Direitos Humanos e Cidadania das Vítimas Primárias e Secundárias de Delitos Criminais



O presente trabalho teve como proposta fazer uma analise sobre a situação das políticas de governo para o atendimento dos Direitos Humanos e Cidadania das Vítimas Primárias e Secundárias de Delitos Criminais – roubos, assaltos à mão armada, latrocínios, seqüestros, tentativas homicídio e homicídio, sejam eles culposos ou dolosos, existentes no Estado do Amazonas, especificamente em Manaus. Após vinte cinco anos de experiência de trabalho dentro do sistema prisional, um fato que nos leva a refletir sobre esta falta de atendimento está relacionado à maior vulnerabilidade de certos segmentos sociais à violência e, portanto, à relação entre vitimização e sobreposição de carências, portanto, sem condições de pagarem por um tratamento adequado para a redução dos danos e seqüelas geradas no ato violento. Estudos demonstram que as vítimas de violência têm certo perfil e, embora exista uma sensação generalizada de insegurança, a maioria quase absoluta das vítimas de homicídio é composta de homens jovens, moradores de periferia, especialmente os negros. A triste constatação, portanto, é que há uma distinção na sociedade brasileira, que impôs a algumas pessoas maiores risco de sofrerem uma violência. Fato que dá relevância a este trabalho, pois esperamos que de alguma forma, possamos contribuir para um tratamento mais digno e humano para essa população invisível e excluída.

Na época da justiça privada, a vítima vivenciou o período em que era considerada de grande importância, pois a resposta ao crime era subordinada ao estado emocional da vítima, que tinha o direito de se vingar do autor do crime. É considerado o período do máximo protagonismo da vítima.

Num segundo momento houve um total abandono da vítima do delito. Efetivamente, com o aparecimento do sistema legal moderno foram definidos os direitos do infrator e reduzido o papel da vítima para o de simples testemunha do delito. Foi esquecida pelo processo legal, sob o argumento de que a resposta ao crime deve ser feita, não pela vítima através da vingança privada e represálias, mas sim através de um mecanismo que garanta a aplicação objetiva e institucionalizada da lei.

A vítima deixou de existir concretamente, passando a ser mais um conceito abstrato do direito, um objeto e não um sujeito de direitos. Existia apenas como objeto de investigação criminal. Também no âmbito político-social a reparação do dano e a ressocialização da vítima não está entre as metas do Estado.

O terceiro momento da vítima, o do seu redescobrimento, se caracteriza pela ampliação do interesse na vitimologia. Agora não mais como na época da vingança privada, mas como aquela que busca a redefinição do status da vítima e de suas relações com o delinqüente, com o sistema legal, a sociedade, o poder público e a ação política, seu objeto foi ampliado para temas como os das atitudes e propensão dos sujeitos para se converterem em vítimas do delito, das variáveis como sexo, idade e classes especiais de vítima, que intervêm no processo de vitimização.

A partir desta nova concepção, a Psicologia Social, com seus métodos teóricos, passam a contribuir nos estudos da vitimologia, com a base para a interpretação e explicação dos dados obtidos pelas investigações vitimologicas. Passando a observação dos fatores de vulnerabilidade da vítima de forma individualizada em cada tipo concreto de delito, tendo como perfil biológico - idade e sexo; biográfico - antecedentes psiquiátricos; sociais - recursos laborais, econômicos e apoio social informal; dimensões da personalidade - baixa inteligência e ansiedade.

Pautando-se em Von Hentig (apud Manzanera, 1990) faremos algumas considerações sobre os danos psicológicos sofridos pela vítima. Tanto primárias quanto secundárias, as vítimas sofrem graves lesões psíquicas após delitos violentos. São sentimentos de humilhação, ira, vergonha, impotência, preocupação constante pelo trauma, auto-culpabilização, perda progressiva pelos sentimentos de impotência por ela vividos, ansiedade, depressão e medo de freqüentar lugares de costumes.

A seqüela psíquica mais comum é a transformação permanente da personalidade, como ocorre após um seqüestro prolongado, onde a vítima vive o risco iminente de assassinato, surgindo traços de uma nova personalidade de caráter estável. Essas mudanças da personalidade podem ser ou não duradouras. Tomando a vítima traços inflexíveis, tais como atitudes de hostilidade e desconfiança diante do mundo, retraimento social, sentimentos de vazio, impotência e desesperança, que antes do ato delituoso não tinha.

