos mais velhos, o ideal seria utilizar as HQs como suporte e exemplificação de temas específicos das aulas, como uma discussão sobre costumes de época ou sobre variações da linguagem, por exemplo. Trabalhar assuntos como a linguagem e as diferentes variedades lingüística, como por exemplo, as histórias do Chico Bento, menino da roça que fala errado, e que tem costumes diferentes dos da cidade, abordar a questão gramatical, como poderíamos escrever tal frase mencionada pelo personagem de forma correta, ou Cebolinha, menino da cidade que troca R pelo L, ambos personagens de Mauricio de Souza.. Também é viável fazer uma análise sintática das frases dos personagens, trabalhando com os verbos e suas funções, seu uso adequado. Introduzir aulas com quadrinhos que abordem temas transversais, de interesse de todos, como drogas, sexualidade e amor. Tudo isso pode ser utilizado nas aulas de Língua Portuguesa, não que o professor se afaste das gramáticas propriamente ditas, mas que possa utilizar os quadrinhos como uma forma mais atrativa do uso da linguagem estudada.

As HQs podem ser aproveitadas por todas as disciplinas, por exemplo, nas aulas de Artes, o professor pode incentivar os alunos a analisar a linguagem dos quadrinhos (balões, quadros, onomatopéias) e a brincar com ela, realizando suas próprias histórias. A metalinguagem que pode ser percebida, por exemplo, nas histórias em que o Cascão sobe no balão para fugir da água, pode dar origem a discussões ou à produção de histórias que utilizem esses recursos. Para aulas de Matemática, os alunos podem ser incentivados a criar histórias com personagens baseados em operações matemáticas ou que se envolvam em tramas cuja solução envolva problemas matemáticos.

Nas aulas de Ciências temas sobre puberdade, primeiros socorros, são um exemplo, é claro que as HQs não se atentem às nomenclaturas especificas, mas pode-se trabalhar o tema mais superficial para depois adentrar em suas especificidades.Para as aulas de geografia e história

Desenvolver reflexões mais críticas, com histórias mais elaboradas, como as charges e tiras do Hagar,um viking preguiçoso e tonto,ou da Mafalda, uma menina esperta e muito crítica para sua idade, por exemplo, que fazem com o aluno tenha que ter um conhecimento de mundo para poder compreende-los melhor

A constatação de que o uso das HQs funciona de forma positiva, tanto para crianças quanto para  adolescentes, ajuda a derrubar uma série de preconceitos  que  vigoraram, em certa medida, até o final da década de 70, no Brasil, e em algumas  partes  do  mundo.  Vistas com  reservas e sob o argumento de que afastavam os estudantes do hábito da leitura, foram mais valorizadas  a  partir  da  década  de  80,  em  que  os  livros  didáticos  buscavam  linguagens  menos  formais.  Tanto  que  estão  incluídas na Lei de Diretrizes e Bases e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)

O que se espera após uma abordagem como essa é mostrar para todos os educadores, seja das séries iniciais, ensino fundamental ou médio, que os gibis, cujo nome é mais conhecido, são grandes aliados na sala de aula, seja para demonstração das letras, como na alfabetização, como também uma interpretação mais profunda a partir das expressões faciais ou da linguagem dos balões feita pelos personagens, e não somente usados em Língua Portuguesa mas também em História, Geografia, trabalhando o momento histórico e o cenário geográfico entre outros, pois o ato de ler não é tarefa só do professor de Língua Portuguesa, mas de todos os educadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORDINI, Maria e AGUIAR, Vera Teixeira de. A formação do leitor. Porto Alegre:.Mercado Aberto, 1993

COELHO, Noeli Novaes. Literatura infantil: teoria e análise didática. São Paulo: Moderna,2000

LAJOLO,Maria. Do mundo da leitura para a leitura de mundo. São Paulo: Ática, 1993

MARTINS. Maria Helena, O que é leitura?. São Paulo: Brasiliense, 2006

RAMOS. Âgela e VERGUEIRO. Valdomiro, Como usar Quadrinhos na sala de aula.São Paulo. Contexto 2004

RAPPAPORT, Clara. Psicologia do desenvolvimento. São Paulo: EPU,1981

SILVA, Ezequiel Theodoro. O ato de ler. São Paulo: Cortez, 2000


Autor: Cristiane Nogueira


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