A experiência de ser assaltado pode ser traumático psiquicamente, resultar em danos dramáticos para o psiquismo da vitima, que pode após um assalto a mão armada desenvolver um transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e segundo estudos, mesmo que a vítima que não tenha contato pessoal direto entre a vitima - ( caso das vítimas secundárias),há o surgimento de problemas emocionais como o temor e a sensação de desproteção.

Nos casos de vítimas do trânsito, estudos demonstram que o trauma pela vitimização psicológica ocasionada por veículos motorizados é mais freqüente, podendo passar por três fases, a aguda: breve duração, a vítima experimenta transtornos como agressividade, pânico, apatia, ansiedade e confusão: Subaguda: fase pós-aguda pode prolongar por semanas, se desenvolve os transtornos mentais, com reações emocionais e comportamento social desaptativo, e por último a reação em longo prazo: comotranstornos mentais não orgânicos e orgânicos.

Nos casos de maus tratos, abuso sexual e corrupção de menores, o impacto psicológico é gravíssimo, a vítima violada se apresenta triste e decaída, apática, com um retardamento psicomotor e baixo rendimento escolar, laboral e demais atividades, desenvolvendo respostas de retração ou anti-sociais, sintomas de intromissão, medo e ansiedade generalizada e pesadelos. Em alguns casos, segundo os estudos psicológicos, há também o que a doutrina chama de efeito espelho, onde a vítima de maus tratos durante a infância poderá reproduzi-la na maturidade, contra terceiros.

Nos casos de agressões físicas e lesões, ainda fundamentada em Hentig (apud Manzanera, 1990), a repercussão psicológica pode causar danos irreparáveis, o efeitoestressador, a sensação devulnerabilidade pessoal e as conseqüências sociais e econômicas do fato têm uma importância decisiva no grau de traumatismo. As pessoas vivenciam de modos diferentes a ação delituosa, pois dependem de fatores como o sexo e a idade, as mulheres e idosos vivenciam de maneira diferente o dramatismo da agressão.

No caso de estupro, que é um dos delitos mais traumatizante, as conseqüências são imediatas, surgem os transtornos de estresse pós-traumático e seqüelas em longo prazo, as reações emocionais são gravíssimas, em especial o medo, depressão e a raiva. Após a fase de impacto agudo em que se aprofunda pelo sentimento de culpa da vitima e depois uma evidente ansiedade crônica, acompanhada de tensão, fadiga, depressão e baixa auto-estima.

O medo é uma resposta psicológica individual típica de quem foi vitimizado, na verdade é o medo de se converter nesta vitima como vivência ou estado de ânimo coletivo e não associado a uma prévia vitimização. Trata-se do medo como expressão de desconfiança no próprio sistema e que induz à autoproteção.

Mister se faz a distinçãodo medo irracional do temor fundado de chegar a ser vítima de um delito. O medo irracional é um problema em si mesmo, que ocorre de modo desigual de acordo com diversas variáveis. O medo do crime costuma ser mais difuso e irracional do que um temor concreto e fundamentado.

Juridicamente, reportando-se em Calhau (2008), a vítima se sente em total desamparo, à espera da punibilização do autor do delito é estressante, no primeiro momento se sente injustiçado e impotente por não poder reagir de imediato, não sabe a quem se reportar, muitas vezes é recebido nos órgãos da justiça de forma grosseira, onde muitos não o querem ouvir com a devida atenção, é exposto na mídia de forma grotesca nos primeiros momentos, depois é esquecida completamente.Essa sensação de descaso da lei, da impunibilidade que se tornou quase oficial gera na vítima transtornos imensuráveis, chegando ao estresse em alto grau, e ainda reforça frases do tipo: "só tem direitos humanos para bandidos".

Do ponto de vista econômico e social, as perdas e danos são diversos, que vão desde a sensação de ser incapaz de resguardar e proteger seus bens e sua família. Existem motivos para não noticiar o delito, como por exemplo, o medo da represália por parte dos sujeitos na decisão de denunciar o delito e/ou de a vítima pertencer a certos grupos minoritários e temer não ser ouvida e/ou criticada, e até mesmo zombada pelos membros da comunidade em que vive. Além dos prejuízos que a vítima sofre com o delito (a vitimização primária) e com a conseqüência da investigação do processo (vitimização secundária), infelizmente, toda atenção se volta ao delinqüente; enquanto a vítima só inspira, quando muito, compaixão, chegando a sofrer até mesmo suspeitas em relação à sua conduta.

Eis por que a Vitimologia prega a urgência para a necessidade de se implantar programas de assistência, reparação, compensação e tratamento das vítimas do delito, como ocorre nos Estados Unidos, onde existem vários programas de ajuda e compensação da vítima, onde alguns deles são:

Programas de Assistência Imediata: que oferecem serviços ligados ao tipo material, físico e psicológico a vítimas de certos delitos que, geralmente, não são comunicados às autoridades.

Programas de reparação ou restituição de responsabilidade do próprio infrator: são aqueles programas que tratam de viabilizar a reparação do dano ou dos prejuízos sofridos pela vítima, mediante o pagamento de dinheiro e da realização de certa atividade do infrator em benefício da vítima. Com a grande vantagem de conscientizar o infrator do mal que causou à vítima e por desenvolver uma relação positiva entre infrator e vítima.

Programas de compensação da vítima: são aqueles que se baseiam na idéia de solidariedade social com a vítima inocente e na necessidade que tem o Estado de assumir custos que têm origem no seu fracasso de prevenir o delito. Visa evitar o mais absoluto desamparo da vítima no caso de insolvência do infrator ou de impossibilidade de garantir seu patrimônio para a compensação.Estes programas visam ressarcir os prejuízos do delito, o que varia a partir do caso concreto, mas existem algumas bases para a fixação deste valor, tais como: a incapacidade laboral em decorrência do delito, o tratamento e hospitalização da vítima.

Porém, tal ressarcimento vai depender de certos requisitos, como a inocência da vítima no delito, a sua cooperação com as investigações e com o sistema legal, sua solicitação expressa de ajudas, no entanto, houveram inúmeras críticas: primeiro, ao achar que ele iria aumentar o número de vítimas potenciais e crescer a criminalidade, e que iria aumentar o número de custos, penalizando o erário público. O que na realidade não aconteceu, as pessoas preferiram prevenir o delito a se beneficiar com ele.

Programas de assistência à vítima declarante: São aqueles programas que se dirigem àquelas vítimas que irão participar como testemunha no processo, como uma troca de favores. A finalidade fundamental do Advogado da vítima (aquele que o Estado coloca à sua disposição) é dar-lhe oportuno assessoramento jurídico e a assistência pessoal durante todo o processo, evitando estratégias da defesa, tratamentos desatenciosos e burocratizados daqueles que fazem parte do controle social formal, até mesmo, sensacionalismo de certos meios de comunicação que ajudam, e muito, no sofrimento da vítima.

Destaca-se que ao falar de estado estamos falando em todos os níveis do governo: municipal, estadual e federal, da Justiça e do poder legislativo, pois são eles que formam o "Estado", que tem como função principal trabalhar pelo bem estar da população brasileira.

E segundo a Constituição, que traz em seu bojo a questão dos direitos humanos no sentido pleno, torna-se tarefa principal do Estado, a elaboração de políticas públicas em benefício da promoção desses direitos.

No que tange ao papel do Estado perante as vítimas, existem resoluções e recomendações internacionais para a estruturação de sistemas públicos de reparação às vítimas de crimes, assumindo a obrigação de ampará-las, ao menos nos casos de infrações mais graves, nos casos de o autor do delito não puder ser punido ou, quando declarado penalmente responsável, e não tenha bens suficientes para arcar com a indenização que lhe corresponde.

Neste caso destaca-se a Resolução n. 40/34 da Assembléia Geral das Nações Unidas, aprovada em 29 de novembro de 1985, que instituiu a Declaração sobre os Princípios Fundamentais de Justiça para as Vítimas de Delitos e do Abuso de Poder, cujo objetivo é o de ajudar os governos e a comunidade internacional em seus esforços para garantir a justiça e a assistência às vítimas de delitos e às vítimas do abuso de poder. Dispõe esta Declaração sobre o ressarcimento devido às vítimas pelo infrator, e a indenização, devida pelo Estado quando o valor procedente do delinqüente ou de outras fontes não seja suficiente.

Recomenda para isso que seja fomentado o estabelecimento, o reforço e a ampliação de fundos nacionais e, quando necessário, também outros fundos com o mesmo propósito, incluídos os casos nos quais os Estados de nacionalidade da vítima não estejam em condições de indenizá-la pelo dano sofrido,Inclui, ainda, a assistência material, médica, psicológica e social que for necessária às vítimas, através de meios governamentais, voluntários, comunitários e autóctones.

Assim, entendemos que existe a responsabilidade subsidiária do Estado nas hipóteses de crimes dolosos violentos que tenham por resultado a morte da vítima. Pois, encontramos no modelo brasileiro, a Lei n. 9.099/95 instituiu o acordo civil de reparação de danos como resposta penal no caso de infração de menor potencial ofensivo de ação penal privada e pública condicionada, tendo a homologação do acordo realizado entre vítima e autor da infração efeito de renúncia ao direito de queixa e de representação (art. 74).Sobre a indenização dispõe que: quando não for suficiente a indenização procedente do delinqüente ou de outras fontes, os Estados procurarão indenizar financeiramente:

As vítimas de delitos que tenham sofrido importantes lesões corporais ou debilitação de sua saúde física ou mental como conseqüência de delitos graves;

A família, particularmente as pessoas dependentes das vítimas que tenham sido mortas ou, ficados física ou mentalmente incapacitados como conseqüência da ação danificadora.Será fomentado o estabelecimento, o reforço e a ampliação de fundos nacionais para indenizar as vítimas. "Quando proceda, também poderão ser estabelecidos outros fundos com esse propósito, incluídos os casos nos quais o Estado de nacionalidade da vítima não esteja em condições de indenizá-la pelo dano sofrido."

Temos então o respaldo legal para cobrar do Estado a responsabilidade, que é dar a assistência às vítimas de crimes, prevista na Constituição brasileira, em documentos internacionais e na legislação de inúmeros países, como também do Art. 245, que prega, conforme diz FERREIRA, v. 7. p. 503. 203 "A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito."

Desta forma, como afirma Rodríguez Manzanera, o Estado sendo pessoa jurídica responsável, cabe a obrigação de responder pelos danos originados de sua ineficácia na prestação de segurança, serviço público que lhe é próprio, com a implantação de medidas assistenciais, voluntárias ou auto-impostas, em prol dos vitimados.

Assim, visando ao bem estar social, à segurança jurídica e ao respeito aos direitos dos cidadãos, o Estado ao tomar para si a responsabilidade da segurança dos cidadãos, assume também a obrigação de reparar suas falhas, atendendo as vítimas da mesma forma que os outros inválidos, dever que se fundamenta ainda, nos impostos pagos pelos cidadãos para a sua proteção.

Muitos são os fundamentos para justificar o reconhecimento da responsabilidade do Estado perante as vítimas, pois a segurança pública, estabelecida na Constituição Federal como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (Art. 144), encarregada da prestação de segurança pública, visando à prevenção e à repressão de condutas delituosas, assegurando a ordem pública e a proteção dos indivíduos.

Mas acontece que, pela nossa história de exclusão e autoritarismo, muitas vezes, o Estado também viola os direitos humanos: nos despejos violentos nas cidades, nas ações de reintegração de posse que terminam com mortos e feridos, nas polícias que torturam e discriminam partes da população.

Seus agentes atuam informados pelo dever de agir, obrigados por lei a preservar e restabelecer a ordem pública e a proteção dos indivíduos, a omissão no exercício funcional, o abuso ou a arbitrariedade pelo uso indiscriminado da força, ou, ainda, a atuação anormal ou irregular de seus agentes, constituem ilícitos pelos quais o Estado deve responder, indenizando o administrado quando lhe causa danos.

Assim tem fundamental importância, tendo como uma das causas justificadoras de sua existência, a proteção da sociedade como todo, em razão da fragilidade e limitação do homem e da necessidade da preservação de sua pessoa, de seu grupo e de seus bens, mantendo sua dignidade intacta.É por isso que os direitos humanos fazem parte da principal lei brasileira, a Constituição – a lei que todas as outras leis têm de respeitar e cumprir.

Podemos perceber através deste estudo, que a realidade vivida pelas pessoas que sofrem esses tipos de violência é de total abandono, pois estão totalmente desassistidos por parte da maioria dos estados brasileiros, e são vítimizados tanto pelo autor do delito quanto pelo sistema, no amazonas, especificamente em Manaus, não encontramos nenhuma instituição promotora de Direitos Humanos com programas de ações específicas para esse público, que a cada dia torna-se maior perante o crescimento da violência,como também, nenhuma associação ou conselho estadual ou municipal, que lute pelos seus direitos.

A Constituição não traz em seu bojo nenhuma explanação clara e efetiva sobre o aparato estatal protetivo dessas vítimas. Não há nenhum tipo de assistência direcionada a redução de danos e seqüelas causadas pelo ato de violência contra seus direitos.

E tanto empiricamente quanto através de estudos psicológicos, podemos verificar que os danos são diversos e, em sua maioria são gravíssimos, s ocorre uma mudança repentina na vida dessas pessoas, pois são afetados a auto-estima, sua personalidade, sua moral, seu caráter e seu aspecto físico emocional, financeiro e espiritual.

Algumas pessoas, que sofreram um ato violento como um assalto relatam em conversas informais que evitam sair de casa por medo, sentem-se desprotegidas e desconfiadas, quando um parente, filho ou marido saem para escola ou trabalho reza para que nada aconteça, pois não acreditam na justiça e não se sentem em segurança.

Outras, após a perda do provedor da família, ficam financeiramente desestruturadas por um determinado período, os filhos ficam com problemas diversos, entre eles, a queda do rendimento escolar e deprimidos, quando não, violentos e desejosos de vingança, alguns se recuperam e outros, às vezes param de estudar ou entram para o mundo das drogas.

O ato violento degrada o ser humano, traz novas normas de comportamento, são seqüelas que só através de um acompanhamento psicológico podem ser reduzidas ou sanadas, pois ficam oprimidos em um mundo completamente hostil, cheio de mágoas, sofrimento, tristeza, dor, abandono e solidão.

Outro fato que nos leva a refletir sobre esta falta de atendimento está relacionado à maior vulnerabilidade de certos segmentos sociais à violência e, portanto, à relação entre vitimização e sobreposição de carências, portanto, sem condições de pagarem por um tratamento adequado.

As vítimas de violência têm certo perfil e, embora exista uma sensação generalizada de insegurança, a maioria quase absoluta das vítimas de homicídio é composta de homens jovens, moradores de periferia, especialmente os negros. A triste constatação, portanto, é que há uma distinção na sociedade brasileira, que impôs a algumas pessoas maiores risco de sofrerem uma violência.

No plano internacional, a preocupação com as vítimas fez eco entre os Estados que compõem a ONU. A Assembléia Geral da ONU elaborou a "Declaração dos Princípios Fundamentais de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder", com o voto do Brasil, no Congresso de Prevenção de Crime e Tratamento de Delinqüente, em Milão, em 29 de novembro de 1985. Esta declaração aponta recomendações aos Estados no sentido de reduzir a vitimização e, para tanto, leva em consideração que as "vítimas da criminalidade e as vítimas de abuso de poder e, freqüentemente, também as respectivas famílias, testemunhas e outras pessoas que acorrem em seu auxílio sofrem injustamente perdas, danos ou prejuízos e que podem, além disso, ser submetidas a provações suplementares quando colaboram na perseguição dos delinqüentes" (g.n).

Uma das recomendações desta Declaração diz respeito a medidas para promover a ajuda às vítimas, informando-as e orientando-as sobre as providências judiciais, bem como outras medidas que visam proteger a sua vida privada e garantir a sua segurança, de sua família e das testemunhas. Posteriormente, foi elaborada pela Assembléia Geral, em Resolução 40/34, de

29/11/1985, o documento sobre a aplicação desta Declaração, insistindo na recomendação para que os Estados instituam prestação de serviços de assistência às vítimas de criminalidade.

Entre outros importantes pontos, reconhece a necessidade de atenção aos familiares das vítimas e define o conceito de vítima indireta, afirmando que "vítima também inclui a família imediata ou dependente da vítima direta e pessoas que tem sofrido dano".

Diante do exposto, nos resta sugerir aos poderes públicos a criação de um Centro de Atendimento e Apoios a estas vítimas, objetivando:

• promover a proteção e o apoio a vítimas de infrações penais em geral e em particular às mais carenciadas, designadamente através da informação, do atendimento personalizado e encaminhamento, do apoio moral, social, jurídico, psicológico e econômico;

• colaborar com as competentes entidades da administração da justiça, policiais, de segurança social, da saúde, bem como as autarquias locais, regiões autônomas e outras entidades públicas ou particulares, na defesa e exercício efetivo dos direitos e interesses da vítima de infrações penais e respectivas famílias;

• incentivar e promover a solidariedade social, designadamente através da formação e gestão de redes de cooperadores voluntários;

• fomentar e patrocinar a realização de investigação e estudos sobre os problemas da vítima, para a mais adequada satisfação dos seus interesses;

• promover e participar em programas, projetos e ações de informação e sensibilização da opinião pública;

• contribuir para a adoção de medidas legislativas, regulamentares e administrativas, facilitadoras da defesa, proteção e apoio à vítima de infrações penais, com vista à prevenção dos riscos de vitimização e atenuação dos seus efeitos;

• estabelecer contactos com organismos internacionais e colaborar com entidades que em outros países que mantêm este tipo de atendimento.

Nestes Centros seriam desenvolvidas as seguintes atividades:

Prestação de atendimento interdisciplinar – psicológico jurídico e social – a vítimas primárias e secundárias de crimes violentos graves;

Identificação do perfil da violência criminal urbana, côo fora de prevenção;

Identificação e redução dos efeitos traumáticos provenientes da violência sofrida pelas vítimas e por suas famílias;

Inserção da vítima no processo penal, lhe garantindo o acesso a justiça;

Apoio e orientação àqueles que podem contribuir como testemunhas;

Atuação no combate e/ou minimização dos efeitos da vitimização secundária, através de capacitações a agentes estatais e demais profissionais para o atendimento das vítimas e seus familiares;

Promoção de eventos periódicosabordando a temática da vitimização e da violência.

Como público alvo destes centros estaria englobado:

As vítimas e familiares de vítimas de crimes como: homicídio (consumado e tentado), Latrocínio (consumado e tentado), Lesão corporal grave e ameaça com risco à vida ou a integridade, Roubos, Assaltos à mão armada e Seqüestros, como também os que de alguma forma foram afetadas com o fato.

Consideram-se familiares o cônjuge, companheiro, bem como, o ascendente e descendente em qualquer grau, o colateral até o terceiro grau, por consangüinidade ou afinidade, que possuam relação de dependência econômica e/ou ligação afetiva com a vítima principal.

O Embasamento jurídico para a criação destes Centros pode ser encontrada no Artigo 245, da Constituição Federal, que prevê modestamente as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas, por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do delito.

Como também, no Programa Nacional de Direitos Humanos, onde reza o apoio para a criação destes Centros nas áreas com maiores índices de violência, como política de atenção e garantia do direito a vida e nas recomendações da Declaração de Direitos Humanos. Assim digo que o ato mais nobre dos governantes consiste em desenvolver as ações do Estado, de forma que sejam entendidas na perspectiva colocada pelos direitos humanos. Não podemos esquecer-nos dos serviços públicos, como saúde e educação, que são direitos humanos, mas também estamos falando do direito a vida, a segurança e à dignidade dos seres humanos.

"Eu sou gente, eu sou povo, eu sou Brasil;

Sou uma criança e tenho sonhos mil.

Quero uma casa, quero me alimentar;

Quero estar com saúde

Para poder estudar e brincar

Quero amar e ser amado.

Quero ter uma família, quero ter um Lar.

Que meus sonhos não sejam roubados,

Assim como meus bens materiais.

Quero segurança, apesar de ser criança,

Quero ter Paz e quero ser livre,

Livre da Violência,

Dos abusos e das drogas.

Quero respeito e dignidade.

Quero poder crescer,

Quero ser diferente,

No meio de tanta gente,

Mas tratado como igual.

É este meu pequeno sonho ideal.

Por favor- Brasil, torne-o "Real".

(Francisca Elizabeth nascimento de Souza – fens)


Autor: Francisca Elizabeth Nascimento de Souza


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